Now Reading
Ontologias do outro, outras epistemologias: decolonialidade e princípio pluralista

Ontologias do outro, outras epistemologias: decolonialidade e princípio pluralista

blank

O desafio epistemológico que se apresenta ao cientista da religião nos dias de hoje diz respeito ao desenvolvimento e aperfeiçoamento de recursos teórico-metodológicos capazes de lidar com o problema da alteridade do outro diante do fenômeno religioso. Com a emergência do paradigma decolonial, as Ciências da Religião assumem o compromisso de destinar atenção às configurações religiosas, sociopolíticas, econômicas, culturais e epistêmicas estabelecidas em espaços fronteiriços, reconhecendo e validando a diversidade de denominações presentes no campo religioso mediante a adoção do princípio pluralista. Segundo Ribeiro (2017, p. 241), tal princípio é tido como

[…] um instrumento hermenêutico de mediação teológica e analítica da realidade sociocultural e religiosa que procura dar visibilidade a experiências, grupos e posicionamentos que são gerados nos “entrelugares”, bordas e fronteiras das culturas e das esferas de institucionalidades. Ele possibilita divergências e convergências novas, outros pontos de vistas, perspectivas críticas e autocríticas para diálogo, empoderamento de grupos e de visões subalternas e formas de alteridade e de inclusão, considerados e explicitados os diferenciais de poder presentes na sociedade. Nossa pressuposição é que o princípio pluralista formulado a partir de lógicas ecumênicas e de alteridade possibilita melhor compreensão do quadro religioso e também das ações humanas.

De acordo com Claudio Ribeiro (2017), os desafios que se insinuam para os cientistas da religião a partir do aparelhamento epistemológico com paradigma decolonial se organizam a partir de três pontos centrais:

1º) comprometerem-se com a promoção de um alargamento metodológico, contribuindo para uma atualização nas formas de compreensão da realidade. Isso só será possível caso os pesquisadores e pesquisadoras se desviem da clássica bipolarização analítica introduzida com os estudos marxistas – caracterizados por disporem a sociedade em duas versões opostas (os dominantes e os dominados), o que, de certa forma, favorece o ocultamento da complexidade e da diversidade dos arranjos socioculturais que se organizam em torno da religião;

2º) conferirem atenção às subjetividades do outro, que aparecem atreladas às diferentes formas de espiritualidades;

3º) compreenderem as dinâmicas da pluralidade religiosa, atendendo às reivindicações que se apresentam por parte da sociedade, o que implica destinar atenção às minorias étnico-raciais, de gênero etc. e requer a capacidade de adotar uma postura maleável e acolhedora das alteridades (RIBEIRO; SERRA, 2021).

Desse modo, as Ciências da Religião tratam do pluralismo religioso e lidam com a diversidade religiosa de forma comprometida, fomentando o diálogo inter-religioso e combatendo a intolerância, ao passo que busca, cada vez mais, evidenciar a subjetividade do outro, que se reflete nas suas cosmovisões.

Assim, para além da conscientização acerca dos mecanismos de perpetuação da colonialidade, cabe aos cientistas da religião engajarem-se na desconstrução dessas estruturas opressoras arraigadas, desenvolvendo não só teorias e métodos alternativos para o tratamento do fenômeno religioso, como esforçando-se para confrontar fundamentalismos e promover discursos de paz e de tolerância.

 VEJA TAMBÉM
blank


Referências

RIBEIRO, Claudio de Oliveira. O princípio pluralista: bases teóricas, conceituais e possibilidades de aplicação. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, v. 25, p. 234-257, 2017.

RIBEIRO, Claudio de Oliveira; SERRA, Cristiana de Assis. O catolicismo brasileiro sob a ótica do princípio pluralista. Interações, Belo Horizonte, v. 16, n. 1, p. 149-167, 2021.