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Perspectivas dialogais e o conceito de Jihad

Perspectivas dialogais e o conceito de Jihad

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Estas reflexões pretendem retratar o que representa o conceito de jihad no islã a partir de uma categoria específica: O jihad maior. Ela possui uma perspectiva dialogal, que contribui para repensarmos as formas de diálogos interfés, além de trazer conexões com o princípio pluralista, promovendo a abertura necessária para o diálogo. Este princípio

realça elementos-chave da vivência religiosa e humana como: (i) a alteridade conjuntiva que engloba as relações interpessoais, coletivas, subjetivas, corpóreas e cósmicas, (ii) o respeito e a afirmação da diferença e (iii) o diálogo e cooperação prática e ética em torno da busca da justiça em relação a grupos empobrecidos e subjugados pelas mais diferentes formas de dominação. A aproximação, o diálogo e a cooperação entre grupos de expressões religiosas distintas cooperam para que elas possam reconstruir seus princípios fundantes e identidades. Daí a ênfase na pluralidade e no diálogo justo como condição imprescindível para se construir identidades autênticas e plurais e rever suas contribuições para o mundo, dentro dos critérios da justiça, da paz e da sustentabilidade da vida, levando em conta os diferenciais de poder entre cada expressão religiosa. (RIBEIRO, 2020, p. 26)

Atualmente, a violência e a intolerância são pontos que marcam presença nas identidades. De acordo com o que apresenta Faustino Teixeira (2003), vivemos uma inquietação constante devido à violência que por vezes é condicionada pelas religiões. Dessa forma, surgem conflitos étnicos entre grupos ou entre comunidades religiosas. Em busca de alternativas para melhorar as abordagens sobre o diálogo entre as religiões e a compreensão do pluralismo se torna importante trazer meios de dentro das próprias religiões para o debate.

No islã, essa abertura dialogal se torna possível por meio do Alcorão e dos ensinamentos sobre o que representa a essência da religião, bem como mediante conceitos abordados dentro dela. O conceito de jihad é muito vasto e polissêmico no contexto do islã e mostra várias possibilidades de interpretação e vivência que variam de acordo com as vertentes presentes na religião.

A tensão gerada pelo conceito não é de fácil explicação. Há muitos equívocos na compreensão da relação entre muçulmanos e o ocidente, onde o jihad, por vezes, é visto como guerra santa e associado a violência. Porém, é preciso ter em mente que foram longos períodos e momentos da história para chegar a essa interpretação. Mas considerando-se a forma como o jihad se traduz do árabe, idioma usado pelo islã, o conceito tem outras conotações e divisões. Para essa reflexão, será abordada a parte que apresenta um significado voltado ao bem-estar de todos: o jihad maior.

Dentro desse significado religioso, o jihad é uma luta contra as tentações, um esforço da alma (CHEREM, 2009). Tal visão está presente em todo o islã e se mostra como uma forma dialogal, o que é muito fora do que a mídia apresenta e distante daquilo que, no senso comum, nos mostram sobre a religiosidade islâmica.

Nas percepções do jihad maior, ou Jihad al Akbar, o autor Seyyed Nasr (2015) mostra que o jihad pode ser uma forma de equilíbrio na vida do crente, porque visa a uma integração, uma unidade, pontos importantes para a crença islâmica. O jihad maior é colocado como algo em prol do coletivo, uma luta do indivíduo com ele mesmo para um bem maior; inclui pensar no irmão e desejar a ele aquilo que você deseja a si mesmo (NASR, 2015). O jihad maior é um esforço sincero no caminho de Deus.

Marco Lucchesi (2002) interpreta o jihad com a ideia do coração, que ele existe para amar os outros e para amar a Deus. As pessoas consideradas mais bondosas aos olhos de Deus são aquelas que lutam contra o egoísmo. Dessa forma, o jihad maior é considerado um jihad obrigatório, é preciso se esforçar, travar uma luta contra o ego e os desejos (NASR, 2015); além disso, é praticado pelo Profeta Muhammad, considerado um exemplo a ser seguido por todos os muçulmanos (COOK, 2009).

De acordo com Surkheel Sharif (2006), o jihad maior se apresenta como combate ao ego, um combate interior no qual o ser humano busca forças para superar as tentações e os desejos carnais. Percebe-se que o jihad inclui os sentimentos humanos, referentes a nossa consciência e a nossos atos com os outros.

Na categoria de estar para além do combate físico, o jihad no islã é visto como multifacetado e que pode incluir vários meios para ser realizado, como o esforço e a dedicação para o bem, mesmo em situações cotidianas. Ajudar alguém a se manter no bom caminho, permanecer na sinceridade e na gentileza, propor melhorias nas áreas de educação e cultura também são consideradas formas muito honradas de jihad. Do mesmo modo, trazer melhorias ao meio social e econômico são maneiras diferentes de se realizar o jihad (HAKIM, 2016).

O jihad maior se apresenta como uma busca incessante de abertura ao próximo, de aproximação do outro. Tal parte do islã é regada de cortesia e também de delicadeza (TEIXEIRA, 2015). Tudo aquilo que promove bem-estar à comunidade como um todo pode ser considerado uma forma de jihad. Desse modo, o jihad maior se apresenta como uma luta do ser humano contra si mesmo, contra seu ego e suas paixões, e deve ser exercitado para o bem de toda a comunidade. Vale lembrar que essa comunidade se refere a toda a humanidade, portanto podemos incluir os outros seres vivos como parte da mesma, haja vista que o islã integra todas as criaturas de Deus.

Podemos concluir que sem a abertura ao outro, se não buscarmos alternativas para promover o diálogo, a convivência se tornará mais difícil e consequentemente trará dificuldades às relações. É preciso ter em mente a interligação de todos os seres, como uma grande comunidade, e promover o bem e o melhor para todos os integrantes dela. O pluralismo é uma marca da sociedade atual, e, dessa maneira, refletir a partir do princípio pluralista e alternativas dialogais se torna essencial. É preciso decolonizar as análises sociais, os estudos de religião, para evitarmos pensamentos únicos (RIBEIRO, 2020). É possível trazer à tona um conhecimento daqueles que foram silenciados, e o princípio pluralista muito contribui com esse meio, pois a perspectiva decolonial é uma de suas bases principais.

Ao se tratar de religião, se faz necessário propor metodologias voltadas a uma abordagem mais profunda, que estão muito além do pensamento único. É preciso questionar os centrocentrismos (RIBEIRO, 2020). Assim como o conceito de jihad, precisamos sair de uma abordagem única e nos abrir a uma polissemia que corresponde ao conceito. Trazer a metodologia do princípio pluralista nos ajuda a construir novas análises e valorizar as diversidades.


Referências

CHEREM, Youssef. Jihad: duas interpretações contemporâneas de um conceito polissêmico. Campos, Campinas, v. 10, n. 2, p. 83-99, 2009.

COOK, David. Islamism and Jihadism: The Transformation of Classical Notions of Jihad into an Ideology of Terrorism. Houston: Routledge, 2009.

HAKIM, Nurul. The concept of jihad in islam. IOSR Journal of Humanities and Social Science (IOSR-JHSS), v. 21, n. 9, p. 35-42, Sep 2016.

 VEJA TAMBÉM
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LUCCHESI, Marco (Org.). Caminhos do islã. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2002.

NASR, Seyyed H. The Study Quran. San Francisco: Harper One, 2015.

RIBEIRO, Claudio de Oliveira. Religião, Decolonialidade e o princípio pluralista. Numen, Juiz de Fora, v. 23, n. 1, p. 21-40, jan./jun. 2020.

SHARIF, Surkheel. Jihad al Nafs: The greater struggle. Londres-Inglaterra: The Jawziyya Institute, 2006.

TEIXEIRA, Faustino. O diálogo inter-religioso na perspectiva do terceiro milênio. Horizonte, Belo Horizonte, v. 2, n. 3, p. 19-38, 2003.

TEIXEIRA, Faustino. O sufismo e a acolhida da diversidade religiosa. Pistis & Praxis, Curitiba, v. 7, n. 1, p. 45-63, jan./abr. 2015.