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O princípio pluralista e o Ensino Religioso Escolar

O princípio pluralista e o Ensino Religioso Escolar

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 “O homem existe – existere – no tempo. Está dentro. Está fora. Herda. Incorpora. Modifica. Porque não está preso a um tempo reduzido a um hoje permanente que o esmaga, emerge dele. Banha-se nele. Temporaliza-se”.

(Paulo Freire, 1999, p. 49)

A partir de uma velha história zen-budista, ensina-se que não se pode colocar chá em uma xícara cheia. É preciso esvaziar-se! É preciso experimentar outras bebidas, usar outras xícaras, experimentando, também, outros vazios. Em sala de aula, algumas referências são estabelecidas, e muitas xícaras são ofertadas, muitas bebidas são servidas. Mas o que estaria ainda limitando uma jornada mais frutífera?

Paulo Freire, na obra Pedagogia da autonomia (2021), aponta os saberes que seriam necessários à prática educativa. De maneira direta e ordenada, ensina: rigorosidade do(s) método(s), pesquisa (científica), respeito aos saberes dos educandos (nenhuma xícara está vazia), criticidade estética e ética, risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação, reflexão crítica sobre a prática, reconhecimento e assunção da identidade cultural. Esses tópicos compõem as seções do capítulo “Prática docente: primeira reflexão”.

No segundo capítulo, Freire, ao afirmar que educar não é transferir conhecimento, esclarece que o ensinar exige consciência do inacabado, autonomia do educando, apreensão da realidade, convicção de que a mudança é possível e, mais, exigem-se compromisso, liberdade e autoridade, saber escutar, disponibilidade para o diálogo, querer bem. Esses últimos pontos são especialidades humanas, discutidas no terceiro capítulo. Esse “roteiro” inspira a prática docente e também constrói um manual da prática discente.

Assim, quando se fala em Ensino Religioso Escolar, deve-se absorver os ensinamentos de Freire e incluir outros métodos e formas mais específicas de análise e desenvolvimento. No Ensino Religioso Escolar, o docente precisa se preocupar em abordar várias questões, como diversidade, laicidade do Estado, espaços de mediação, intolerância religiosa e as violências geradas por ela, questões de gênero e de orientação sexual (JUNQUEIRA; BRANDENBURG; KLEIN, 2017).

Nessa direção, o princípio pluralista é

[…] um referencial de análise facilitador de uma melhor compreensão do complexo e variado quadro religioso, que pode também ser utilizado como noção condutora de reflexões sobre o pluralismo metodológico e antropológico, tanto em termos do caráter descritivo e sociológico das ciências da religião quanto em termos da dimensão hermenêutica da Teologia. (RIBEIRO, 2020, p. 220)

Neste texto, o autor tem por objetivo indicar o princípio pluralista como ferramenta útil para a prática docente nos cursos/disciplinas de Ensino Religioso Escolar. Ele também apresenta tarefas decoloniais e como estas podem se tornar importantes critérios da prática docente. Passemos a ver algumas delas e a descrição associada à práxis do Ensino Religioso.

 Crítica à visão de um pensamento único

A evolução das diversas sociedades no passado tinha uma visão míope da humanidade como um todo, seja pelo isolamento geográfico, seja pelo isolamento cultural autoimposto por algumas sociedades. A humanidade caminha na direção de uma grande aldeia, porém pode conter uma infinidade de vozes, cores, entendimentos e pensamentos. Todas as ideias são, por vezes, sublimadas em novas ideias, porém o pensamento único (tal como a unanimidade) é “limitado”, pois não consegue garantir que todas as vozes sejam ouvidas plenamente. Em sala de aula, os educandos devem ser levados não somente a conhecer novos pensamentos, mas correlacioná-los (quando for o caso), localizá-los no tempo e no espaço e delinear os entrelugares (zonas “acinzentadas”) e as fronteiras.

 A revisão da perspectiva centrocentrista

A necessária discussão sobre reconhecer a importância de processos decoloniais se inicia pela compreensão de origem do preconceito, do racismo e da violência gerada por esses processos. Quem é o centro do mundo? Qual é a cultura mais importante? Que povo ou cultura é modelo para a humanidade? Essas são algumas perguntas que indicam a visão de hierarquia entre as sociedades ou culturas e que deve estar fora daquelas possíveis de serem investigadas pelos estudantes.

Revisão da noção de indivíduo desprovida da interação constituinte do humano com a comunidade, a história, a natureza e o cosmo

Um dos eixos estruturantes do Ensino Religioso Escolar é o de identidades e diferenças, que deve abordar temas como alteridade, dignidade, religiosidade e cultura. Nesse eixo enfocam-se os aspectos da subjetividade humana e a singularidade mediante outras espécies. Assim, ele está plenamente encaixado ao exercício decolonial proposto.

 Necessidade de dar visibilidade, no âmbito acadêmico-científico, aos saberes dos povos tradicionais

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É preciso dar voz a todas as culturas. Deve-se reconhecer os/as diferentes e as diferenças por meio do exercício do diálogo inter-religioso e de relações interculturais no contexto da ética da alteridade. Nesse caso, a sistematização apropriada da linguagem acadêmica impõe modos mais plenos de análise e de divulgação dos saberes, sobrepondo-se à narrativa do “senso comum” oriunda dos “privilegiados”.

Por fim, é importante reafirmar a forte dependência de uma metodologia como a que valoriza o pluralismo religioso, tal como requer o princípio pluralista, associada à prática da sala de aula, em particular nos exercícios do Ensino Religioso Escolar.


Referências

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 23. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 63. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021.

JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo; BRANDENBURG, Laude Erandi; KLEIN, Remí (Orgs.). Compêndio do ensino religioso. São Leopoldo: Sinodal; Petrópolis: Vozes, 2017.

RIBEIRO, Claudio de Oliveira. Princípio pluralista. In: RIBEIRO, Claudio de Oliveira; ARAGÃO, Gilbraz; PANASIEWICZ, Roberlei (Orgs.). Dicionário do pluralismo religioso. São Paulo: Recriar, 2020. p. 220-227.