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Contribuições do princípio pluralista para o Ensino Religioso: as aulas de religião nas escolas públicas a partir da perspectiva decolonial

Contribuições do princípio pluralista para o Ensino Religioso: as aulas de religião nas escolas públicas a partir da perspectiva decolonial

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“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.

(Paulo Freire, 1996, p. 15)

No Brasil, a disciplina de Ensino Religioso permanece alvo de diversas discussões e muitos mal-entendidos historicamente construídos e enraizados. Apesar de a legislação vigente estabelecer que sua oferta é obrigatória nas escolas públicas de educação básica, a disciplina ainda está longe de ocupar os currículos de maneira devida. Isso ocorre por várias razões, entre as quais a visão de um ensino religioso acrítico, associado muitas vezes a uma proposta de catequização aos moldes coloniais. Assim como todas as demais disciplinas do currículo escolar, ela possui um curso acadêmico de referência e um conjunto de competências e habilidades a serem trabalhadas, considerando a pluralidade e a diversidade do campo religioso brasileiro.

A pluralidade é parte inerente ao espaço escolar. A escola é o local onde o convívio com a diversidade se realiza, e isso se torna mais acentuado no caso das escolas públicas que integram crianças e jovens oriundos de diferentes círculos sociais. Nesse sentido, as aulas de Ensino Religioso potencializam essa experiência ao agrupar alunos de diferentes matrizes religiosas e oferecer um espaço para que todos possam conhecer e interagir com essa pluralidade.

Partindo dessa colocação e pensando o Ensino Religioso na educação básica da escola pública, vemos nas bases do princípio pluralista contribuições significativas para essa disciplina. Um importante subsídio desse princípio reside justamente na visão pluralista da religião e no alargamento do conceito. As aulas não podem se limitar a uma síntese descritiva das religiões ou mesmo à seleção de uma tradição em detrimento das outras. O debate precisa superar a visão estática das religiões e trazer elementos que integrem as aulas aos conhecimentos necessários à formação integral dos alunos e alunas.

O conceito de religião não pode ser entendido de forma exclusivista, que enxerga em apenas uma tradição religiosa a salvação; nem a partir de um viés inclusivista, que acredita superar a questão da diversidade, incluindo outras tradições no escopo da salvação; e nem mesmo carregar uma visão relativista, que defende que cada religião possui o seu caminho para a salvação e que todos estão corretos à sua maneira.

As aulas de Ensino Religioso em uma perspectiva pluralista devem buscar o diálogo e a cooperação entre os estudantes por intermédio da vivência pessoal deles com a religião, a valorização da troca de experiências dos aspectos das diferentes tradições aliados ao conhecimento acadêmico baseado no conteúdo a ser trabalhado. “Portanto, como vemos, o pluralismo religioso vai muito além da tarefa de elencar e descrever os grupos religiosos específicos, mas possui facetas muito mais variadas e complexas. O princípio pluralista contribui para o desvelamento de tais facetas” (RIBEIRO, 2021, p. 29).

Aliada a essa dimensão da pluralidade, está a perspectiva decolonial, que preconiza a valorização dos saberes dos grupos historicamente subalternizados e o empoderamento das experiências não oficiais e extrainstitucionais a partir de seu valor dentro da realidade sociocultural brasileira. O conhecimento trazido pelos estudantes, muitos dos quais oriundos de áreas periféricas nas cidades, deve ser considerado no processo educativo e de construção dos saberes na escola.

Nas aulas de Ensino Religioso, além do conteúdo, deve ser debatido o papel da religião na vida dessas crianças e de que forma ela está presente no contexto das comunidades e regiões periféricas da cidade. Além disso, é preciso considerar o papel das lideranças religiosas nesses espaços e de que forma esses grupos, por meio de suas experiências e dinâmicas estabelecidas no cotidiano, podem enriquecer o processo educativo e tornar as aulas menos teóricas e mais próximas da realidade deles. Dessa maneira, espera-se alcançar de maneira mais contundente as competências propostas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Brasil, 2018) para a disciplina.

De maneira geral, apesar dos avanços nos meios acadêmicos em relação às pesquisas sobre a pluralidade religiosa no Brasil e a proposta decolonial, todo esse debate ainda está muito distante de alcançar as dimensões necessárias. A grande questão que permanece é: como equalizar esses saberes trazidos pelos alunos com o saber formal? Na sociedade, no mercado de trabalho e na vida social como um todo, especialmente fora das zonas conflagradas, é o saber formal que vai definir os meios de sobrevivência dessas crianças e jovens. O saber científico balizado pela cultura ocidental, patriarcal e cristianizada ainda se sobrepõe aos demais saberes. Sendo assim, a escola não pode se eximir desse papel de mediação entre as diferentes realidades, e as aulas de Ensino Religioso podem vir ser um importante disparador de uma profunda mudança no fazer educacional brasileiro.


Referências

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. 3ª versão. Brasília: Ministério da Educação e Cultura, 2018. Disponível em: portal.mec.gov.br. Acesso em: 20 dez. 2022.

 VEJA TAMBÉM
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 25. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo. Uma ciência como referência: uma conquista para o Ensino Religioso. Rever, São Paulo, v. 15 n. 2, p. 10-25, jul./dez. 2015.

RIBEIRO, Claudio de Oliveira. O princípio pluralista. São Paulo: Loyola, 2020.

RIBEIRO, Claudio de Oliveira. O princípio pluralista em resumo. Campinas: Saber Criativo, 2021.

SILVEIRA, Emerson; JUNQUEIRA, Sérgio Rogério Azevedo (Orgs.). O ensino religioso na BNCC: Teoria e prática para o ensino fundamental. Petrópolis: Vozes, 2020.