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O humano, a natureza e o espiritual

O humano, a natureza e o espiritual

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O princípio pluralista é uma perspectiva interpretativa, conceitual e metodológica proposta por Claudio Ribeiro para refletir a religião. Ele é fundamentado na teologia latino-americana da libertação, em teologias protestantes e nos estudos culturais decoloniais. O autor propõe aprofundar o pluralismo religioso, com o reconhecimento da diversidade, com interseções com o pluralismo metodológico e o antropológico, o que inclui os aspectos de raça, justiça, classe/economia, ecologia e globalização.

Ao refletir sobre tal princípio, busquei pensar em uma imagem que pudesse sintetizar minha percepção sobre aquela abordagem, visto que ela considera o diálogo inter-religioso visto sob lógicas ecumênicas, de entrelugares e de alteridade. Nesse sentido, inicio o presente texto com uma aquarela que eu mesma pintei para efetivar este trabalho, pois considero a produção simbólica importante via de comunicação no cotidiano.

Proponho para a referida imagem a seguinte interpretação simbólica: a luz do sol representa o transcendente, o religioso; a flor no vaso se refere à interferência do humano sobre a natureza e a construção religiosa; a flor vermelha simboliza a conexão com o divino por meio de oferendas; e a borboleta indica tanto a natureza viva quanto as metamorfoses da vida e da relação com o espiritual.

As religiões não são naturais, pois por intermédio das emoções, das linguagens e das ações os seres humanos direcionam-se a figuras religiosas, constroem as concepções do sagrado (ELLER, 2018). Com isso, tanto as experiências do sujeito quanto as concepções e os símbolos religiosos prévios formam as percepções e os discursos religiosos. Diante de uma perspectiva plural das religiões, que concebe o diálogo inter-religioso, há também diversidades internas nas diferentes crenças. Assim, as memórias, os discursos e as práticas são interdependentes nos seus respectivos interiores.

Ademais, as expressões de fé do contemporâneo estão ligadas a mudanças das relações do ser humano com a natureza e com Deus: a crescente individualidade, a exploração do ecossistema para produção de bens materiais e a possibilidade de conversão ou trânsitos entre religiões, bem como a combinação de práticas espiritualistas e de novas religiões. É fato que a modernidade europeia foi construída com base na religião (influenciada pela ética protestante do trabalho como vocação sobre o capitalismo), com a perda da influência de grandes sistemas religiosos e suas respectivas recomposições (HERVIEU-LÉGER, 2015). Todavia, deve-se considerar os distintos contextos espaçotemporais nos quais as religiões são aplicadas, pois as dinâmicas culturais interferem na concepção de mundo e nas formas de legitimações doutrinárias.

O princípio pluralista propõe um estudo das análises culturais fronteiriças, cujas experiências religiosas podem ser diversificadas, antagônicas e próximas (RIBEIRO, 2020). Portanto, a proposta de Ribeiro é uma análise da perspectiva latino-americana dos seguintes vieses: o valor da economia para a compreensão da complexidade da realidade; a compreensão das mudanças no contexto mundial; o valor da transdisciplinaridade; a tensão entre a racionalidade e a produção simbólica; a importância das análises de gênero; e a relação entre literatura e narrativa teológica.

Ao trazer a ideia de natureza ao presente texto, considero a inserção do ser humano no próprio espaço e suas modificações no mundo e na relação com o transcendente. À vista disso, o princípio pluralista abarca a abordagem do ecofeminismo de Ivone Gebara, o qual “realça a dimensão coletiva da realidade de vida de cada pessoa, que não consiste em sua mera autonomia, mas, fundamentalmente, em sua relacionalidade” (RIBEIRO, 2020, p. 429), considerando o mistério da vida, as forças cósmicas e vitais da terra.

Por fim, é importante dizer que as religiões, as práticas espiritualistas ou a contestação do religioso acompanham as dinâmicas da sociedade, da economia e da cultura. Pode-se concebê-las como em constante processo de transformação, um espaço de conflitos, de fronteiras, de aproximações, artificialidade e influência com a natureza e o cosmos. “Borboletas” não faltam nesse quadro.


Referências

 VEJA TAMBÉM
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ELLER, Jack David. Introdução à antropologia da religião. Petrópolis: Vozes, 2018.

HERVIEU-LÉGER, Daniéle. O peregrino e o convertido: a religião em movimento. Petrópolis: Vozes, 2015.

RIBEIRO, Claudio de Oliveira. O princípio pluralista. São Paulo: Loyola, 2020.