Sobre o culto à violência
Constantemente somos atravessados e atravessadas por cenas, discursos, práticas e desigualdades que, embora sejam reiteradamente naturalizadas, fazem parte de um sistema técnico de poder, orientado a reproduzir, violência.
Ao tratarmos da violação, como sistema técnico e articulado a partir das engrenagens de poder, verificamos que o seu objetivo significa, como nos apresenta a filósofa Marilena Chauí, em sua obra Sobre a violência, “a presença da ferocidade nas relações com o outro ou por um certo outro, sua manifestação mais evidente se encontra na prática do genocídio e do apartheid”.
A filósofa demonstra que as práticas de violência se sustentam no desejo incessante de significar a destruição dos que são determinados como “os outros” e, por essa razão, a violência seria contrária à ética e às experiências políticas que se aportam na democracia — como promoção de uma organização social que se torna ciosa da presença de todas e todos. É possível perceber, nesses termos, que a violência, ou melhor, as violências se manifestam como recursos políticos que administram os espaços epistêmicos, culturais, religiosos, culturais e sociais, amplificando as distâncias entre os sujeitos.
É preciso considerar que a implementação das violências como sistema e “ordenamento” político, são desempenhados pelos que, em nome dos seus poderes, fazem com que corpos lidos e enunciados como dissidentes sejam, dia após dia, transformados em alvos.
O léxico dessa ordem destrutiva deixa entrever que a memória, enquanto ritualização das práticas de extermínio, simbólicas e materiais, não só sinaliza quais corpos, afetos, crenças e sentidos devem ser marcados, mas o modo pelo qual, a partir dos critérios torpes de designação do que pode ser legitimado, devem ser destruídos.
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Ao enfrentarmos, por exemplo, a construção de uma realidade profundamente desigual, em múltiplos aspectos, compreendemos que esses abismos são forjados a partir da manutenção de sistemas de poder que descrevem o que é vida em oposição aos corpos, territórios e sentidos, que “podem” ser execrados.
A execução da modelo e designer Kethelen Romeu, grávida de 14 semanas, indica como o culto à violência, ao seguir o seu curso, operacionalizado pelos estigmas sociais que compõem a demarcação de uma alteridade radical, destitui a humanidade dos sujeitos, corroborando sua execução sumária. Que sejamos capazes de questionar o que, de fato, cultuamos quando olhamos para nós e para mundo que nos cerca, e que sejamos fortes para romper com os circuitos representativos forjados para que desejemos a destruição ao invés da vida.
Professor do Departamento de Filosofia da PUC Minas. Professor da Plataforma Feminismos Plurais. Mestre em Filosofia pela FAJE. Doutorando em Ciências Sociais pela PUC Minas. Autor do livro Inflexões éticas. Colunista da Revista Senso. E-mail: thiagoteixeiraf@gmail.com.