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O princípio pluralista como extensão do “coração”

O princípio pluralista como extensão do “coração”

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Rubem Alves, em referência à McLuhan, afirmou que “[…] todos os meios técnicos são extensões do corpo. Bicicletas são extensões das pernas, óculos são extensões dos olhos, facas são extensões das unhas” (ALVES, 2021, p. 88). Nesse sentido, eu afirmo que o princípio pluralista, que serve como base de elaboração de uma ferramenta de investigação do fenômeno religioso, é uma extensão do coração. Com isso, quero dizer que ele possui uma dimensão de afetuosidade. Ainda segundo Rubem Alves, afeto vem da palavra em latim affecare, que em um sentido literal significa “ir atrás”. O afeto movimenta o corpo e a alma na busca de respostas. Instiga o pensamento a ir atrás de possibilidades. “A cabeça não pensa aquilo que o coração não pede” (ALVES, 2021, p. 86). No princípio pluralista, tem-se o movimento do corpo e da alma na busca pela vivência democrática entre as religiões, pautada no respeito às diferenças, na valorização do social e político e na construção de um caminho autêntico de ecumenismo e de diálogo.

Elaborado por Claudio Ribeiro, o princípio pluralista é fruto de pesquisas e esforços ligados à promoção e valorização do ecumenismo, da alteridade e do diálogo inter-religioso. Como princípio, isto é, o primeiro momento da existência de algo ou de uma ação, ele orienta a uma postura prático-metodológica que forma e é formada em um lugar de transição e contradição – um lugar fronteiriço da cultura, um entrelugar (RIBEIRO, 2020). O ponto de partida é o reconhecimento das diferenças e a crítica às identidades fixas. Esses são importantes pressupostos que nos possibilitam questionar concepções totalizantes e generalistas sobre as complexidades que envolvem o fenômeno religioso, especialmente na América Latina.

Nesse sentido, a grande contribuição é a de nos orientar para a direção contrária à de um pensamento único de verdade, o que implica questionar radicalmente quaisquer perspectivas centrocentristas (que reforçam e mantêm um monopólio regulador das consciências e práticas). Essa prática pressupõe questionar radicalmente até a visão de universalismo das ciências, de modo geral, e da Teologia, especificamente. Tal princípio nos leva, então, à necessidade de um alargamento de nossas bases teóricas, feito dessa vez a partir de uma valorização das “distintas expressões culturais ou religiosas, majoritárias ou minoritárias, fronteiriças ou não”, o que contribui para “uma sociologia das emergências, de novos rostos, variados perfis religiosos, multiplicidades de olhares, perspectivas e formas plurais de atuação” (RIBEIRO, 2020, p. 26).

Nesse sentido, o princípio pluralista escancara a necessidade de redefinir as bases teóricas sob as quais temos pensado o fenômeno religioso na América Latina. Para que haja uma ação em direção ao diálogo, é preciso aprender com as existências historicamente marginalizadas, caminhando para longe de conceptualizações universalistas e idealistas. Impõe-se desconstruir a ideia de ética universal (que, aliás, não nasceu de nenhum consenso) para construir uma ética plural, cuja beleza repousa no “resgate da vida em sua concretude, resultante de uma espiritualidade que se fundamenta no profundo respeito por todos os seres criados e na preservação da vida” (RIBEIRO, 2020, p. 127).

Finalmente, o princípio pluralista chama atenção para a importância de situar o fenômeno religioso dentro de um quadro mais amplo, que envolve inúmeras possibilidades ante a pluralidade e a diversidade da cultura, da vida social, dos seres humanos e da natureza. É um caminho potente que vem sendo trilhado a partir de um caminhar transdisciplinar, transcultural e transreligioso em torno do fenômeno religioso e das espiritualidades da América Latina contemporânea. Ele oferece às novas gerações da Teologia e do campo de estudos da Ciência da Religião uma revisita da Teologia da Libertação feita “por dentro”, com rigor e afeto, mantendo a valorização do social e político, sem perder de vista questões de gênero e sexualidade, mas também de raça e identidade. Isso representa um ganho imprescindível em termos de metodologia e prática ecumênica.


Referências

 VEJA TAMBÉM
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ALVES, Rubem. Ao professor, com carinho: a arte do pensar e do afeto. São Paulo: Planeta, 2021.

RIBEIRO, Claudio de Oliveira. O princípio pluralista. São Paulo: Loyola, 2020.