Now Reading
A pesquisa sobre espiritualidades, pluralidades e diálogos

A pesquisa sobre espiritualidades, pluralidades e diálogos

blank

Investigar experiências de diálogos inter-religiosos, discernindo místicas transreligiosas e práticas interconvicções para o nosso tempo, que é marcadamente de mudanças culturais e pluralismos sociais. Esse é o objetivo do Grupo Interinstitucional de Pesquisa “Espiritualidades, pluralidades e diálogos”, que vem se reunindo como Grupo de Trabalho (GT) desde 2008, atuando nos congressos mais destacados da área de Ciências da Religião e de Teologia no Brasil.

Diante do contexto culturalmente plural em que nos encontramos e que desafia as tradições religiosas, acreditamos estar perante uma grande oportunidade para o diálogo entre as diversas religiões e espiritualidades. Sem renegar ou desconhecer o que há de único e irrevogável em cada religião, trata-se de perceber, no convívio com a diversidade, o que é essencial em cada tradição e, portanto, de manifestar um dinamismo espiritual que está entre e para além das religiões. Incluem-se nesse quadro de diversidade religiosa e de espiritualidades também aquelas expressões laicas e sem a fé explícita em um deus, assim como as experiências de múltipla participação religiosa e de fé e os diálogos e formas de cooperação que todo esse contexto proporciona e que faz repensar o compromisso ético dos grupos religiosos com a justiça, a paz e a integridade da criação.

O GT, em suas atividades de pesquisa, tem foco nas análises do quadro de diversidade religiosa e de espiritualidades contemporâneas e nas diferentes práticas de diálogo emergentes no Brasil. Ele está aberto ao debate sobre a aplicação da espiritualidade no cotidiano e aos estágios do desenvolvimento da experiência espiritual e a função da meditação, bem como as expressões místicas e comportamentos por vezes tidos como supersticiosos ou mágicos. Estuda a pluralidade religiosa atual e tendências de diálogo na contemporaneidade.

Esperamos, com tais discussões, propor respostas àqueles que negam qualquer validade da religião na sociedade contemporânea, e, talvez, o caminho para uma nova compreensão da religiosidade que se contraponha ao flagrante fundamentalismo religioso de nossos dias.

O GT, com foco nas espiritualidades, pluralidades e diálogos, procura, assim, subsidiar teoricamente as práticas de diálogo inter-religioso que vêm sendo ensaiadas em vários cantos do país, no sentido de verificar a plausibilidade de uma mística comum e transreligiosa para o nosso tempo de transformações axiais.

As atividades, publicações e comunicações científicas acolhidas pelo GT em congressos são estruturadas a partir de três linhas de pesquisa: (i) pluralidade religiosa, (ii) princípio pluralista e (iii) transreligiosidade e diálogos.

A linha pluralidade religiosa analisa o fenômeno religioso a partir de sua interação com a sociedade e as diferentes formas de compreensão da experiência religiosa, institucionalizadas ou não. Investiga a pluralidade religiosa e cultural na perspectiva do diálogo inter-religioso, o sincretismo, o fundamentalismo, o pentecostalismo, as teologias contextuais, as novas espiritualidades e o papel da religião diante da crise planetária.

Por sua vez, a linha princípio pluralista enfatiza análises da pluralidade religiosa a partir dos entrelugares e fronteiras das culturas e das margens das institucionalidades. Realça os estudos culturais decoloniais e as teologias pluralistas, em especial as noções de alteridade ecumênica e polidoxia.

Por fim, a linha transreligiosidade e diálogos desenvolve pesquisas sobre fatos relacionados com o diálogo entre as religiões, analisando-os sob um enfoque transdisciplinar e plurimetodológico, não confessional e acadêmico. Destaca o estudo dos processos de educação (inter ou trans) religiosa na cultura pluralista brasileira, envolvendo o ensino religioso e experiências relacionadas ao pluralismo.

Entre as publicações mais destacadas do GT está o Dicionário do pluralismo religioso (São Paulo: Recriar, 2020), organizado por Claudio Ribeiro, Gilbraz Aragão e Roberlei Panasiewicz. A obra é voltada para as pessoas e grupos envolvidos com o diálogo entre religiões, fés e convicções, tematizando o princípio pluralista e a transreligiosidade em verbetes conceituais ou mais descritivos. O dicionário procura alavancar teoricamente as análises sobre a diversidade cultural e religiosa, sensibilizando para a percepção de identidades (re)construídas nas fronteiras institucionais e mobilizando para o diálogo alterativo que se desenvolve nos entrelugares, éticos e místicos das relações pessoais e culturais.

Destacamos também o livro Desafios do fundamentalismo (Recife: Unicap, 2020), organizado por Gilbraz Aragão e Mariano Vicente, que apresenta subsídios para debates em diferentes temas, almejando contextualizar uma onda de religiosidade reacionária, buscando aprofundar seu significado e apontar pistas para sua terapeutização sob um princípio teórico pluralista e dialogal.

O livro Religiões e direitos humanos (Campinas: Saber Criativo, 2021), organizado por Claudio Ribeiro, oferece análises de pesquisadores e pesquisadoras sobre a relação entre religiões e direitos humanos no Brasil, vista sob diferentes tradições, situações e enfoques. Como a diversidade do quadro religioso brasileiro não permite a inclusão de muitos grupos nas análises, foram priorizadas as experiências religiosas de matriz afro-brasileira, o espiritismo e o cristianismo, seja a partir de aspectos do catolicismo, seja do universo das igrejas evangélicas.

Ambientado em nosso grupo de pesquisa, Claudio Ribeiro publicou o livro O princípio pluralista (São Paulo: Loyola, 2020). Trata-se de uma análise crítica da metodologia da teologia latino-americana e dos estudos de religião no Brasil, com vistas à busca de respostas conceituais mais consistentes ao quadro crescente de pluralismo e de complexidade da realidade social. O princípio pluralista, ao olhar a realidade a partir dos entrelugares das culturas, possibilita divergências e convergências novas, outros pontos de vista, perspectivas críticas e autocríticas para diálogo, empoderamento de grupos e de visões subalternas e formas de alteridade e de inclusão.

O mesmo autor, na sequência dessa obra, organizou uma trilogia publicada pela Editora Recriar na qual integrantes do GT e estudiosos da diversidade religiosa dialogam com a noção teórico-metodológica do princípio pluralista para apresentar, de maneira dinâmica e atenta aos entrelugares da cultura, a rica diversidade religiosa brasileira. Esse esforço é feito nas diversas nuances do cristianismo e do espiritismo, nas práticas místicas do universo indígena e afro-brasileiro, nas ressignificações das religiões orientais, do islamismo e do judaísmo, incluindo aí aspectos transversais como a globalização, a disputa política e ideológica e as questões da pluralidade sexual e de gênero. Como pano de fundo desses três trabalhos há o exercício de pensar temas, questões e tarefas decoloniais que tanto têm desafiado os círculos acadêmicos e político-sociais em diferentes áreas do conhecimento e das ações culturais. As obras referidas são: O princípio pluralista em debate (2021), Diversidade religiosa e princípio pluralista (2021) e Princípio pluralista e decolonialidade (2022).

 VEJA TAMBÉM
blank

Em direção similar, foram produzidos dois dossiês. O primeiro, “Diversidade religiosa e cultural e o ‘princípio pluralista’”, da revista Caderno Teológico (Curitiba, PUC-PR, v. 5, n. 1, jan./jun. 2020), organizado por Irênio Chaves e Alonso Gonçalves e Claudio Ribeiro, apresenta textos de estudantes em reação crítica e propositiva ao princípio pluralista, procurando relacioná-los com suas pesquisas e preocupações. O segundo dossiê, “Interpretação pluralista das religiões”, da Revista Paralellus (Recife, Unicap, v. 12, n. 29, abr. 2021), organizado por Gilbraz Aragão, inclui artigos que trabalham as bases conceituais do princípio pluralista, fundamentando-as epistemológica e metodologicamente, para análise da diversidade espiritual do campo religioso brasileiro, dos espaços fronteiriços entre e dentro das religiões, em especial das experiências de diálogos interculturais e inter-religiosos, entre tradições de fé e de convicções.

Também ambientado no GT, foi elaborado o dossiê “Religião à brasileira”, publicado na Revista Senso (v. 22, 2021), organizado por Rita Grassi. Essa edição enfatiza o fato de que o Brasil é – em algumas regiões mais, e em outras, menos – um país paradoxal: reúne muitos sinais de diversidade, inter-religiosidades e sincretismo religioso, ao mesmo tempo que é marcado por casos clamorosos de intolerância e exclusão espiritual, sobretudo com um caráter racista e classista. Os textos visam contribuir na tarefa de melhor compreensão das diversas formas de crer e não crer e, dessa forma, cooperar na construção de pontes de diálogo, superação de intolerâncias e instauração de uma cultura de paz.

Destacamos ainda um material didático produzido a partir das reflexões conceituais do GT. Trata-se da Cartilha sobre diálogo inter-religioso (Recife: Unicap, 2021), que desenvolve várias temáticas como: diálogo inter-religioso, fundamentalismo, mística inter-religiosa, ética global e religiões, liberdade religiosa, laicidade do Estado e pluralidade religiosa brasileira. Em cada tema, há uma sequência de seções para os leitores e leitoras organizarem o pensamento e as ações em seus grupos: “O que é” (questões e dinâmicas envolvidas na temática); “Contextualizando” (fatos e fotos que ilustram os desafios e questionamentos); “Interagindo” (sugestões de relacionamento com vivências e experiências de vida); “Mobilizando” (conhecimentos e habilidades para envolver pessoas e grupos em atitudes críticas e construtivas); e “Conectando” (audiovisuais para saber mais e seguir aprofundando o estudo).

O GT é coordenado por: Gilbraz Aragão, do Grupo “Transdisciplinaridade e diálogo” (Unicap); Roberlei Panasiewicz, do Grupo “Religião, pluralismo e diálogo” (Repludi) (PUC Minas); e Maria Cecília Simões e Claudio de Oliveira Ribeiro, ambos do Grupo “Múltiplos” (UFJF). Conta também com uma equipe ampliada de articulação, incluindo Alonso Gonçalves, Angélica Tostes, Clarissa De Franco, Francilaide Ronsi, Luís Carlos de Lima Pacheco, Luís Felipe Macário, Rita Grassi e Werbert Gonçalves. O grupo está cadastrado no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, e em sua página eletrônica  estão divulgados atividades, eventos e principais publicações. Esse é um espaço importante de socialização do conhecimento.

Em 2023, o GT completa 15 anos de atividade, desde suas primeiras reuniões nos congressos da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (Soter), onde é denominado “Pluralidade espiritual e diálogo”, e completa 10 anos no âmbito da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Teologia e Ciências da Religião (Anptecre), onde é chamado “Espiritualidades contemporâneas, pluralidade religiosa e diálogo”.

Muito trabalho foi feito e muita gente valiosa compartilhou suas experiências, preocupações e pesquisas acadêmicas. Novos desafios, certamente, “vão pintar por aí”.