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Umbanda

Umbanda

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O termo Umbanda significa “arte de curar” em kimbundo, uma das línguas dos povos bantos que ocupam o atual território de Angola. Nascida no Brasil, a Umbanda, ou as Umbandas como preferem muitos estudiosos, é uma religião híbrida por ser constituída por práticas religiosas que também fazem parte dos ritos e crenças de outras matrizes. Podemos afirmar que a Umbanda é uma religião cristã e mediúnica. Em relação ao hibridismo religioso podemos citar a Oração do Pai Nosso e da Ave Maria, além da utilização de imagens de santos, como marcas do catolicismo em suas práticas. Do Candomblé observamos a utilização do seu panteão mítico, sobretudo os Orixás, além de termos advindos tanto dos Candomblés Nagôs (Ogã – tocador dos instrumentos musicais sagrados e/ou intérprete dos pontos cantados) e dos Candomblés Angola, como os termos Calunga (que pode ser livremente traduzida como cemitério, sendo Calunga Grande o “mar” e Calunga Pequena a “necrópole”), entre outros. Do espiritismo kardecista a comunicação através da mediunidade com entidades desencarnadas, a utilização da mesa (sobretudo no início da Umbanda) e de termos como reencarnação e karma. Já da Pajelança podemos observar o uso da fumaça como elemento determinante para a ampliação do contato com o mundo dos espíritos, além de estar presente nos rituais de cura e demais práticas em que as entidades estão incorporadas em seus médiuns.

Obviamente que a mediunidade, ou seja, o contato com os mortos já estava presente em diversas partes do mundo muito antes da existência da Umbanda enquanto religião, mas podemos inferir que, oficialmente, a Umbanda nasceu no início do século XX, tendo com precursor o médium Zélio Fernandino de Moraes (1891-1975) no Rio de Janeiro. Após uma doença não diagnosticada por médicos, Zélio foi levado pela família para uma sessão de Mesa Branca (termo muito utilizado pelos espíritas no início do século passado) no dia 15 de novembro de 1908 em Niterói/RJ. Após vários espíritos de Pretos-velhos e Caboclos se manifestarem na Mesa e serem preteridos pelos espíritas presentes, visto por muitos como espíritos involuídos, manifestou-se em Zélio um espírito que depois de muita insistência dos presentes se apresentou como Caboclo das Sete Encruzilhadas, já que não haveria caminhos fechados para ele. Este espírito disse que no dia seguinte, na casa de Zélio, nasceria uma nova religião no Brasil que seria pautada na caridade, no amor e na cura e que nenhum espírito seria desprezado, mas sim acolhido e doutrinado para sempre fazer o bem nesta sua nova missão espiritual. No dia seguinte, a casa de Zélio estava lotada, e como previsto, o caboclo das Sete Encruzilhadas se manifestou por meio de Zélio e, assim, nasceu a Umbanda. Este primeiro espaço sagrado da Umbanda foi denominado de Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade e existe até hoje. Dez anos depois, a partir da formação de médiuns, houve uma expansão e mais sete espaços foram criados por filhos de santo de Zélio, são elas as Tendas Espíritas: Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senhora da Guia, São Pedro, Santa Bárbara, São Jorge, Oxalá e São Jerônimo.

Vanderlei Fernandes

Muitos terreiros (templos religiosos, também conhecidos por Tendas, Centros, Casas, Choças, entre outras designações) ainda utilizam as práticas de Zélio em suas celebrações, como: utilização de roupas brancas; orações católicas são rezadas em voz alta; não há utilização de tambores ou outros instrumentos, apenas o canto (pontos) acompanhado de palmas; uma mesa e cadeiras onde os médiuns inicialmente estão sentados no centro do terreiro; não há sacrifícios de animais; o culto é diário das 20 às 22 horas; rituais de cura (físicas e espirituais), já que a procura por estes serviços é o mais constante; utilização antes do início dos trabalhos o Hino da Umbanda, que foi um presente dado a Zélio, por José Manoel Alves (letra)  e Dalmo da Trindade Reis (música), em 1961, justamente por terem alcançado uma cura na Tenda Espírita Nossa Senhora da Piedade.

Vale salientar que Zélio incorporava, além do Caboclo das Sete Encruzilhadas, também o Preto Velho Pai Antônio, que foi o responsável por introduzir no rito a utilização de Guias (colares com cores diversas representado as entidades e os Orixás de cada médium) e o cachimbo.

Muitas destas práticas ainda se mantém, mas a Umbanda se diversificou ao longo das décadas com a inclusão de atabaques e outros instrumentos de percussão; o sacrifício de animais em muitos terreiros; o uso de roupas coloridas em dias de festa para os Orixás e entidades; e a ampliação do panteão de espíritos desencarnados que atuam no ritual, criando inclusive novas falanges ao longo das décadas.

Nestes mais de cem anos da Umbanda, muitas tentativas de codificação foram realizadas, na busca por dar uma melhor visibilidade à religião e alcançar o mesmo respeito das outras manifestações religiosas cristãs presentes no país.  É bom destacar que as religiões ditas afro-brasileiras são ágrafas, ou seja, não possuem ritos e práticas determinadas por manuais ou livros sagrados, mas sim pela experiência vivida dia-a-dia nos rituais e também através das informações e ensinamentos repassados pelos espíritos que constituem a rede de relações entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos. Podemos observar estas tentativas de codificação nos dois primeiros Congressos Brasileiros de Umbanda (1941 e 1961) e em livros escritos por intelectuais de Umbanda ao longo dos anos. O que podemos afirmar é que as codificações serviram apenas como marcos para discutir a própria religião, mas não conseguiram criar um culto único, já que pela própria constituição da Umbanda, cada terreiro possui suas experiências, suas entidades e sua forma de organizar o culto. Assim, a Umbanda ganhou diversas possibilidades de culto e denominações, variando seus rituais: Umbanda Branca, Umbanda Pura, Umbanda Popular, Umbanda Tradicional, Umbanda Esotérica ou Iniciática, Umbanda Trançada ou Mista, Omolocô, Umbanda de Caboclo, Umbanda de Jurema, Umbandaime, Umbanda Eclética, Umbanda Sagrada ou Natural, Umbanda Cristã, Umbandomblé e Umbanda de Almas e Angola. Cada uma delas organiza sua prática conforme os pilares definidos pelas entidades e Pais e Mães de Santo que atuam no terreiro.

Por se tratar de uma religião, a Umbanda, independente destas variações, possui pontos convergentes que a diferencia de outras religiões mediúnicas (Espiritismo Kardecista, Catimbó-Jurema, Tambor de Mina, Candomblés, Terecô), como: todos os terreiros possuem Sete Linhas espirituais, ligadas aos Orixás ou as entidades da casa, mas estas linhas não são fixas e cada terreiro possui as suas; manutenção de uma estrutura mínima nas giras (ritual, momento em que as entidades incorporam em seus médiuns em um terreiro ou na natureza, conforme a necessidade do próprio ritual) como por exemplo, saldar inicialmente Exu (Orixá responsável pelo movimento de todas as coisas, pela sexualidade, pelos caminhos que temos que escolher ao longo da vida, sendo ele a divindade mais próxima do ser humano) antes de iniciar o ritual  e em seguida Ogum (Orixá da forja, da agricultura, da guerra e no ritual responsável em autorizar ou não a chegada das entidades no espaço sagrado do terreiro), para que a gira possa ocorrer sem sobressaltos, respeitando os poderes destes dois Orixás, que protegerão o espaço sagrado e autorizarão as entidades se manifestarem, respectivamente; os terreiros possuem uma estrutura espacial muito parecida: o Congá ou Peji (altar com imagens das entidades e de santos católicos e utensílios sagrados), cangira (morada dos exus e pombagiras), cambonagem (espaço em que o Cambone, pessoa que serve as entidades, fica durante a gira e que é guarnecido de tudo aquilo que poderá ser utilizado no ritual) e Ogãs (local em que os instrumentos musicais são dispostos, bem como os cantores que serão responsáveis em entoar os pontos cantados); os pontos cantados (músicas) e pontos riscados (assinaturas das entidades) são elementos indispensáveis em todos os terreiros, independentemente de sua variação ritualística; todos os terreiros possuem uma rígida estrutura hierarquizada que vai do Pai ou Mãe de Santo (mais alto grau) aos iniciados; o desenvolvimento mediúnico é lento e alcançar o  mais alto grau na hierarquia umbandista pode demorar anos e até décadas; os médiuns devem estar sempre presente nas giras e fazer constantemente oferendas as suas entidades e aos Orixás (os locais destas oferendas estão ligados aos domínios dos Orixás e das entidades: mar – Iemanjá, lagoas e rios – Oxum e Iansã, pedreiras – Xangô, matas – Oxóssi e caboclos, cemitérios e encruzilhadas – exus e pombagiras, entre outros; o médium deve estar disponível para os rituais de recolhimento (camarinha) que podem durar de três até vinte e um dias em média, dependendo do grau em que o médium estiver e fará a transição para um grau superior.

Outra característica que perpassa todas as formas de Umbanda é o seu panteão, ou seja, as entidades que se manifestam em seus rituais por meio da incorporação (possessão) de seus médiuns (também conhecidos como “cavalos”). As entidades mais frequentes nos terreiros são os Pretos e as Pretas Velhas (espíritos de negros e negras ligados à escravidão no Brasil), Caboclos e Caboclas (índios e índias brasileiros), Ibejadas (espíritos de crianças), Exus e Pombagiras (entidades mais próximas da humanidade por possuírem hábitos presentes na nossa existência, como fumar, beber, desejar, vingar, etc), Povos d’água (como são conhecidas em muitos terreiros as entidades que trabalham na linha de Oxum, Iansã, Iemanjá e Nanã), Oguns (normalmente soldados), Xangôs (entidades carregadas de experiência e de senso de justiça) e Omulus (entidades que emanam as dificuldades trazidas pelas doenças, mas que atuam de forma a curar aqueles que os procuram). Dentro de cada uma destas linhas, várias entidades podem se manifestar, utilizando nomes que os identifiquem e utensílios que os ajudem em suas funções na Terra. Na linha de Exu, por exemplo, podemos identificar: marinheiros, malandros, baianos, boiadeiros e ciganos. Mesmo assim, isto não é fixo em todos os terreiros, já que muitos possuem falanges específicas para cada uma destas linhas. A diversidade talvez seja a palavra que melhor caracterize a Umbanda, por isso podemos afirmar que é uma religião em constante transformação, já que está aberta para receber novas entidade e falanges, fazendo com que o seu ritual de renove a cada nova inclusão.

Atualmente, a Umbanda é organizada em federações espalhadas por todos os estados e o Distrito Federal. Mesmo a Umbanda sendo uma religião brasileira e cultuar espíritos desencarnados, ou seja, todas as entidades já viveram na Terra, esta religião já se espalhou por outras partes do mundo e podemos encontrar terreiros em Portugal, Alemanha, Estados Unidos, França e Inglaterra.

A umbanda é, também, a maior religião mediúnica do Brasil. Nas últimas décadas ela tem crescido em todas as regiões, mesmo com os constantes ataques promovidos por fundamentalistas de outras crenças. Este crescimento se deve a alguns fatores: disponibilização de livros que tratam da Umbanda tanto para adeptos quanto para leigos que querem conhecer suas práticas; por ser uma religião que não exige a conversão e admite todas as pessoas independentemente de gênero, classe social, ideologia política, etnia e idade. Como a Umbanda não faz exigências radicais (alimentação e vestuário, por exemplo), isso faz com que mais pessoas se interessem por suas práticas e se engajem em seu desenvolvimento e ampliação.


Indicações de Leitura

ANDRADE JÚNIOR, Lourival. As Umbandas no Cordel.  In. Revista Esboços, Florianópolis, Vol. 24, série 37, 2017.
_____. A Umbanda entre a codificação e a prática. In. Revista Relegens Theréskeia: estudos e pesquisas em Religião, Curitiba, vol. 04, série 02, 2015
_____. Pontos riscados e nominações: Exu em discussão. In. Revista Mouseion, Canoas, vol. 22, 2015.
_____. Zés Pelintras: do sertão ao terreiro. In: SILVEIRA, Emerson Sena da; SAMPAIO, Dilaine Soares (org.). Narrativas míticas: análise das histórias que as religiões contam. Petrópolis: Vozes, 2018. p. 236-263.
CUMINO, Alexandre. História da Umbanda: uma religião brasileira. São Paulo: Madras, 2011.
NEGRÃO, Lísias Nogueira. Entre a cruz e a encruzilhada: formação do campo umbandista em São Paulo. São Paulo: Edusp, 1996.
OLIVEIRA, José Henrique Motta de Oliveira. Das Macumbas à Umbanda: uma análise histórica da construção de uma religião brasileira. Limeira: Conhecimento, 2008.
TRINDADE, Diamantino. A construção histórica da literatura umbandista. Limeira: Conhecimento, 2010.