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Experiências de aprendizado por meio da arte de Claúdio Pastro no espaço sagrado de Aparecida/ SP

Experiências de aprendizado por meio da arte de Claúdio Pastro no espaço sagrado de Aparecida/ SP

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A educação patrimonial voltada ao patrimônio religioso refere-se a um processo de trabalho educacional centrado no espaço sagrado como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. Nesse sentido, a presente pesquisa tem o objetivo de analisar as potencialidades das obras de Cláudio Pastro para a educação patrimonial no espaço sagrado de Aparecida/SP, tanto por meio da ação de mediação cultural, bem como por meio de visitas espontâneas, em práticas de turismo e peregrinação na cidade de Aparecida. Trata-se de uma pesquisa observacional participante na visita mediada noturna ao Santuário, analisando questionários quali-quantitativos nesse grupo bem como em um grupo que não participa da mediação. Por fim, faz uma análise qualitativa das entrevistas aplicadas com os mediadores da ação cultural.

CLÁUDIO PASTRO

O artista plástico Cláudio Pastro nasceu em 16 de outubro de 1948 em São Paulo, SP. A partir do ano 2000 ele foi escolhido como responsável pelo acabamento de toda a parte iconográfica interna da Basílica. No Santuário Nacional de Aparecida, Pastro afirmava que deveria mais que um Santuário Nacional de fé, ser “um centro educativo da fé e de uma cultura de unidade nacional. Transcendente a qualquer subjetivismo e como tal deve ser estudado e concluído” (PASTRO, 1999, 252). Sua opinião e a realização de sua obra em Aparecida vão de encontro com o ideal da Bíblia Pauperum medieval, que deveria ser ao mesmo tempo didática e mistagógica, ou seja, que tenha a finalidade primordial de introduzir o cristão no Mistério.

Pastro configura suas obras em consonância com o correspondente espírito romano pós Vaticano II, que propunha a ‘volta às fontes’ – ritornello ad pontificie, o resgate da liturgia e iconografia primitiva eliminando devocionismos desnecessários e focados na Palavra, ou seja, o simbolismo torna-se elemento fundamental para a construção do espaço sagrado e tudo deveria convergir para um ponto único, onde seria celebrado o Mistério pascal, o Altar, símbolo do Cristo. Sua obra também tem traços característicos dos ícones, como a forte expressão do rosto, pois “a figura, a face, os olhos, o humano é o lugar do encontro que o Mistério escolheu para se revelar e se relacionar”. (PASTRO, 2002, p.38) Além da influência dos ícones, Pastro tem a característica de unir elementos culturais como o africano e o indígena em suas obras, e também tem uma preferência pela arte sacra cristã primitiva, exatamente por ser uma linguagem mais simples e didática. “Uma arte deve ser também didática, como o foi no primeiro milênio” e “descobri ao longo do Mediterrâneo a arte românica e bizantina. Em Israel, Egito e Etiópia, a copta. No Brasil, a indígena, a negra. Temos muito o que aprender com os primitivos”. (2002, p.52).

PERCEPÇÕES DA PESQUISA

Responderam os questionários, 30 participantes da visita mediada do Hotel Rainha do Brasil (Grupo A) e 70 visitantes espontâneos que realizaram romaria ao Santuário por uma empresa de Turismo (Grupo B) e também foram entrevistados 12 monitores da visita mediada. As questões foram pensadas de modo a justificar a importância da educação patrimonial, bem como verificar impressões deixadas pelos participantes, uma vez que a dinâmica das visitas confere experiências diferentes a cada indivíduo.

A questão que marca a receptividade das obras de Cláudio Pastro pelos visitantes mostra que as pessoas que participam da visita mediada conseguem notar com mais facilidade sua adequação ao espaço sagrado, uma vez que a visita é realizada a noite, sem muitas pessoas e focada na ambientação do santuário. Já os visitantes espontâneos, costumam frequentar o espaço quando este está lotado, contribuindo assim para a dificuldade na percepção das obras do artista. Mesmo assim, nos dois grupos notou-se a predominância da questão cujas obras de Pastro são muito adequadas para o espaço sagrado de Aparecida.

Apesar da maioria dos visitantes considerar as obras sacras adequadas para o espaço, a questão seguinte aponta que nem todos os participantes conseguem compreender o sentido de todas as obras de Pastro, sendo que nem na visita mediada, que visa apresentar e explicar as obras, os participantes conseguiram sua total compreensão. Esse resultado aponta que mesmo com a preocupação de Pastro na criação e desenvolvimento de obras que sejam de fácil leitura para o espectador, nem sempre sua mensagem costuma ser transmitida, sendo que o próprio artista, já havia sinalizado que nossa sociedade está perdendo a capacidade de olhar. Isso demonstra a importância do trabalho de mediação cultural, que cria a ponte que falta entre a obra de arte e o espectador, o que acaba por criar um verdadeiro canal de comunicação que não somente transmita o óbvio principal da obra, mas também desenvolva diferentes narrativas e extraia o máximo de conhecimento desta para o público.

A experiência das obras sacras de Pastro foram objeto de análise, que enfatiza no Grupo A sua importância para a educação religiosa e no Grupo B sua importância para o fortalecimento da fé. Muito importante analisar a diferença entre os grupos, pois o grupo A optou por uma visita mediada com o intuito de fortalecer seus conhecimentos acerca da concepção e desenvolvimento do Santuário, que envolve as obras de Pastro, portanto a educação religiosa obteve a maioria dos apontamentos. Já o grupo B, que não passou pelo processo de mediação, acredita que as obras auxiliam mais no fortalecimento de sua fé, ou seja, a transmissão espontânea do conteúdo da arte sacra atinge diretamente o espectador que é tocado em sua própria experiência religiosa.

As questões discursivas apresentaram muitas opiniões a respeito do santuário e do trabalho de Cláudio Pastro. Houve muitos elogios por parte dos participantes do Grupo A em relação ao trabalho de mediação, ao santuário e ao artista. Muitos participantes afirmaram o fato de a visita modificar completamente o olhar para o espaço, direcionando olhares que talvez jamais aconteceriam de maneira espontânea, sem a intervenção da mediação. Também se nota que o público que participou da visita mediada era exigente, ávido por conhecimento e não se acanharam para questionar os mediadores aspectos que estes não haviam abordado durante a visita. Esse momento foi significativo, pois foi possível perceber que as pessoas que estavam participando não o faziam por obrigação, distração ou tédio, mas tinham real interesse pelo enriquecimento religioso e cultural que o santuário carrega.

As questões discursivas no grupo B também foram respondidas com muitos elogios direcionados aos funcionários do santuário, às obras de Pastro e a cidade em si. Porém, também houveram muitas críticas com relação à infraestrutura, que é precária para quem não participa da logística Hotel Rainha do Brasil – Santuário Nacional. Com relação às obras de Pastro, a ênfase no fortalecimento da fé retorna nas questões discursivas, com muitos romeiros apontam o santuário de Aparecida como local de renovação de sua fé.

As entrevistas com os mediadores serviram para confirmar que a visita é um importante instrumento de educação histórica, cultural e religiosa, acrescentando novos conhecimentos para os visitantes tornando-os disseminadores do espaço para novos públicos. Já sobre as obras de Pastro, os mediadores afirmam ser de grande importância para a compreensão litúrgica do espaço e a ação cultural torna-se necessária para evidenciar toda a simbologia contida nas obras que nem sempre é transmitida no primeiro olhar do espectador.

Com relação ao impacto que as obras de Pastro causam nos visitantes os mediadores enfatizaram sua importância educativa, de transmissão de conhecimentos bíblicos, e que após a visita é nítido a diferença no olhar dos participantes, pois passam a compreender melhor como o santuário foi elaborado e que cada pedacinho de tijolo não foi inserido por acaso, já que tudo contém alguma mensagem esperando ser transmitida. Esse momento é chamado, entre os profissionais de mediação cultural, de nova compreensão, ou seja, o visitante entra com um conhecimento pré-adquirido, recebe novas informações e re-elabora seu conhecimento, enriquecendo-o por meio da prática desse exercício. Exatamente por isso a maioria dos participantes que responderam o questionário no Grupo A, afirmaram que saíram da visita com um outro olhar, ou seja, uma -nova compreensão- do espaço.

É importante inserir as opiniões dos mediadores, pois eles têm visão privilegiada desse processo de nova compreensão, que acontece quase instantaneamente diante de seus olhos e, portanto, captando as reações dos participantes podem validar esse processo de enriquecimento do aprendizado de cada um. Por fim, os mediadores compreendem que seria impossível pensar o espaço sagrado de Aparecida sem a arte sacra de Pastro, pois é por meio dela que se prepara uma verdadeira celebração cristã e que une a arte, a religião católica e parte da história nacional em apenas alguns traços, muito bem elaborados, que permitem ao espectador – seja ele visitante; pesquisador ou até mesmo colaborador -, em apenas uma caminhada, viver um momento de oração.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cláudio Pastro é considerado um dos mais importantes e respeitados artistas sacros da atualidade. Em Aparecida, Pastro foi responsável desde o piso até o teto, passando por 34 painéis com temas do Evangelho, o altar, as naves, as cúpulas e demais outros painéis. O mais interessante de sua obra é o diálogo com a diversidade, tendo o artista buscado inserir no espaço de Aparecida elementos da cultura africana, da indígena, o uso de materiais ibéricos e de materiais que referenciem a terra santa, bem como buscar, por meio de sua arte, inspiração nos ícones ortodoxos e da Igreja Primitiva, transmitindo assim, um grande conhecimento para quem aprecia seu trabalho no Santuário.

Os resultados da pesquisa apontam que as obras de Pastro são fundamentais para a compreensão do espaço, para expressão de fé e, por consequência, para a educação histórica, cultural e religiosa, porém muitos visitantes espontâneos têm dificuldade em sua interpretação ao passo que os participantes da visita mediada conseguem obter um maior aprendizado, acrescentam novos conhecimentos, tornando-os disseminadores do espaço para novos públicos.

Conclui-se assim que os mediadores fazem um importante trabalho em intermediar o processo de aprendizado por meio do uso da metodologia da educação patrimonial. Essa metodologia é útil para evidenciar toda a simbologia contida na arte sacra do Santuário, pois essa nem sempre é transmitida no primeiro olhar do espectador e a experiência de Aparecida mostra que a educação patrimonial pode ser desenvolvida também em espaços sagrados e não apenas ficar na esfera dos centros culturais e naturais.


Referências

PASTRO, Cláudio. Cláudio Pastro: Arte Sacra. Paulinas: 2002
_____. Guia do Espaço Sagrado. Loyola: 1999.