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Preciso de mais espaço dentro de mim

Preciso de mais espaço dentro de mim

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É sempre muito curioso descrever minha jornada da descoberta da sexualidade com a companhia da religião. Essa companhia nem sempre foi muito pacífica, nem sempre ela me trouxe alegrias e o tão prometido paraíso.

Desde que me entendo por gente, eu gosto de religião. Sempre tive interesse pelo oculto, interesse por descobrir o motivo de muitas pessoas na minha infância dedicarem parte da vida delas a Deus. Descobri muito jovem que Deus se apresentava de várias formas; Jesus, Yemanjá, UMA, Kali, Ganesha, Zeus, entre tantos outros.

Durante minha infância e adolescência me perdia na floresta acendendo velas para Caboclos durante a manhã e à noite ia receber as bênçãos de Jesus na Igreja Católica mas não sem antes dar uma escapadinha para o Espiritismo. O esoterismo era meu parceiro fiel das madrugadas. Me sentia o próprio Aleister Crowley lidando com a magia.

Enquanto eu brincava com as diversas formas de religião, eu nunca havia pensado na sexualidade. Até porque nem estava na puberdade. Porém, quando comecei a ter os primeiros fios de barba, eu comecei a notar que eu me interessava mais por meninos do que por meninas. E foi então que perguntei pela primeira vez para o meu pai o que era “viado”. Meu pai então me disse que eles eram “bichas” e que faziam “pouca vergonha com outros homens” e que ninguém na nossa família era “bicha” e por isso eu não precisava me preocupar.

Me lembro como sendo hoje, me retraindo completamente em um medo enorme de ser descoberto como a primeira “bicha” na família.

Tudo mudou para mim nesse momento. O que até então era divertido nas religiões, começou a se tornar um pesadelo. Eu olhava passagens da Bíblia e de outras práticas religiosas que não aceitavam a homossexualidade. Eu ficava absolutamente incrédulo por eu não ter visto isso antes. Como seria possível que depois de tantos anos adorando as religiões, eu nunca tinha notado esses versos e práticas contra as “bichas”.

Passei durante toda minha adolescência me escondendo e tendo vergonha de quem eu era. Eu sequer falava sobre isso quando estava sozinho, pois eu pensava que se eu verbalizasse algo, talvez Deus ouviria e tomaria isso como uma confissão. Então era melhor eu disfarçar bem, pois Deus não poderia me amar, já que eu não queria usar meu corpo para reproduzir da forma como Ele o fez.

Aos 17 anos eu comecei a namorar uma moça, com a qual fiquei junto por 7 anos. Durante todo esse período eu não tive nenhum relacionamento homoafetivo, pois eu estava no meu processo de “cura”. Algumas vezes eu ouvia na igreja que quando vinha a tentação, era preciso ser forte, pois ela passaria. Era só questão de resistir um pouco mais. Esses anos de resistência pareciam vidas.

Entrei em uma seita chamada Gnose, lá éramos ensinados a transmutar nossas energias sexuais através de práticas meditativas e quando casados, a magia sexual. Nessa seita, na qual fiquei por 7 anos, eles eram extremamente preconceituosos com a homossexualidade. Gays eram vistos como aberrações ou pessoas com defeito, mas que através da magia sexual, dos casados, poderíamos nos curar e mudar nosso comportamento.

Acreditei nessa história por tempo demais.

Por tempo demais…

Em todo lugar que eu olhava para as religiões, quem eu era verdadeiramente, nunca era aceitável. Algumas vezes até ouvia as famosas frases “Eu te respeito, mas não aceito seu comportamento”. Por inúmeras vezes, eu olhava para o meu corpo e o culpava por gostar de algo que era proibido. Isso certamente estava no meu corpo, pensava eu. É meu corpo que deseja outro homem, não minha alma. Ela é pura e sábia, mas meu corpo sujo e pecaminoso. Afinal de contas, não estava eu pagando pelo Pecado Original?

Queria deixar claro que eu gostava do meu corpo por fora, mas por dentro eu me odiava. Odiava que ele gostava de pessoas que eram proibidas.

As religiões pelas quais eu passei, nunca me ajudaram a lidar com isso, pois de alguma forma ou outra, o que eu sentia era errado e me levaria para uma das dezenas de infernos. Sempre dependendo de qual religião eu preferiria escolher.

É impressionante como nos acostumamos a viver nas sombras, nos escondendo das lanternas dos caçadores. Basta ficar quieto, fingir ser como todos ao seu redor e ninguém notará nada. Pelo menos esse era meu plano.

Após um tempo, um amigo me levou uma revista antiga, essas da década de 80 mesmo. Nessa revista, havia uma moça com roupa de ginástica estilo Jane Fonda e lá, bem nessa revista, ela praticava um tal de Yoga.

Olhei aquilo e pensei “que povo mais estranho, usando essas roupas de ginástica buscando uma espiritualidade? Imagina só se Deus estaria nesse meu corpo cheio de pecado. Nunca!”. O fato é que eu levei essa revista para casa, pois eu queria vê-la melhor. Aliás, nessa seita da qual eu fazia parte, se você fosse pego estudando ou participando de outra religião, você era considerado inimigo de estado e sentenciado à expulsão.

Eu não poderia correr o risco de ser descoberto como uma “bicha”, ser expulso e ainda ser pego com essa revista da moça com a roupa da Jane Fonda.

É impressionante como pequenos atos de rebeldia podem fazer milagres em uma terra árida. Naquela noite, eu olhei todas as páginas da revista e lia as declarações das mulheres que relatavam encontrar Deus através do próprio corpo. Elas faziam alongamentos e cantavam um tal de “OM” como representação de Deus.

Pera aí, como assim eu nunca tinha visto isso em minhas aventuras religiosas? Deus não pode morar dentro de mim, ele, o Todo Poderoso, não cabe dentro de mim. Impossível o que essa moça relatava nas páginas da revista. Seja como for, eu fiquei curioso para conhecer mais esse tal de Yoga.

Fui me interessando tanto pelo que via na revista, que meu próximo ato de rebeldia seria ir a uma aula de Yoga. Mas, eu precisaria ser muito sagaz, pois ninguém poderia me pegar frequentando outra religião. Marquei uma aula de yoga em uma escola da minha cidade. Tive a coragem de mentir meu nome. Assim, se eu fosse descoberto, pelo menos, eu poderia mentir dizendo que não era eu.

O que o medo nos obriga a fazer.

Quando terminei a aula de Yoga, eu estava completamente contaminado por esse Deus “OM”. Como era possível eu me sentir tão bem assim por simples alongamentos, respirações e ficar quietinho de olhos fechados? E o melhor de tudo, não tinha nenhum sermão por meu corpo ser sujo, muito pelo contrário!

Me tornei furtivo nesses experimentos com o Yoga até que resolvi me inscrever em uma academia que oferecia também aulas de Yoga. Durante o dia eu era o pecador que praticava esse tal de Yoga e à noite era o bom samaritano que ia na Gnose.

Cada vez mais o Yoga foi se tornando importante para mim. Eu não precisava me sujeitar aos caprichos de Deus ou mesmo ser uma pessoa ética só para receber uma recompensa. No Yoga, eles tinham um tal de Yamas (códigos éticos) e nenhum deles era baseado no pecado, medo ou submissão a Deus.

Após alguns meses me debatendo com a possibilidade de ser expulso da Gnose por praticar o Yoga, resolvi tomar uma decisão que mudaria para sempre minha vida. Resolvi deixar a Gnose e mergulhar de cabeça no Yoga. Quando entreguei minha carta de desligamento dessa instituição, os professores me perguntaram por que eu queria me desligar deles. Não sei de onde veio isso, mas eu tive coragem e disse “Vou me tornar um yogi”.

Após esse desligamento da instituição, eu resolvi que nunca mais iria me esconder nas sombras, nunca permitiria que alguém falasse que eu era assim ou assado. Eu sou quem eu sou. E em uma dessas noites após ter me desligado da instituição, eu tive a bravura de dizer em voz alta para mim mesmo: Eu sou gay.

O Yoga me ofereceu não somente uma prática espiritual sem medo, mas também me permitiu assumir perante o mundo o que eu sentia. O Yoga, sem saber, me deu ferramentas para minha liberdade.

Pouco tempo depois, eu resolvi ir embora do Brasil para me conhecer melhor e me aventurar pela vida. Minha primeira parada foi a França e, logo após, eu aterrissava em terras indianas.

Eu fui para a Índia com o sincero desejo de conhecer o Yoga a fundo e descobrir como me tornar um yogi. Pisei pela primeira vez em terras indianas com um medo enorme, como alguém de cidade pequena que vai morar em cidade grande. Lá, nessas terras orientais, eu finalmente me encontraria.

Olhando hoje para trás, eu vejo que poderia ter me encontrado no quarto da minha casa no Brasil, mas acho que, em certas coisas na vida, precisamos de espaço para que possamos respirar com calma e tomar decisões baseadas em nós mesmos e não no que esperam de nós.

Vivi por 7 anos na Índia, onde fiz graduação em Ciências do Yoga, Mestrado em Yoga e iniciei um PhD em Yoga. Porém, as qualificações acadêmicas na Índia não foram as coisas mais importantes que recebi de lá e sim a possibilidade de eu ser quem eu realmente sou.

À medida em que me aprofundava no Yoga, eu sentia outra grande transformação se aproximando. Dessa vez não se tratava sobre sexualidade ou qualquer outro problema social e sim um metafísico.

O Yoga me ensinou que podemos encontrar Deus em nós mesmos ou podemos simplesmente olhar para dentro e vermos um infinito de possibilidades, é claro, se você fizer espaço em sua casa interior.

Eu já havia me despido da minha cultura, da minha família, da minha própria falsa sensação de controle da minha vida e até mesmo do meu próprio nome de batismo. Lá no meu interior havia ainda algo que ocupava espaço demais e não me permitia dar meu último voo em direção ao meu tão sonhado Kaivalyam (emancipação). Dentro de mim havia minha alma e Deus.

Meu corpo é pequeno demais para caber minha alma e Deus, alguém precisava sair, não pensei duas vezes, me despedi de Deus.

Hoje sou um gay, ateu e sim, um yogi.