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Um feliz dia das mulheres e ser uma mulher feliz todos os dias

Um feliz dia das mulheres e ser uma mulher feliz todos os dias

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No último ano me descobri uma mulher que devia lutar. E isso descontruiu boa parte da mulher que eu era, mas em contrapartida construiu pilares mais resistentes para a mulher que eu me tornei.

A diferença embora pareça simples, não é. Não me parece ser uma questão apenas pessoal, mas é quase que um instinto que muda algo de dentro pra fora e me faz ser melhor para o mundo. Eu penso que uma mulher que renasce passa em grande medida pelo acolhimento, pela escuta e pelo autocuidado. E enfim, se junta ao seu bando.

Sempre me apresentei nos espaços públicos como uma mulher, mas entendo que é recente a consciência do peso e da responsabilidade que isso implica.  Hoje me percebo e me exerço como uma.  Uma mulher, pesquisadora, filha, neta, amiga, professora. Uma mulher que escreve na Revista Senso, escreve uma tese de doutorado e que escreve todo dia a sua própria história. Uma mulher livre.

Em 2021 eu senti na pele o que eu já ouvia de várias mulheres: “não é fácil ser mulher na Universidade”. Embora eu também fizesse eco a essa fala, reconhecesse que algumas vezes já precisei sair de situações constrangedoras e conhecesse uma literatura razoável sobre o feminismo eu compreendo que poucas vezes acolhi o que isso significava com toda sua grandiosidade. Foi na dor da experiência que eu entendi.

 Explico: Durante uma atividade acadêmica sofri uma tentativa de silenciamento por parte de um estudante cujo motivo foi o meu gênero. Sim. Meu gênero. Houve ali uma tentativa de silenciamento feminino.  Ouvi do mesmo que devia abaixar meu tom de voz, que meu tom de voz incomodava. Que eu era mal educada, que eu devia respeitar os professores, sim no masculino. E, sim como se eu não fosse uma. Foi ali que sobretudo, fui desrespeitada. Por ser quem sou. Mulher.

Devo ressaltar ainda que nessa ocasião um homem já havia levantado questionamentos e foi prontamente respondido anteriormente. Mas na minha vez isso não aconteceu…

Mas na minha vez… na minha vez a voz feminina incomodou.

Na minha vez não existia equidade de gênero.

E ali eu tomei um beliscão de realidade. Senti a falta da equidade.

Eu fui acolhida por grande parte dos presentes. Grande parte. Não todos (as).

Mas foi ali, no colo de mulheres e com o apoio de alguns homens que eu entendi o que estava acontecendo. E, envolta nessa situação eu experimentei da força do feminismo.  Do acolhimento que só a equidade promove.

Naquele dia, a partir da fala potente de mulheres, decidimos criar uma Comissão de Mulheres em nosso Programa de pós-graduação.

O nosso objetivo desde o princípio é de criar um espaço seguro para escuta ativa de pessoas que necessitem e que esse espaço promova a equidade de gênero, além de promover a diversidade.

Jamais irei dizer que aquele episódio teve algum lado bom. Jamais. Mas afirmo que daquele dia em diante eu acessei um lugar que me é próprio e que eu não quero mais sair: o de luta! da luta coletiva!

Admito que fiquei sim impactada, desestabilizada com ocorrido. Chorei. Entreguei-me as sessões de terapia. E sei que isso ainda é um privilégio que não abarca grande parte das mulheres que são obrigadas a experienciar situações de violência.  Enfim, acessar essa dor não é fácil, não é justo. Não me pareceu coeso experienciar essa dor num lugar que a pauta versa sobre educação.

Entretanto, após secar as lágrimas me senti impulsionada a ir à luta. E sobre isso me comprometi a USAR DA MINHA VOZ contra todo tipo de violência. Esse texto é uma das formas que encontro para isso. E não tenho pudor algum de fazê-lo. O fato é que ao longo do caminho são muitas as tentativas de nos fazer parar. De nos fazer deixar de acreditar e de não irmos adiante. Mas sei que minha ancestralidade já travava lutas e sempre as superou e por isso estou e estamos aqui.

Desde o fato e até os dias atuais, comecei a questionar algumas coisas e com elas fui elaborando algumas conclusões: Não fui aluna de nenhuma, eu disse NENHUMA mulher durante a minha formação de mestrado e doutorado e reconheço o quanto eu perdi por não ouvi-las em sala de aula. Eu perdi. E penso também no quanto os homens que dividiram esse espaço comigo perderam também…talvez, provavelmente, a perda deles foi ainda maior.

Mas, há uma certa felicidade, pois elas escrevem e divulgam amplamente seus trabalhos.

Sei que elas estão por aí. Mas isso não basta. Mas é um bom caminho.

Desejo que não nos limitemos a dizer que as mulheres estão ocupando o mercado de trabalho, a pesquisa acadêmica, as salas de aulas, mas que nos perguntemos quem elas são, quais histórias elas trazem consigo, qual seu nome, seu rosto, suas lutas.

Desejo que de fato elas ocupem espaços, tenham voz, tenham lugares e visibilidade.

Que elas sejam resistência, mas que a sociedade reflita também sobre o quanto ela nos força a resistir às situações de pressão, nas quais a nossa única alternativa é segurar as pontas”. Que os julgamentos cessem e que nós tenhamos o direito de apenas ser. Sem precisar nos justificar a cada decisão ou a cada roupa escolhida.

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Agradeço e reverencio a cada mulher que se propõe a ir à luta pela Ciência e por seus ideais nesse país. Entramos pela porta da frente e não damos outra opção a não ser que nos respeitem.

O meu desejo para essa data, como quem fecha os olhos e faz um pedido, é que cada mulher possa ser autora da sua própria história. Que cada mulher se torne consciente do fardo que isso implica e da necessária luta que devemos travar por dias melhores. Que não precisemos experienciar a dor da ausência para entender a importância da presença de mulheres na sociedade e da discussão de gênero em todos os espaços.

Que não haja apenas um feliz dia das mulheres, mas que haja uma mulher feliz todos os dias. E que ela seja livre pra se posicionar na ciência, na cozinha de sua casa, na rua ou onde ela desejar.

“Eu não me vejo na palavra Fêmea: Alvo de caça

Conformada vítima

Prefiro queimar o mapa

Traçar de novo a estrada

Ver cores nas cinzas

E a vida reinventar”

-Triste Louca Ou Má (Francisco, El Hombre)