“Nós, os povos das Nações Unidas estamos
determinados a salvar as gerações futuras do flagelo
da guerra, que por duas vezes na nossa vida trouxe
incalculável sofrimento à Humanidade.”
Carta da ONU, 1945
Atualmente percebemos, sobretudo, através das redes sociais que os direitos humanos incomodam muita gente e, nenhum de nós, consegue ficar apático a esse debate. Uma hipótese para explicarmos esse fato é a de que o conceito, a criação e a universalização dos direitos humanos constitui uma ideia revolucionária. Conceitualmente falando, os direitos humanos são inseparáveis dos seres humanos, e existem até em situações mais humilhantes nos quais, infelizmente, se verificam as piores violações.
Mesmo o mais miserável dos indivíduos, aquele que foi desprovido de tudo, ele é contemplado pelos direitos humanos. Essa é a característica mais revolucionária desses direitos: eles são igualmente válidos para todos. Todos os seres humanos no mundo têm a possibilidade de recorrer aos direitos humanos, simplesmente porque são humanos.
A dificuldade de apresentar e apreender adequadamente esse conceito se deve ao fato de que se trata de um conceito multidisciplinar, que fica localizado entre a história, a sociologia, a política, a antropologia, a economia, a filosofia, a teologia, a psicologia e, por fim, o direito. E, como chegamos a este ponto? Ponto em que precisamos convencer outro ser humano de que ele é constituído por direitos universais? Talvez, demonstrando a construção histórica desse processo possamos conseguir.
A construção contemporânea dos direitos humanos teve seu maior marco na reconstrução da sociedade ocidental após a Segunda Guerra Mundial. Neste sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é um marco que veio contrapor às atrocidades que aconteceram durante esse conflito. Contudo, os valores defendidos por essa legislação internacional foram construídos pelos seres humanos historicamente.
Alguns pesquisadores defendem que as bases históricas dos direitos humanos começaram a ser construídas quando em 539 a.C., o exército de Ciro II, o rei da Pérsia, dominou a Babilônia. Ciro alforriou os escravos, declarou a possibilidade de escolha individual da religião, e estabeleceu a igualdade. Essas e outras leis foram registadas num cilindro de argila, em escrita cuneiforme. Esse documento, hoje, é conhecido como o Cilindro de Ciro, e é reconhecido como a primeira carta dos direitos humanos do mundo. Está traduzido nas seis línguas oficiais das Nações Unidas [Inglês, Francês, Chinês, Espanhol, Árabe e Russo].
Mais tarde, outros documentos, contribuíram para a construção dos direitos humanos como a Carta Magna (1215) e a Petição de Direito (1688), que, após as revoluções inglesas, garantiram os direitos individuais e limitaram o poder e o agir do Estado na vida privada. A Constituição dos Estados Unidos (1787) que reforçou a liberdade como direito fundamental e universal. A Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), que por sua vez é considerada como o primeiro documento universal, ou seja, nele defende-se a ideia de que todas as pessoas possuem direitos básicos e inatos, cabendo ao Estado protegê-los. Vale lembrar que as mulheres, não estão contempladas nesses documentos, Olympe de Gouges, por exemplo, durante a Revolução Francesa, escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher Cidadã, mas foi executada e sua proposta de lei desconsiderada. Além da construção da ideia de direito universal é preciso, ao longo do tempo, incluir e proteger as mulheres.
É importante destacar que todos esses documentos são considerados como a 1ª dimensão dos Direitos Humanos e, neles, destacam-se os direitos civis e participação política. A 2ª e 3ª dimensão ocorreram ao longo do século XX, buscando complementar e garantir os direitos sociais (saúde, educação, trabalho) e coletivos (paz, comunicação, autodeterminação, meio-ambiente).
Durante o século XIX e início do século XX, os seres humanos foram tomados por crenças pautadas no Iluminismo, no Liberalismo e no Positivismo e acreditavam que a ciência levaria nossa sociedade a um progresso infinitamente positivo. No entanto, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e a Crise de 1929, descontruíram essas ideais. Mas, o que mais aterrorizou mundo ocidental foram às mortes causadas pela Segunda Guerra Mundial e pelo Holocausto.
Buscando garantir que situações como as relatadas não se repetissem em abril de 1945, delegados de cinquenta países reuniram–se em São Francisco, Estados Unidos, com o objetivo de formar uma organização internacional para promover a paz, garantir direitos e prevenir outras guerras. Os ideais da organização foram declarados no preâmbulo da sua carta de proposta: “Nós, os povos das Nações Unidas estamos determinados a salvar as gerações futuras do flagelo da guerra, que por duas vezes na nossa vida trouxe incalculável sofrimento à Humanidade”. A Carta da nova organização, a ONU, entrou em efeito no dia 24 de outubro de 1945.
Em 1948, uma comissão, elaborou o rascunho do documento que viria a converter–se na Declaração Universal dos Direitos Humanos e foi adotada pela ONU no dia 10 de dezembro de 1948. O seu preâmbulo e no Artigo 1.º, a Declaração proclama os direitos inerentes de todos os seres humanos: “O desconhecimento e o desprezo dos direitos humanos conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade, e o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem. Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.” Os Estados-membros das Nações Unidas comprometeram–se a trabalhar uns com os outros para promover os trinta artigos dos direitos humanos que, pela primeira vez na história, tinham sido reunidos e registrados num único documento. Em consequência, muitos destes direitos, de várias formas, são hoje partes das leis constitucionais de países democráticos.
Enfim, os direitos humanos, como construção histórica, política, cultural e social, referem-se a um conjunto mínimo de direitos considerados indispensáveis e essenciais para a vida humana. São normas construídas pelos seres humanos com lutas e reivindicações ao longo do tempo. Sua consolidação é recente, mas sua a construção foi longa. E, nas redes sociais, precisamos ficar atentos ao questionamento dos direitos humanos, pois basta uma crise política, econômica ou religiosa para que nossos direitos sejam questionados e limitados.
Graduação em História, Mestre em História da Educação. Atua como Coordenadora da Cadeira de História na rede privada em Belo Horizonte/MG e Professora do Ensino Fundamental II e Médio.