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A história da violência no Brasil

A história da violência no Brasil

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Comecemos nossa reflexão, acerca da História da violência no Brasil, com duas perguntas da historiadora Mary Del Priore no livro História dos crimes e da violência no Brasil: será, a violência, natural ou cultural? Em nossa sociedade, cresce a violência ou nossa sensibilidade em relação a ela? Ao longo do texto, pensaremos sobre esses questionamentos.

A palavra violência tem sua raiz no latim, violentia que significa força física e vigor. Essa força física se transforma em violência quando excede os limites sociais ou altera acordos e regras que coordenam as relações em sociedade. A percepção do limite e do sofrimento causado pela violência é o que vai caracterizar um ato como violento ou não, sempre variando de acordo com o contexto histórico e, por isso, dificulta-se elaborar uma definição bem delimitada do fenômeno. A violência constitui um tipo de relação social em que se nega o outro e o espaço do diálogo desaparece, pois não existe espaço para a argumentação ou negociação de uma determinada demanda, destacando-se sempre a arbitrariedade. Quando se propõe analisar a questão da violência, na sociedade brasileira, não se pode reduzir esse fenômeno a uma mera situação de causas, efeitos ou estatísticas, mas, sim destacar a importância dela na constituição e organização social do nosso país, até porque juntamente com a violência interagem outros fenômenos.

A violência, em suas mais variadas formas, caracteriza-se como um fenômeno social e histórico sempre presente no contexto da sociedade brasileira mesmo antes da chegada dos europeus aqui. Caminhar sobre esse assunto exige que retornemos ao nosso passado e façamos isso buscando compreender as origens históricas do Brasil, a começar pela época do regime político colonial (1540-1822). Na estrutura política portuguesa, deste contexto, a violência se destaca no extermínio indígena, na violência e no racismo da escravidão e na subjugação das mulheres. Todos esses foram territórios marcados pelas relações de dominação baseadas na violência e que se perpetuam no Império brasileiro (1822-1889) a exemplo das revoltas e rebeliões, tais como a Revolta dos balaios, Cabanagem, Sabinada e a Guerra dos Farrapos.

Na República Velha (1889-1930), período de início da industrialização e urbanização do Brasil, se consolidaram os coronéis, que pautam seu poder na violência contra as populações do campo, a desigualdade social e a pobreza aumentam a violência nos centros urbanos ea perseguição aos partidos políticos. A partir de 1930, temos a Era Vargas, período de consolidação da modernização brasileira, e a chegada desse personagem ao poder demonstra que a violência também perpassa os meios utilizados para se chegar à presidência da República: golpe. Outro ocorrerá em 1964 e perdurara até 1985, sendo marcado pela potencialização e legitimação da violência do Estado (perseguições e prisões políticas, fim das liberdades individuais, cassação de mandatos, tortura, exílio, fim de partidos políticos), bem como na resistência à ditadura: a luta armada. Ademais, durante da Ditadura Civil-Militar, temos a favelização do Brasil, local que se tornará comum a violência, além do início da guerra contra as drogas que proporcionará doses diárias de violência aos brasileiros. Na Nova República, a violência não se apresentará de forma legitimada pelo Estado, uma vez que a Constituição de 1988 – a Constituição Cidadã – pauta-se nos direitos humanos. Contudo, com o neoliberalismo e as privatizações esse período histórico é marcado pelos protestos e a repressão violenta da polícia. Além disso, cresceu-se a desigualdade, a pobreza e a violência.

Enfim, a história do Brasil pode ser contada pela violência, pois o passado e o presente a respeito da violência no Brasil se misturam e se embaraçam. A violência, em nosso país, é naturalizada, e tornou-se parte constitutiva de nossa sociedade. No entanto, vale destacar, que a história do Brasil é uma história do apagamento da violência, de não registro dela. Existe uma construção de uma história heroica, em que nossos grandes mitos se afastam de posturas violentas. Tiradentes exemplifica esse fenômeno, se parece com Jesus Cristo e que supostamente aceitou pacificamente a condenação do Estado português.

Além de todos esses fenômenos políticos, em que a violência é presente, na atualidade temos ainda crimes cometidos em nome de intolerâncias religiosas, sobretudo, contra de matriz africana, contra os gays, contra as mulheres, os linchamentos nas redes sociais, a violência do Congresso Nacional, de onde se constantemente eternizam-se formas de violência contra o cidadão. Nosso cotidiano, historicamente violento, criam novos comportamentos. O principal deles: o medo.  Este, altera nosso comportamento social alterando, inclusive, a arquitetura das cidades, fazendo surgir muros, cercas elétricas e a condominização do Brasil, entre outros dispositivos de segurança que trazem como consequência a segregação. O medo em si é uma condição natural do ser humano, o problema está no medo excessivo, provocando desconfiança e o afastamento.

No caso do Brasil, contudo, ao longo de sua história, o Estado não tem conseguido estabelecer leis confiáveis e eficazes, que mediassem às relações entre os cidadãos. O resultado foi que, em lugar de uma diminuição das relações agressivas, o que existiu, ao longo de toda a nossa história, foi à persistência de valores que cultuam e valorizam a força como alternativa amplamente utilizada entre a população para solucionar conflitos. A justiça com as próprias mãos, tão comum no Brasil, exemplifica essa perspectiva. O Brasil, portanto, é um país onde a violência atravessa toda a sua história. Nessa perspectiva, o desrespeito ao outro e às regras de convívio social constituem uma prática comum em todas as camadas da nossa sociedade. A proliferação da violência não representa assim, uma mera consequência da criminalidade, mas esboça, antes de qualquer coisa, a estrutura constitutiva da sociedade brasileira. Este quadro possibilitou, ao longo da nossa história, a consolidação de uma cultura que usa a violência como forma de resolução de conflitos e para a manutenção das relações de poder.