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A busca por respostas na visão cosmoteândrica de Panikkar

A busca por respostas na visão cosmoteândrica de Panikkar

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Nestes tempos sombrios e de incertezas, tenho ouvido e lido sobre o papel da religião para nos ajudar a encontrar respostas, tanto teóricas quanto práticas, para as nossas inúmeras questões. No entanto, tenho me perguntado, qual é o lugar dos e das sem-religião diante da crise pandêmica? Onde poderíamos (pois me incluo neste grupo) encontrar tais respostas? Há uma salvação possível para nós diante de um possível apocalipse? Como sobreviver e garantir um mínimo de sanidade mental?

Estou vivendo na França, um país onde, embora 50% da população admita crer em Deus, 58% se diz “sem religião”, entre os quais 37% não se declaram ateus e 50% é de família católica praticante. Fato é que a maioria da população deste país não segue uma religião institucionalizada e, portanto, estaria meio que “abandonada” à própria sorte quando se trata de buscar respaldo nestas instituições. No entanto, felizmente, estas respostas podem ser encontradas em diversos outros lugares: para alguns na filosofia, na própria ciência, e nas inúmeras formas de meditação que não dependem de uma relação religiosa, como o yoga e o mindfulness, por exemplo.

Sempre fui crítica à expressão “religiosidade à la carte”, frequentemente utilizada nos estudos dos novos movimentos religiosos, especialmente, nas Ciências da Religião. A meu ver, tal expressão de certa forma inferioriza e coloca no mesmo “saco” pessoas que tem formas distintas de expressar e de acessar sua espiritualidade – e, até mesmo, sua religiosidade – e que buscam respostas em diferentes campos dentro e fora da religião institucional, pois perguntas complexas requerem respostas complexas, que dificilmente serão encontradas em um só lugar. No que me concerne, entre outros caminhos, tenho encontrado algumas inspirações em minha própria pesquisa, que gira em torno do Diálogo Inter-religioso na obra de Raimon Panikkar. O que tem sido, também, uma forma de dar sentido ao trabalho do doutorado que não pode (?) parar.

Existem alguns aspectos da obra do autor que podem ser úteis para trazer luz a este momento. Um deles, já foi explorado em um texto meu publicado no IHU-Online. Outro, seria o que ele denomina de uma “visão cosmoteândrica”, que enxerga o ser humano como uma “realidade teantropocósmica”; ou seja, a um só tempo cósmico, humano e divino. Seria, portanto, a síntese de uma realidade que não existe em partes, mas na relação intrínseca entre o ser humano, o mundo e o transcendente (ou Deus, ou Deusa, ou Mistério, para quem prefere, à la carte).

Nesta visão, o mundo material e, portanto, a natureza, é parte inerente e de igual importância na relação entre o humano e o divino. Não há separação. Isto me lembra uma frase do pensador indígena Aílton Krenak que diz, mais ou menos, assim: “Para nós, indígenas, não existe poder sobrenatural, tudo é natural”. E, ainda, uma outra em que ele diz que “nós somos a Terra”. Panikkar (2016) irá falar de uma “secularidade sagrada”, que não “abandona o tempo, nem o espaço, mas dá lugar a eles”, através de uma espiritualidade que revela a sacralidade do mundo, da matéria e do cosmos e descobre nesta relação a salvação para o ser humano. Não negar o mundo, como pregam algumas religiões, mas estar e ser em relação com o mundo, reconhecendo a divindade nesta relação; é o que nos salvaria.

Essas três dimensões, portanto, a Terra, as pessoas humanas e a energia criadora transcendente e imanente encontram-se em harmonia. Sendo os seres humanos responsáveis e co-criadores deste equilíbrio, pois são também uma síntese dessas três dimensões e, assim como o mundo, encontram-se inacabados e em constante transformação.

Esta “visão”, no entanto, pressupõe um tipo de abordagem que não deve e não pode ser apenas racional, ela exige uma experiência contemplativa (que poderíamos chamar também de mística), que vai além dos sentidos e da razão. E dessa forma, a pessoa que contempla “tem um papel profético-sacerdotal: ele/a medeia questões previamente irreconciliáveis ​​e antecipa uma nova era ao perceber em seu ser interior o que um dia também pode ter repercussões históricas.  O que acontece na mente e no coração contemplativos pode depois irradiar em maior escala quando chegar a hora.” (PANIKKAR, 2015). O tempo e o espaço, o passado e o presente, acontecem aqui e agora.

E, assim, vamos construindo esta rede complexa de interações e possíveis respostas para as questões que estamos nos fazendo neste momento, que também pode ser visto como uma oportunidade. Um processo de desconstrução, de reconstrução e de co-criação que, com toda certeza, nenhuma religião ou filosofia ou pensamento dará conta de abarcar ou  responder completamente.

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Referências

GRASSI, Rita. Uma possível leitura panikkariana do momento atual. IHU-Online, abr., 2020. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/597662-uma-possivel-leitura-panikkariana-do-momento-atual

PANIKKAR, Raimon. PANIKKAR, Raimon. I. Mística y espiritualidad: espiritualidad, el camino de la Vida. Barcelona: Herder, 2015. [Obras completas].

PANIKKAR, Raimon. PANIKKAR, Raimon. VIII. Visión trinitária e cosmoteándrica: dios-hombre-cosmos. Barcelona: Herder, 2016. [Obras completas].