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A relação do religioso com a sociedade: aí está sua identidade

A relação do religioso com a sociedade: aí está sua identidade

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As tradições escritas, orais e as próprias tradições com suas interpretações e reinterpretações, ajudam a colorir a vitrine de cada religião. Os tempos apresentam novos ares e modificam percepções de fiéis que, consequentemente, alteram suas “intenções” religiosas no mundo. Por essas e outras que é possível, dentro de uma só denominação, haver grupos tão distintos na interpretação sobre o dogma na interação com a sociedade.

Mas… como se adquire a forma pessoal? Na religião ou na interação desta com o mundo?

Em 1974, J. MacMurray escreveu o livro Personas en Relación e explicou que o ser adquire sua forma a partir das relações com outras pessoas. Nas ciências sociais, E. Durkheim já havia dito que a sociedade antecede ao indivíduo fazendo com que este se adéque àquilo que impuseram como normativo. Posteriormente, P. Bourdieu trabalhou com o conceito de habitus observando que o comportamento coletivo é a reprodução de um contexto cultural. Outros autores, tais como E. Goffman e B. Lahire explicarão sobre os vários papéis que o ser humano é capaz de interpretar em diferentes quadros da sociedade. Por exemplo: o papel do pai, do professor, do jogador de futebol aos finais de semana… E todas essas performances foram geradas no ser pelo contato, por imitação.

Do resultado desses contatos nasce a atitude ligada a um quadro de valores que se expressam no comportamento. Em 1974, H.C Triandis definiu que a atitude – carregada de emoções – predispõe uma classe de ações diante de outra classe de situações na sociedade:

– Componente cognitivo: o que o indivíduo pensa; categorias que utiliza para responder a diversos estímulos.

– Componente afetivo: sentimentos positivos ou negativos que impregnam toda a ideia.

­– Componente comportamental: a predisposição para agir.

Os três componentes não são separados. São interdependentes. Revelam intenções, valores, crenças através das ações. E as ações, fruto da socialização. As crenças decorrem de aprendizagem. Não há crença sem informação. As modalidades, as sistematizações, as nomeações sobre o sagrado não são (sobre)naturais, são humanas e descritas/reproduzidas por/em rituais.

O que leva o indivíduo a acionar suas atitudes são suas intenções. G.E. Summers catalogou alguns conceitos sobre atitude.

A atitude é uma predisposição a responder determinado objeto. A atitude é persistente e contribui a produção da consistência do comportamento. A atitude tem qualidade direcional, uma vez que conota preferências diante de um certo “cardápio”.

Delimitando tais questões à crença religiosa, o quadro de nossa reflexão é o seguinte:

A crença pura inexiste. Ela está sempre ligada a interações com outros quadros da sociedade. São nesses quadros que as intenções dos religiosos aparecem. É aí que conseguimos entender seu comportamento.

A religião pela religião não produz nada. É claro que desatentos diriam que até Marx discordaria de mim quando disse que “a religião é o suspiro da criatura oprimida”. Mas há que se entender que a relação com o dito fenômeno religioso que não altere sua percepção para fora de si – ou seja, para a relação com o mundo –, na verdade está apenas realizando manutenção de processos cognitivos: se era um escravo, agora precisa ser um escravo pela vontade de Deus. Em outras palavras, não há consciência de sua realidade enquanto pessoa.

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O templo pelo templo, o monastério pelo monastério, o ritual pelo ritual, os terreiros pelos terreiros… Apenas quando as informações religiosas entram em contato com outros grupos, outros cenários, outros “mundos”, é que suas atitudes serão acionadas (vinculadas às suas intenções que podem ser – politicamente – más ou boas).

O religioso que afirma que teve sua experiência com o sagrado no período no êxtase ou de músicas ou de audições de “oráculos”, e diz-se transformado exclusivamente por isso, engana-se. Experiência religiosa por experiência religiosa é apenas self-deception, nas palavras de Edgar Morin.

Portanto, poderia continuar provocando dizendo que a verdadeira identidade de um indivíduo que se crê transformado pela crença não pode ser descrita apenas pela cartilha de sua comunidade religiosa, mas, sobretudo, a partir de sua interação com universos diferentes. Seu comportamento será “avaliado” na sociedade, e não no ambiente de um grupo pseudo-homogêneo.

E por que digo isso?

Seguindo as pesquisas de D. Hervieu-Léger, os indivíduos estão cada vez menos “institucionalizados” e vão seguindo os moldes, as formas externas: de suas interações.

As interações de alguns cristãos, por exemplo, disputam (com outros cristãos) acerca das “verdadeiras” narrativas e informações religiosas: Jesus defendia os valores da “direita”? Jesus defendia os valores da “esquerda”? Diante deste personagem, não é suficiente notar sua religião, suas tradições escrita e oral, mas suas interações.

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