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A quarentena dos budas

A quarentena dos budas

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A maioria das pessoas sabe da existência de um Buda, Shakyamuni, o Buda histórico que viveu neste mundo e que, segundo a história, atingiu sua iluminação sentado na sombra de uma árvore na Índia. Mas, na verdade, ele ensinou sobre outros budas. Os Budas são incontáveis, espalhados pelos quatro cantos do pluriverso, cada um iluminado a seu modo. Ou, como diria a sabedoria popular, cada um em seu quadrado.

Ontem, o Papa Francisco, beijou os pés de um Cristo crucificado medieval, pedindo pela humanidade no momento em que enfrentamos uma pandemia sem precedentes no último século. Em vista de uma atitude tão significativa, eu diria – parafraseando o poeta – “Convoque seu Buda, o clima tá tenso”. Mas então, como os budas podem nos ajudar nesse momento?

A primeira coisa que um Buda te diria seria: “tá preocupado com o quê?”. E nós temos desenvolvido muitas preocupações, muitas ansiedades, muitos medos, não temos? Acima de tudo – com exceção dos ricos que só enxergam a economia – estamos preocupados com a doença e a morte. Adoecer é ruim. Ficamos debilitados. Dependemos dos outros. Dói. Não queremos adoecer. Também não queremos morrer. Morrer é a certeza de vamos experimentar algo incerto. Pior ainda é se tivermos que lidar com a morte das pessoas que amamos. Continuar vivendo depois de ver a morte levar um dos nossos é horrível. Mas, a resposta pra esse problema é tão óbvia que nem precisava de um buda para nos dizer isso: “a doença e a morte são parte da vida. Não tem como não passar por isso”. Se fosse algum buda sarcástico diria “aceita que dói menos”. E é exatamente isso. Temos que aceitar nossa condição humana, caso contrário a negação ficará doendo e vamos perder o controle da situação.

Aceitar que a doença e a morte fazem parte é difícil. Ninguém acorda falando “talvez eu sinta muita falta de ar, talvez eu morra, mas está tudo bem”. E os budas nos ensinam que é assim mesmo. Sim, é difícil, e está tudo bem não aceitarmos plenamente nossa condição humana. Vamos sofrer por isso, mas não precisamos nos cobrarmos algum tipo de perfeição. Podemos aceitar que somos tão imperfeitos que nem mesmo aceitamos aquilo que somos, seres transitórios.

Se é assim, o que não podemos fazer? Ora, podemos ser imperfeitos, mas não podemos ser tão imperfeitos a ponto de gerar dor e sofrimento na vida dos outros. Ou seja, podemos ser imperfeitos, só não podemos ser tanto quanto o presidente. Quando você não se isola e não se importa com vidas alheias, você simplesmente não se importa com a vida do mundo, e daí você está separado, longe da unidade do existir, lutando contra a luz de cada um dos budas.

Cristo é um Deus de amor. Por isso, achei realmente muito significativa a atitude do Papa Francisco de pedir a ele, em praça pública, aos olhos do mundo inteiro, por sua misericórdia. Os budas não são deuses e não são de amor. Os budas são seres iluminados. Nós podemos aprender com eles, mas eles não podem substituir nada que nós temos que fazer. A palavra que melhor caracteriza um buda é compaixão. Compaixão significa estar junto, sentir junto, passar junto pela situação, seja ela qual for.

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Se você quiser, um ser iluminado estará contigo nesse momento. Todos os seres contém a natureza búdica, todos somos budas em potencial. Só precisamos aprender. Se você quiser que um buda esteja contigo em cada momento dessa quarentena, pode ter certeza que não ficará sozinho. A forma de convocar seu buda é simples também: seja como um buda e viva com compaixão.

É tempo de termos compaixão com cada ser que está em dor e sofrimento, que está temendo a dor e a morte, que está se sentindo sozinho, que não consegue entender o sentido do seu viver. Imagine como é, nesse isolamente, você ser um idoso sem filhos ou netos para ir ao mercado para você. Não há ninguém para te emprestar dinheiro. Ninguém pra te dar carona. Seus vizinhos não sabem seu nome. Seus amigos já morreram. Você não sabe ao certo o que está acontecendo. As notícias na televisão estão confusas. Logo você que já passou por tanta coisa, que já carregou tanto peso nessa vida. Imagine.

É tempo de mandarmos boas energias para todos aqueles que estão mais vulneráveis a esta situação. Mas, não se esqueça, a melhor forma de mandar boas energias é ir lá, ajudar quem precisa de ajuda, sofrer com quem sofre, dividir o peso com quem está cansado.