Direitos humanos para as mulheres: o que a religião tem a ver com isso? (III)
Texto adaptado da Dissertação: “PELO SAGRADO DIREITO DE DECIDIR”: A contribuição de Católicas pelo Direito de Decidir nas discussões sobre laicidade, direitos reprodutivos e descriminalização do aborto no Brasil.
Leia também:
Direitos humanos para as mulheres: o que a religião tem a ver com isso? (Parte I)
Direitos humanos para as mulheres: o que a religião tem a ver com isso? (Parte II)
Na segunda parte dessa série de artigos, procurei apresentar para vocês basicamente o ponto de partida da invenção dos Direitos Humanos das Mulheres. É importante destacar que os direitos das mulheres é uma luta histórica de mais perdas do que ganhos, como foi possível ver na história de Olympe de Golges.
O patriarcado, a cultura androcêntrica e o machismo sempre calou, e sempre vai encontrar meios de calar as mulheres que lutam por seus direitos, sempre será colocado empecilhos para que as mulheres não se sintam e nem sejam efetivamente autônomas em relação a sua vida e seu corpo, e até mesmo na sua maneira de pensar e agir.
Neste terceiro texto, pretendo trabalhar a relação entre corpo das mulheres e religião, como as mulheres são vistas pela teologia tradicional cristã, e quais são as alternativas teológicas existentes para que as mulheres possam elaborar discursos e práticas que as façam empoderadas através do discurso religioso.
Como já mencionamos de alguma forma nos textos anteriores, é importante frisar que corpo das mulheres sempre foi objeto de controle, domínio e instrumentalização, e segundo Ruther [1], sendo a mulher associada à natureza, elas são o alvo teológico de de domínio, e devem ser civilizados e mantidas sob rígido controle masculino.
Além disso, tem a filosofia grega, que é uma das principais bases do pensamento teológico tradicional, é dualista, sendo assim, de acordo com esse pensamento, a realidade objetiva e a subjetiva são compreendidas a partir da divisão e da negação de corpo e espírito, o que acarreta em grandes esforços teóricos e práticos de negação do corpo, para a emancipação do espírito.
Portanto é perceptível que o corpo para a religião, especialmente a cristã, sempre foi um problema.
Dentro dessa lógica, o corpo da mulher, por ter ser considerado assim como a natureza, um território de dominação, por possuir “naturalmente” elementos perigosos e espíritos malignos, foi considerado teológicamente como um opositor ao corpo masculino, que é considerado perfeito, e a imagem e semelhança de Deus.
Portanto, isso tudo explica e “justifica” o fato da teologia ser um pensar e o fazer teológico completamente masculino e contra as mulheres. Desde os seus primórdios a teologia clássica sempre esteve nas mãos dos homens, e produzida por um viés misógino (aversão ao feminino/às mulheres).
A teologia oficial católica pouco mudou. Apesar de determinados avanços na sociedade no sentido de garantir os direitos das mulheres como cidadãs, a Igreja Católica, entre outros segmentos religiosos conservadores e fundamentalistas, ainda mantém em sua teologia e doutrina, poucos avanços em relação às mulheres.
Como a teologia oficial de um modo geral não apresenta uma reflexão acerca da real experiência de mulheres, a Teologia Feminista aparece então encarando este desafio.
A teologia feminista é uma teologia militante, que se faz a partir de uma vivência dentro da realidade histórica de opressão das mulheres. Não é uma teologia abstrata, que trabalha as questões referentes a estereótipos absolutizados, a teologia feminista, como já foi dito, vem para quebrar estes absolutismos e criar novas formas de pensamento.
Neste sentido, a teóloga feminista Ivone Gebara [2] afirma que com as relações de poder estabelecidas de maneira desigual entre os sexos, tanto na sociedade quanto nas estruturas eclesiásticas, principalmente a católica, afetam negativamente as mulheres em todos os âmbitos de suas vidas. Sendo assim, é preciso pensar uma teologia que venha nascer desta necessidade específica das mulheres porque: “… os gritos das mulheres para Deus são mais fortes e mais frequentes…”
A teologia feminista nasce a partir do desafio de fazer com que a vivência feminina e sua relação com Deus possam refletir as próprias mulheres.
É a experiência das mulheres a é fonte do fazer teológico e hermenêutico, por isso é uma teologia que não se pretende “clássica”, “tradicional”, ou e universalista, porque cada mulher, inserida em contextos sociais diferentes irão ter sua chave hermenêutica e teológica distinta.
Por isso, a hermenêutica feminista, assim como a Teologia Feminista, vai partir da vivência corporal das mulheres, e de que forma corpo, que é diverso, se relaciona com o sagrado, com a sociedade e suas vivências cotidiana
Por fim, a Teologia Feminista e a Hermenêutica feminista se propõem como um método de desconstrução das interpretações androcêntricas universalizadas, respeitando todas as formas e distinções culturais das mulheres, denuncia toda a forma de opressão cultural contra as mulheres principalmente no ambiente religioso, questionando interpretações bíblicas que não levam em consideração a igualdade dos seres humanos, e contribuindo para a promoção dos Direitos Humanos para as Mulheres.
Referências
[1] RUTHER, R.R. Sexismo e Religião: rumo a uma teologia feminista. São Leopoldo, RS: Sinodal, 1993.[2] GEBARA, Ivone. Rompendo o Silêncio: Uma fenomenologia feminista do mal. Petrópolis, RJ: Editora Vozes. 2000.
Além de socióloga e teóloga, é doutoranda em Ciências da Religião na Universidade Metodista de São Paulo, onde participa ativamente do Grupo de Pesquisa sobre gênero e religião Mandrágora /NETMAL. Realizou parte de seu doutorado na Universidade de Coimbra, Portugal.