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Direitos humanos para as mulheres: o que a religião tem a ver com isso? (II)

Direitos humanos para as mulheres: o que a religião tem a ver com isso? (II)

Mídia NINJA

Texto adaptado da Dissertação: “PELO SAGRADO DIREITO DE DECIDIR”: A contribuição de Católicas pelo Direito de Decidir nas discussões sobre laicidade, direitos reprodutivos e descriminalização do aborto no Brasil.

Leia também:
Direitos humanos para as mulheres: o que a religião tem a ver com isso? (Parte I)

No artigo anterior, apresentei que o fato de um número significativo de mulheres, engajadas na militância por direitos humanos, adentrarem as academias, especificamente nos cursos de Teologia e Ciências da Religião, tem proporcionado um debate e uma produção teórica importantíssima sobre esse assunto.

Além disso, procurei mostrar de maneira geral, como se estrutura, como se reproduz e de que maneira se articula, a cultura androcêntrica e patriarcal dentro da religião, mais especificamente a cristã, e dentro do Estado, e como a relação entre Igreja e Estado perpetua a desigualdade entre homens e mulheres principalmente no âmbito político e do direito.

De maneira geral, sobre o primeiro artigo dessa série, podemos dizer que os direitos reprodutivos não são considerados direitos humanos, e a pergunta que fazemos agora, e que nos introduz a este segundo artigo é:

Porque existe tanta dificuldade em se entender que os direitos reprodutivos são direitos humanos fundamentais para as mulheres?

Para responder essa pergunta é necessário fazer um breve levantamento histórico sobre o que são os direitos reprodutivos.

Segundo Maria Betânia Ávila, os direitos reprodutivos são uma invenção recentemente das mulheres. (ÁVILA, 1997).

Apesar de Ávila colocar que é recente o fato das mulheres começarem a inventar os seus direitos, acho que é interessante considerar como exemplo a história de Olympe de Gouges.

“Olympe de Gouges, revolucionária francesa articulada com milhares de mulheres, decidiu por fazer a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã. Por isso, foi condenada à morte na guilhotina. A sentença que proferiu a sua condenação dizia que ela “(…) se imiscuiu nos assuntos da República, esquecendo-se das virtudes do seu sexo (…)” (TELLES, 2007, p.19)

Na época em que Gouges viveu, existia apenas a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, e o termo “homem” utilizado aqui, queria dizer exatamente que estes direitos eram somente dos homens, por isso a revolta de Olympe de Gouges, e por conta disso que ela INVENTOU a Declaração dos Direitos das Mulheres e da Cidadã.

Tal invenção foi considerara uma tamanha afronta, que a mesma foi condenada à guilhotina, e não teve nenhuma ajuda sequer dos homens do grupo revolucionário do qual ela pertencia, porque os mesmos também consideraram um absurdo a sua ousadia em INVENTAR que as mulheres poderiam ter direitos iguais aos homens.

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O que podemos dizer sobre isso? Em uma sociedade marcadamente machista e patriarcal, são dos homens o poder e a permissão de criar os direitos, quando são as mulheres que o fazem, e para si mesmas, não passa de uma mera invenção, uma heresia, algo que não existe.

Quando Ávila usa o termo INVENÇÃO, ela subverte a forma negativa na qual ele foi historicamente empregado quando as mulheres ousavam CRIAR.

Todas as mulheres que INVENTAM seus direitos são CRIADORAS de uma sociedade mais justa, e ao mesmo tempo, contribui para a destruição do privilégio de criador, de imagem e semelhança de Deus, dada somente aos homens.

Por tanto, os direitos humanos das mulheres, os direitos sexuais e reprodutivos são invenções das mulheres, que ajudam a criar um mundo no qual o cuidado com a humanidade deve ser integral, deve considerar a sexualidade e seu exercício um direito humano, no qual a imagem de Deus, é também a face de uma mulher.


Referências

ÁVILA, M. B. et al., Direitos reprodutivos: Uma invenção das mulheres reconcebendo a cidadania. Revista Mandrágora NETMAL, São Bernardo do Campo: ano 4, n. 4, p. 11-16, 1997.
TELES. Maria Amélia de Almeida. O que são direitos humanos para as mulheres. São Paulo: Brasiliense, 2007 p. 38.