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Planejamento de aula: Como apresentar o Ensino Religioso aos estudantes?

Planejamento de aula: Como apresentar o Ensino Religioso aos estudantes?

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Decerto, a discussão sobre o Ensino Religioso não é novidade no cenário educacional brasileiro. Ainda assim, podemos perceber muitas dificuldades em operacionalizar sua proposta educativa. Como coordenadora pedagógica e professora, muitas vezes tenho ouvido as ponderações de colegas, em ambas as áreas de atuação, sobre as dificuldades de planejamento para o Ensino Religioso escolar.

Todo profissional da educação sabe que o êxito de seu trabalho se deve, em grande parte, à qualidade do planejamento realizado para o mesmo. Com o Ensino Religioso não é diferente. A discussão sobre seu planejamento é uma questão muito ampla, que poderia demandar calhamaços e calhamaços de altercações sobre o tema.

Independentemente de quão amplo seja o assunto, é necessário, aos profissionais da área, estabelecer um ponto de partida para o planejamento do Ensino Religioso escolar. Neste texto, vamos discutir sobre o início dessa reflexão, sobre os primeiros passos para a construção de um planejamento. Para nos guiar neste objetivo, sugiro uma pergunta inicial: o Ensino Religioso escolar é uma disciplina ou um conteúdo?

É fato que, eventualmente, as duas palavras são utilizadas como sinônimas. Referem-se às diferentes matérias, aos saberes provenientes dos diferentes campos do conhecimento humano que são ensinadas na escola. Mas essa diferença pode ser muito mais ampla, se considerarmos uma contribuição da história dos currículos escolares.

Por exemplo, para André Chervel, o uso do termo disciplina referia-se originalmente ao comportamento e à moldagem do espírito que a escola visava produzir. Dessa forma, o importante não era o conhecimento que a escola ensinava, mas sim o delineamento de um padrão comportamental.

Essa lógica se alinha ao que, no passado, foi o Ensino Religioso de natureza confessionalista. Criado ainda nos tempos da colonização com objetivos políticos, não deixava espaço para que outras experiências, alheias à orientação governamental, se consolidassem. Era esperado que a escola formasse o aluno para ser um bom súdito – e isso incluía a aceitação da religião e religiosidade dominantes.

Mesmo durante o período republicano, por diversas vezes na história da educação brasileira podemos perceber tendências de utilização do Ensino Religioso como forma de padronização da moralidade e/ou religiosidade da população. Essa prática produz um efeito de educação bancária, em que o aluno recebe os conhecimentos acerca do comportamento que lhe impuseram como adequado, sem qualquer possibilidade de diálogo com suas origens e cultura.

Um Ensino Religioso de natureza disciplinar assume uma perspectiva confessionalista e doutrinária, que coloca um discurso como superior aos outros. Ele tende a validar as tradições e filosofias dos grupos dominantes, condenando aqueles menos privilegiados socialmente à negação e ao silêncio. Ele colabora para a discriminação e marginalização das minorias, pois desvaloriza a diversidade.

Retomando a discussão sobre o uso dos termos, a BNCC refere-se aos conhecimentos escolares como conteúdos. Estes são um conjunto de conhecimentos que visam desenvolver, no aluno, habilidades que o levarão ao pleno exercício da cidadania.

Analisando a proposta curricular da BNCC para o Ensino Religioso escolar, percebemos que o objeto de estudo apresentado são as tradições/movimentos religiosos e as filosofias de vida, em uma perspectiva de diversidade. Esse olhar amplo sobre o fenômeno religioso deve colaborar para que o aluno reconheça sua própria identidade e aprenda a conviver com a diferença, rejeitando todo discurso de intolerância e discriminação.

Este modelo de Ensino Religioso harmoniza com uma perspectiva libertadora da educação. Ele permite ao aluno o reconhecimento de suas origens e tradições. Permite que ele conheça e reflita sobre outras religiões e filosofias de vida. E almeja que ele seja capaz de estabelecer um posicionamento pessoal sobre o tema, livre de todo preconceito e intolerância.

O Ensino Religioso planejado como conteúdo aproxima-se da proposta das Ciências da Religião, no tratamento igualitário de todos os movimentos religiosos e filosofias de vida. O Ensino Religioso, inclusive, faz a transposição didática dos conhecimentos produzidos nessa área acadêmica, tornando-os acessíveis ao público da educação básica. Ele colabora para o reconhecimento e a validação de todas as religiões e filosofias de vida, valorizando a diversidade.

Para planejar o Ensino Religioso escolar, a primeira questão que o professor deve ter em mente diz respeito ao objetivo de seu trabalho. Oferecer uma disciplina, em seus aspectos conformadores e bancários, implicará em apresentar o conteúdo aos alunos sob uma perspectiva limitadora, inclusive de nossas próprias identidades. Por outro lado, oferecer um conteúdo, tendo em vistas o reconhecimento da diversidade sob uma perspectiva libertadora, colaborará ao pleno exercício da cidadania.