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Filosofia da religião, apenas um olhar, para o fenômeno religioso e para a dimensão espiritual

Filosofia da religião, apenas um olhar, para o fenômeno religioso e para a dimensão espiritual

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Um desafio! Este é o termo que vem à mente, quando nos deparamos com a proposta de refletir sobre o fenômeno religioso, a partir das interpretações da filosofia. Compreender a religião, a partir do fenômeno que se mostra e interpretar filosoficamente é o objetivo da filosofia da religião. Assim é nosso desafio tentar pontuar elementos constituintes de uma das formas de interpretar as religiões, a saber, através da filosofia da religião.

Pensar o fenômeno religioso é um desafio poliédrico, haja vista que se faz necessário contextualizar aquilo que se mostra, seja através dos gestos, palavras, ritos, símbolos, narrativas, livros sagrados, dentre outros aspectos que estabelecem relação com a esfera da metafísica e do transcendente.

Do que trata a Filosofia da Religião?

A religião é um sistema que busca o conhecimento do divino, através da crença e do raciocínio intuitivo, em que há uma força superior à própria humanidade. Introjetada esta asserção no crivo da verdade religiosa, o aspecto religioso constitui-se em instituições, ganhando força de representação no espaço social, passando a significar um determinado grupo e por conseguinte, valores morais e culturais.

A gigantesca esfera da religião é uma forma de conhecer, tendo em vista o alcance do sagrado. Assim, por si e para si, de forma independente formula seus próprios conceitos e definições, mas também seus dogmas. E nesta esfera é permitido tal forma de obter respostas.

A essência da filosofia é investigativa, assim, a religião não escaparia de seus olhos questionadores. É da natureza da filosofia as seguintes características: radical, rigorosa e perspectiva de conjunto, tal qual afirmou Marilena Chauí. Assim, quando a filosofia é radical em relação à religião, ela quer saber sobre as origens da esfera religiosa. Quer entender qual foi o método para alcançar o que se constitui como conceito denominado de religioso, e almeja compreender como a manifestação do fenômeno religioso interfere no humano e suas relações. Estes três elementos são essenciais para compreender a proposta da filosofia da religião. E assim, surgem questionamentos como: o que é religião? O que é fé? O que é Deus? É possível provar a existência de Deus? Ou o raciocínio hegeliano sobre a prova ontológica de Deus, ou ainda os três argumentos (ontológico, cosmológico, físico-teológico) de Kant para assegurar a existência do ser supremo.

Assim, as discussões entre a filosofia e a religião, são de extrema complexidade, haja vista que se trata de duas formas gigantescas de conhecer as relações e necessidades humanas. Ressaltamos que o termo “filosofia da religião”, surge no período do iluminismo. Segundo Macdowell, em seu texto “Filosofia da Religião: sua centralidade e atualidade no pensamento filosófico” (2011), é neste período em que a religião se torna subordinada à razão e um fenômeno cultural dentre tantos outros. Perde seu status de rainha soberana, quando as discussões que proporcionam a ruptura entre fé e razão, se consolidam. E a razão, aliada ao discurso científico, toma o cetro da mão da fé e neste caso, da religião também. A religião em todas as suas formas de expressão e enquanto dimensão da existência humana, é objeto de análise da filosofia da religião. Apesar do termo ser datado quando à época do iluminismo, a relação entre filosofia e religião sempre foi profícua, rendendo grandes discussões para o saber da humanidade.

Eis que a partir do período do iluminismo, a crítica filosófica, contribui significativamente para pensar acerca dos temas relacionados ao âmbito da religião, logo questões acerca de Deus, da fé, da relação fé e razão, dentre outras.

Filosofia da Religião e a Dimensão Espiritual

Para além de todas as dificuldades de refletir sobre o transcendente e a esfera da metafísica, já que estamos no campo da narrativa e, portanto, da linguagem, o objeto de análise, por ser de uma pluralidade polissêmica, impõe à filosofia, análises minuciosas. A nosso ver, tal pluralidade é resultante das diversas formas de espiritualidade, expressas por intermédio de uma instituição religiosa ou na solidão reflexiva.

Não é tarefa da filosofia da religião questionar a veracidade dos símbolos, ritos, dogmas ou comportamentos estabelecidos. A tarefa árdua é interpretar os conceitos, os quais já foram estabelecidos pelas próprias religiões e relacionar com a dimensão espiritual e por conseguinte, o modus vivendi.  Assim, a filosofia da religião não vai questionar as definições ou conceitos religiosos, mas examinar a relação estabelecida entre o conceito e a influência do mesmo na dimensão do humano, além de investigar o caminho trilhado para o discurso de alcance do transcendente. A exemplo, podemos citar os sistemas filosóficos de Santo Agostinho ou São Tomás de Aquino, embasados na esfera da metafísica, na fé e na busca para provar a existência de Deus.

Anterior à religião institucionalizada ou sistema religioso estabelecido e reconhecido como uma verdade, há um elemento o qual devemos levar em consideração: a espiritualidade.

Espiritualidade e Religião são dois termos distintos e não possuem uma ligação necessária. Entendemos que a espiritualidade é uma condição essencial do ser humano, que trilha pela busca do sentido da vida e não tem relação necessária com o transcendente e nem com o transcendental, no entanto, não é impossível que esta relação seja estabelecida. A forma institucionalizada de manifestação do fenômeno religioso, é o que denominamos religião. E neste caso, todas as religiões possuem uma forma de espiritualidade.

A necessidade humana em buscar respostas para o sentimento inato de que há “um algo mais”, ainda que essa resposta seja através da negatividade, é característica, ou melhor dizendo, condição necessária para a dimensão do existir humano.

A dimensão espiritual é reconhecida como característica essencial do humano, desde os tempos mais remotos. Pela perspectiva ocidental, trazemos os exemplos do chamado período pré filosófico, com as inúmeras narrativas mitológicas, da busca pelo arché do mundo através dos filósofos naturalistas, o Demiurgo de Platão, o Primeiro Motor Imóvel de Aristóteles, a concepção imanente de Deus de Spinoza, a busca pelo sentido da vida através do entendimento do transcendental em Wittgenstein. Com tais exemplos, queremos evidenciar a necessidade humana em buscar uma justificativa para a sua origem e consequentemente, para o sentido da vida.

Conforme percebemos, as reflexões acerca da espiritualidade não são recentes, no entanto, durante muitos séculos, em especial desde os primórdios tempos de consolidação do catolicismo, passou a ser associada as religiões institucionalizadas. No entanto, o acelerado processo de secularização vem alterando significativamente esta perspectiva, haja vista que a espiritualidade volta ao seu arché e se desvincula da religião.

Para a filosofia da religião, o tema da espiritualidade tem sido observado com disposição para questionamentos, haja vista que relações com perspectivas éticas, sobre o sentido da vida e da linguagem são frutíferos campos para a discussão do tema junto a filosofia da religião.

Considerações finais

A religião é um sistema de relevante expressão cultural, social, política e econômica. Pensar sobre ela é simultaneamente avaliar questões relacionadas ao existir humano e suas implicações nas diversas áreas da humanidade, assim, a filosofia da religião traz à luz da reflexão, as discussões as quais influenciam na formação de uma identidade social, originária da dimensão religiosa, enquanto instituição e também da dimensão espiritual, haja vista que a espiritualidade é o pano de fundo da religião e também da busca pelo sentido da vida quando desassociada ao aspecto religioso.

Enfim, pensando na noção de afeto do filósofo Baruch Spinoza, em sua obra Ética, entendemos que o aspecto religioso afeta o corpo humano de muitas maneiras e proporciona o aumento ou diminuição da potência de agir. Desta maneira, a filosofia não poderia ignorar a respectiva esfera, logo de maneira justa e adequada, a filosofia da religião, com seu arcabouço de questionamentos vem contribuindo para fomentar análises críticas de temática com tamanha relevância para a humanidade.