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Lobotomia religiosa: quando a religião dessensibiliza o fiel

Lobotomia religiosa: quando a religião dessensibiliza o fiel

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O cérebro humano continua sendo um dos grandes desafios das ciências que se propõe a estudá-lo. A neurociência estuda sua parte física, as reações o estímulo e funcionamento. A psicologia se preocupa com a parte psíquica e os neurologistas estudam o sistema nervoso central, periférico, autônomo e somático.  Até mesmo a filosofia, indiretamente, cria conceitos que, necessariamente, estão ligados ao desempenho do cérebro nas suas variadas funções. Por se tratar de um órgão vital, as alterações no seu desempenho podem provocar mudanças significativas no comportamento humano, especialmente na cognição e comportamento que envolvem as emoções. Por isso, qualquer intervenção direta ou indireta no cérebro, pode alterar atitudes humanas frente aos desafios da vida.

O que é lobotomia?

A lobotomia, leucotomia ou cingulotomia, que quer dizer “cortar um lobo do cérebro, foi uma técnica cirúrgica desenvolvida em 1935 por António Egas Moniz e Almeida Lima. Moniz era neurologista português e Lima era cirurgião. A técnica consistia na retirada de um pedaço do cérebro, geralmente do lobo pré-frontal, que faz parte de um dos 6 lobos funcionais do córtex cerebral (frontal, parietal, occipital, temporal, insular e límbico). O lobo frontal é o responsável, dentre outras funções, pelo processamento da informação, funções motoras, de movimento e especialmente pelas tomadas de decisões que regulam as emoções. O objetivo da lobotomia era acabar com as doenças mentais, especialmente com a esquizofrenia, depressões profundas e pacientes suicidas ou elevado grau de violência, ou pelo menos torná-las mais brandas.

A cirurgia era feita com o auxílio de um instrumento chamado leucótomo, que ajudava a remover as fibras nervosas do cérebro. Para se alcançar o cérebro do paciente era feita uma perfuração atrás dos olhos, e tão logo o leucótomo alcançava o cérebro, o médico torcia-o, e com isso retira parte do tecido cerebral. A cirurgia não passava de 10 minutos. Um dos efeitos da lobotomia comprometia a personalidade do indivíduo, impedindo-o de exprimir seus sentimentos, tornando-o passível de ser facilmente influenciável.  Com o passar do tempo e a descoberta dos fármacos, a lobotomia foi entendida como mutilação mental, sendo abandonada.

Lobotomizando o fiel

A religião é uma das formas usadas pelo ser humano para lidar com o desconhecido. Definir religião não é tarefa fácil, pois ela não se limita a um aspecto apenas, mas envolve desde comportamento adquirido na infância até a transformação possível na maturidade, quando o indivíduo se volta para a prática de qualquer religião, mudando de forma radical seu comportamento frente as vicissitudes da vida. É o que pode ser entendido como conversão.

A tradição e cultura tentam traduzir de forma prática o que seja a religião. Através da prática religiosa o indivíduo busca o equilíbrio para sua vida, quando esta já começa a dar mostras de que lhe falta sentido para continuar existindo enquanto pessoal. Assim, a religião cumpre papel importante no que diz respeito ao equilíbrio entre o físico e o metafísico.

Por abranger diferentes aspectos que se relacionam com o comportamento humano, a religião consegue proporcionar momentos de profunda introspecção mental que viabilizam a manifestação de emoções que até então se encontravam eclipsadas por outros sentimentos que se interpunham entre a razão e a emoção. O problema se encontra quando a religião é usada para alienar o fiel e isso não se encontra de forma tão explícita, na maioria das vezes.

O indivíduo que tem suas defesas psicológicas baixa e corre o risco de se deixar diluir e iludir frente as ideologias religiosas existentes. Vulnerável, o fiel deixa de fazer uso da razão e permite que as emoções controlem todo o seu agir. Não trabalhoso observar que as diferentes religiões e principalmente a evangélica, faz uso de recursos que intensificam as emoções, permitindo assim que o fiel seja mais bem direcionado, sem que perceba, racionalmente, esse movimento.

É interessante observar que Paulo, dito apóstolo, chama a atenção para o “culto racional”. Essa perspectiva por vezes é ignorada por não poucos líderes religiosos, que se utilizam de diferentes recursos para que a condução do fiel não lhe cause grandes problemas, no que diz respeito ao questionamento de práticas que não podem ser associadas a vida religiosa. Infelizmente o que se observa é uma gama relevante de ministros religiosos que exploram a boa fé daqueles que desejam realmente ter uma vida equilibrada com o auxilia da religião. Como exemplo bem explícito pode-se observar os tele evangelistas com variadas técnicas de convencimento que deixam o fiel sem ação frente ao que lhes apresentado virtualmente.

Dentre as diferentes técnicas que dessensibilizam o fiel pode-se observar o uso da música. Oliver Sacks, professor de neurologia e psiquiatria na Universidade de Columbia, em seu livro Alucinações musicais, descreve o efeito da música em vários pacientes, e alguns associados ao efeito que a música religiosa tem sobre o fiel. A música é capaz de produzir alucinações que não percebidas pelos que a experimentam. O bisturi da melodia religiosa alcança níveis profundos na mente do fiel, permitindo que ele perca a razão e seja induzido emocionalmente a ações que são habilmente dirigidas pelos que conduzem os momentos de adoração e louvor. Essas ações permitem extrair do fiel, sem grande esforço, aquilo que o líder dirigente deseje.

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Qual seria o interesse em que o fiel perca sua capacidade racional e assim fique desprovido de defesa psicológica? Infelizmente aos líderes que buscam vantagem econômica com a exploração da fé. Tais líderes sabem do poder de convencimento que a música pode exercer. Não é raro observar que nos momentos de oferta, uma música antes, durante ou até mesmo depois, provoque certo tipo de emoção que não seria possível sem esse tipo de recurso.

Outra ferramenta utilizada para dessensibilizam do fiel são os sermões carregados de componentes emocionais fantásticos e fantasia ilusionistas que não se relacionam com a busca sincera daquele que crê fielmente. Ao devotar toda sua fé naquilo que o pregador esteja falando, o fiel sofre ou se permite manobras indutivas que de certa forma interferem na sua forma racional de viver. São discursos acalorados sempre acompanhado de fundo musical indutivo que emociona os ouvintes, deixando-os a mercê do pregador. Essa hipnose coletiva tem feito com que fiéis assumam posturas contrárias a razão e acreditem em fantasias que nada têm a ver com a fé que o tornaria melhor.

O resultado dessa lobotomia religiosa é o surgimento de uma faixa significativa de fiéis destituídos de juízo crítico e que se deixam levar por discursos irracionais repletos de componentes emocionais amplamente influenciadores nas atitudes cotidianas dos que se deixam influenciar. Fiéis que, afetados inconscientemente, corroboram atitudes contrárias à vida. Aceitam absurdos em nome da fé. Morrer ou matar já não se coadunam nem com o Antigo Testamento (não matarás), nem com o Novo Testamento, quando se lê: “não existe maior amor do que este: de alguém dar a própria vida por causa dos seus amigos” (João 15,13).

O fiel lobotomizado e, de certa forma, robotizado, é mais fácil de ser conduzido e responder aos interesses de líderes inescrupulosos que se apresentam como anjo de luz, mas que nas suas entranhas não passam de figuras acostumadas a viver em densas trevas.