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As Assembleias de Deus e o campo político no Maranhão: ensaios para as eleições municipais de 2020

As Assembleias de Deus e o campo político no Maranhão: ensaios para as eleições municipais de 2020

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Aproximações

Os últimos acontecimentos políticos no Brasil, apesar da pandemia do COVID-19, tiveram uma intensidade similar a um tsunami. Pensar que um governo não precisa de oposição, e que ele é suficiente para minar a si mesmo, parece ficção. Mas, no Brasil de todos os santos é a mais objetiva das realidades. E essa relação entre a política e os santos, principalmente os da vez, os pentecostais, será fundamental para definir os destinos políticos dos próximos quatro anos, como foi nas eleições de 2018.

Vamos relembrar os últimos acontecimentos em dois atos: a demissão do ministro da Saúde Mandetta, já esperada pelo meio político, mas recebida com incredulidade por grande parte da população, principalmente dos fanáticos eleitores do presidente Bolsonaro. O segundo ato foi a saída, a pedido e inesperada, tanto pelo segmento político quanto pelo restante da população, do “guardião da moralidade”, como foi adjetivado o ex-juiz Sérgio Moro, do Ministério da Justiça.

Diferente de Mandetta, Sérgio Moro, na coletiva de imprensa que anunciou as razões de sua saída, destravou o pino de segurança e saiu atirando forte e colocando em xeque as virtudes mais aplaudidas e exaltadas pelos eleitores do presidente: imparcialidade e honestidade. Junto a essas duas qualidades, um segmento muito específico, os pentecostais, também o apontam como o “escolhido de Deus” para livrar o Brasil das garras dos comunistas e da esquerda em geral. Percepção, que nas Assembleias de Deus, foi forjada desde a ditadura militar por meio dos editoriais e colunas do jornal o Mensageiro da Paz (COSTA, 2019).

No entanto, é possível que estes dois acontecimentos produzam uma debandada, ainda que silenciosa, e de um silêncio constrangedor, de muitos pentecostais. Logo após a coletiva do presidente, rodeado da maioria dos seus ministros, para responder às acusações feitas pelo ex-ministro da justiça, alguns pastores das Assembleias de Deus no Estado do Maranhão, e deve-se considerar que isso pode ter ocorrido em várias outras regiões e estados do país, passaram a publicar e manifestar ideias que sinalizam uma possível, e não tão distante, mudança de rumo. Vejamos:

Jesus é diferente de todos os políticos. Quanto mais nós conhecemos Ele mais o admiramos e amamos”.

“Os políticos, com raríssimas exceções, sempre nos decepcionam”.

“Um homem que casou 3 vezes é a pessoa que a igreja apoia, considerando o salvador da pátria, o defensor da família e da moralidade. O Brasil, hoje, está jogado nas mãos de uma pessoa que é doido, maluco e retardado”.

Claro que não podemos afirmar que esse tipo de posição reflete a totalidade da postura dos pentecostais brasileiros, embora, desde o início muitos membros desse segmento já rejeitavam Bolsonaro como o salvador da pátria. Mas, uma coisa é certa, um número maior começou a pensar que ele vai cair, vai sofrer um impeachment, e se isso vier de fato ocorrer, vão afirmar que ele fracassou na caminhada e Deus retirou sua mão e sua bênção sobre ele. Dificilmente um líder religioso de grande expressão que apoia o presidente Bolsonaro vai dizer que errou ao apoiar, mas que o erro foi do escolhido, que não se portou bem diante de Deus e deixou a soberba e a arrogância subir ao seu coração. Vão compará-lo a Saul, o primeiro rei de Israel, que foi rejeitado por deus e em seu lugar Davi foi colocado. Essa é uma justificativa clássica na defesa do sacerdote nas organizações religiosa do tipo igreja, ou seja, o erro será sempre do fiel, nunca de Deus ou do sacerdote (weber, 2009).

Por outro lado, deve-se considerar que a presença dos evangélicos, em particular os (neo) pentecostais nas órbitas do poder, principalmente do executivo federal, nunca foi tão forte como agora, e que a conquista cada vez maior de espaços no poder político parece constituir o maior de todos os projetos. Para isso é preciso aumentar o número de membros e ampliar as alianças dentro do campo religioso pentecostal, protestante ou não religioso. Se a cidade santa, na perspectiva do livro do Apocalipse e nos textos de Agostinho de Hipona já está construída, pronta, só aguardando seus cidadãos, o aqui e o agora exige, na cidade terrena, uma atitude guerreira e uma guerra na conquista de um campo, que na maior parte da história dos pentecostais no Brasil foi proibido, mais agora estimulado e desejado, o campo político.

Um entre muitos exemplos

Nesse sentido, aqui no Estado Maranhão, a perspectiva não é diferente do que ocorre a nível nacional. Há, inclusive, uma particularidade, o Estado é governado pelo Partido Comunista do Brasil – PC do B, que reelegeu Flávio Dino para o palácio dos Leões. No último pleito teve o apoio oficial das duas maiores convenções estaduais das Igrejas Assembleias de Deus (a Convenção Estadual das Assembleias de Deus no Maranhão-CEADEMA, com sede em São Luís e a Convenção dos Ministros das Igrejas Evangélicas Assembleia de Deus do SETA no Maranhão e em outros Estados da Federação-COMADESMA, com sede na cidade de Imperatriz). Na ocasião o presidente da COMADESMA, Pastor José Alves Cavalcante e a filha do presidente da CEADMA, Mical Damasceno foram eleitos ao parlamento estadual em coligações de apoio ao governador Flávio Dino.

Quando o assunto é chegar ao poder, as ideologias são colocadas de lado e o projeto comum entre a religião e a política partidária se fundem, compondo um amalgama que se projeta acima de qualquer outra questão. É fato conhecido, que depois de eleita a filha do presidente da CEADEMA, Pastor Aldir Damasceno, criticou a tomada de posição da senadora eleita e membro das Assembleias de Deus, Eliziane Gama por manifestar apoio e voto a favor do candidato do PT, Fernando Haddad, no segundo turno das eleições presidenciais que elegeu Jair Bolsonaro.

Aqui percebe-se que há um objetivo, tendo ele sido atingido, voltam-se para os velhos discursos e práticas.

O que isso representa? Os meios justificam os fins.

O aforismo que diz que ‘o vencedor leva tudo’ é uma realidade no universo pentecostal. O discurso de que se deve respeitar as autoridades não traz reservas (se é corrupta, espúria ou ditatorial, por exemplo).

Entrevistando um líder das ADs no Maranhão ouvimos o seguinte relato:

A postura da Assembleia de Deus, da qual eu sou pastor, eu sempre apoio a autoridade que está no comando, que eu baseio na Palavra de Deus em Romanos 13 que “toda autoridade é constituída por Deus”. Nós já temos aqui uma história, por exemplo, tivemos esses últimos anos o prefeito Ildon, nós estivemos com ele quando ele foi governo, depois veio o Jomar, nós estivemos com o Jomar todo o tempo do governo dele, quando voltou o Ildon nós estávamos com ele, agora está o Madeira e nós estamos com ele; era Roseana, passou José Reinaldo no governo do Estado, veio agora o doutor Jackson e veio a Roseana, nós estamos com a autoridade, nós não fazemos nenhum questionamento, nenhuma objeção a nenhuma autoridade. Como igreja estamos apoiando e cumprindo o que a Bíblia diz.

 VEJA TAMBÉM
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No entanto, há por trás desse não-questionamento a locupletação que o apoio pode oferecer, reproduzindo uma histórica relação de promiscuidade entre os agentes políticos e religiosos. No universo pentecostal brasileiro essa relação é recente, teve seu primeiro impulso significativo nas eleições de 1986 que elegeram os deputados constituintes. Na época as Assembleias de Deus elegeram 13 deputados constituintes, e de lá para cá, sempre estiveram, em maior ou menor grau, participação da política nacional.   Nas eleições de 2018, pelo massivo apoio ao candidato vencedor, viraram protagonistas da política nacional, além de ampliarem a participação nos estados e municípios.

A COMADESMA está presente na região Tocantina e em todo o sul do Maranhão, os números dessa instituição são impressionantes. São 309 igrejas sedes, mais de 2.200 templos, 850 pastores e 600 evangelistas, além de um número superior a 6000 diáconos e presbíteros. Diácono e presbíteros não são membros da convenção, mas, são postulantes, e nesse sentido, alinham suas ideias com as ideais da convenção. Esse conjunto, compõe a linha de frente dos trabalhos de celebrações, serviços e evangelização das igrejas. No atual contexto de luta pela conquista do campo político esse é um capital humano muito significativo, e pode, dependendo da força dos líderes, ser canalizado nos projetos políticos da instituição.

Com base nas pesquisas que fizemos, o presidente da COMADESMA, depois de eleito deputado estadual, filiou-se no Partido Democrático Brasileiro-PDT e passou a comandar, por meios de membros do ministério da igreja, os diretórios do partido na maioria dos munícipios de atuação da convenção. Em alguns deles, dialoga com a possibilidade de emplacar candidatos a vices na majoritária, e como moeda de troca, o apoio da igreja local e um partido onde a maioria absoluta dos pré-candidatos são membros das ADs e em outros, como na cidade de Imperatriz, todos os pré-candidatos são ligados a ela.

Qual é o objetivo então? Ampliar as bases para as eleições de 2022 e a possível eleição para a Câmara Federal. Além, claro, de negociar apoio mais substancial em relação aos candidatos ao governo do Estado. Nada de anormal nessa conduta, afinal esse é o movimento mais básico do campo político.

Perspectivas

Se compararmos a entrada das Assembleias de Deus no campo político em 1986, que mobilizou um projeto nacional, com o que ocorre na atualidade, é possível verificar que o interesse pelo campo político cresceu de forma exponencial, e que em muitos lugares, especialmente onde os principais líderes assumiram cargos eletivos, a sensação que se tem é que esse seja o maior e mais importante projeto da liderança institucional.

Nesse sentido, manter ou não o apoio ao presidente Bolsonaro vai depender muito da relação custo benefício, uma vez que a pauta moral nem sempre definiu ou determinou a força de um grupo político. Essa pauta é usada de acordo com a conveniência do momento. Foi usada nas eleições de 1986, nas eleições de 2018 e, talvez, não seja a maior bandeira das eleições de 2020 e muito menos na de 2022.


Referências

COSTA. Moab César Carvalho. O Aggiornamento do Pentecostalismo Brasileiro: as Assembleias de Deus e o processo de acomodação à sociedade de consumidores. São Paulo: Recriar, 2019.
COSTA. Moab César Carvalho. Religião e Política: o pentecostalismo, o Sínodo para a Amazônia e a política ambiental no Brasil. Revista Brasileira de História das Religiões, v. 13, n. 37, 2 abr. 2020. p.97-111.
WEBER, Marx. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. 4 ed. Brasileia: Editora UNB, 2009.