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18ª Edição Revista Senso

18ª Edição Revista Senso

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18ª Edição Revista Senso

Para alguns fiéis, há algumas décadas, o tema religião e política não deveria ser discutido. Um dos motivos seria porque um religioso não poderia fazer parte de uma esfera considerada “mundana”, ou, em outros termos, profana. Por dedução, o não-envolvimento de fiéis com a política torna inútil o debate. A partir da Constituinte de 1988, o segmento evangélico buscou orientar-se por projetos de ocupação do espaço público, trocando o discurso “crente não se mete em política” para “evangélico vota em evangélico”. Eis que a plataforma “profana” fora reinterpretada por muitos crentes e um avanço considerável na política tem marcado clivagens nas pesquisas sobre a temática, como: “confessionalização da política” (Pierucci), “publicização da religião” (Casanova), dentre outras. Para Casanova, há três dimensões que explicam o que é a “religião pública”: a) quando a religião é um aparato do Estado; b) quando a religião atua no sistema político; c) quando a religião se transforma em força mobilizadora na sociedade civil. Neste caso, a de seria uma espécie de despir-se da fachada eclesiástica a fim de demonstrar atuação democrática na sociedade.

Na verdade, mesmo com a separação da Igreja (Católica)/Estado (Constituição de 1891), a relação/influência manteve-se acesa. Por causa desse papel histórico do cristianismo (com um crescimento constante de evangélicos), já se pode afirmar uma dimensão pública da religião, nos termos de Casanova, ainda que num Estado laico. Tal dimensão foi interpretada por Paula Montero como uma espécie de religião “fora da igreja” e há décadas, estudos acerca da dinâmica social e da identidade cultural brasileira têm o cuidado de não isolar os dados e a importância dos movimentos produzidos na sociedade pela religião. Para Joanildo Burity, religião e política mostram-se inseparáveis e carecem cada vez mais de novos conceitos que ajudem a aprimorar a interpretação de tão complexa ligação.

Burity entende que a grande diversidade de falas que mobilizam temas acerca da sociedade (cultura, identidade) abre portas para o que chamou de “sensibilidade teórica”, traduzida na “atenção para com a subjetividade”, “discurso político”, “redimensionamento do projeto global para pequenas narrativas de emancipação”. Com isso, a sociedade é atravessada pela indeterminação, em que a identidade “não é algo que se tem, mas é o efeito precipitado (logo, instável) de atos de identificação que atestam uma falta insuperável no âmago do sujeito”, em que a pluralidade ajuda a constituir a dinâmica tanto coletiva quanto pessoal.

O Brasil tem seus registros sobre a interpretação de sua sociedade tão plural e complexa. Autores(as) que se propuseram a discutir a formação do Estado Nacional, buscando observar algumas perspectivas dicotômicas, tais como: poder público x poder privado, centralização x descentralização, corporativismo x populismo, evidenciaram características próprias no processo de sua construção e como se consolidaram durante o tempo. Já a interface religião e política tornou-se um campo de estudos crescente na América Latina (há que se considerar que a própria distinção entre política e religião, mundo e religião, trata-se de uma invenção moderna, conforme já sinalizaram Cavanaugh e Barbieri Jr., assim como a própria distinção entre espaço público e espaço privado [Senett]).

Pois bem, nesta edição da Revista Senso (Política, Religião e Sociedade), analisamos diferentes facetas de segmentos religiosos na sociedade brasileira. O Estado laico é desafiado a manter-se vivo diante do aprofundamento da confessionalização nos poderes. Textos desta edição demonstram a urgência de pensar como a religião tem seus meios e mecanismos para essas articulações.

O número, além de contemplar o comportamento de religiões de matriz africana, espiritismo, cristianismo, discute o impacto eleitoral e os possíveis desdobramentos da atuação de atores religiosos em diferentes cenários das eleições municipais de 2020. Diante do protagonismo da igreja evangélica na atual conjuntura, o(a) leitor(a) perceberá uma análise mais abrangente de sua participação na esfera pública. Portanto, o objetivo não é apresentar uma assimetria de forma desatenta, mas sim, percebendo a complexidade deste setor, analisá-lo e fornecer ferramentas teóricas/empíricas para auxiliar nossos(as) leitore(as) quanto à interpretação de um dos principais agentes na reconfiguração da sociedade brasileira: os evangélicos.

O exercício de escrever sobre determinado evento pretérito, que tenha uma clivagem muito bem delimitada, não tem os mesmos desafios de uma produção no calor do momento. A edição número 18 da Revista Senso, trata-se de uma organização que pretende interpretar o cenário político-religioso brasileiro, a partir de diferentes formações intelectuais, enquanto a história acontece. Não foram poucos(as) os(as) autores(as) que reescreveram seus textos, uma vez que outros e novos elementos surgiram (e ainda surgem) diante de suas análises. Possivelmente, os(as) leitores(as) atentos(as) encontrarão alguns fatos descritos que em breve serão ampliados por nossos(as) colaboradores(as) em outras produções. Contudo, esta edição contribui para o registro histórico daquilo que se refere o título. Quanto a isso, os(as) leitores(as) têm diante de si textos com qualidade crítica associados à pesquisas qualitativas e quantitativas cujo nível teórico-metodológico ajuda a atestá-los.

No mais, esperamos que cada leitor(a) dialogue com esta produção intelectual que também visa colaborar para uma sociedade em que o empobrecimento da linguagem, responsável em interditar o pensamento complexo, dê lugar a uma reflexão que valoriza a pesquisa, a ciência e a verdade – como fruto da realidade e não de adequações político-religiosas – neste país.