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As faces jovens da Teologia da Libertação: as pastorais da Juventude

As faces jovens da Teologia da Libertação: as pastorais da Juventude

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“Canta Latino América Jovem”: PJ e Teologia da Libertação

Em 2023, a Pastoral da Juventude PJ celebrará 50 anos das primeiras articulações nacionais 1Dentre as obras que abordam a história da PJ, temos O Trem da Boa nova da Juventude de Hilário Dick e Joaquim Andrade da Silva.. Olhando para a história, com a perspectiva do caminho jubilar (2019-2023) e da vivência dos grupos de jovens, vemos traços do que, na América Latina, se acostumou a chamar de Teologia da Libertação.

A PJ nasce herdeira da Ação Católica 2Uma importante organização do laicato que marca a história da Igreja no Brasil. Iniciada na década de 30 como Ação Católica Geral e no final dos anos 50 como Ação Católica Especializada uma presença da Igreja nas realidades especificas. No campo juvenil temos JAC (Juventude Agraria Católica), JEC (Juventude Estudantil Católica), JIC (juventude Independente Católica), JOC (Juventude Operária Católica) e JUC (Juventude Universitária Católica). Opções metodologias similares a estes grupos marcam o início e a trajetória da PJ., retomando elementos importantes desta, como a relação fé e vida, o método ver-julgar-agir e o protagonismo laical. Bebe, portanto, de uma experiência eclesial que é fruto e também força constitutiva de uma leitura teológica própria do chão latino americano.

Antes de ser texto e formulação teórica, a Teologia da Libertação é um jeito de pensar a fé. Por isso, alguns teólogos da libertação falam que a Teologia da Libertação é um ato segundo – um reflexo da práxis libertadora 3Michael Löwy em Guerra dos deuses afirma que a Teologia da Libertação é “reflexo de uma práxis anterior e reflexão sobre essa práxis”. Gustavo Gutiérrez em A Força Histórica dos Pobres, Segundo Galilea  em Teologia da Libertação: Ensaio de síntese e Pablo Richard em Força Ética e Espiritual da Teologia da Libertação, a chamaram de ato segundo.. Dessa forma, falar da face da Teologia da Libertação, em meio aos jovens, é abordar opções, propostas, iniciática, práticas e militâncias que estão presentes – também e em grande medida – na caminhada da PJ.

E, assim, a própria PJ se reconhece, quando se intitula filha da Teologia da Libertação em seu documento de referência intitulado Somos Igreja Jovem, ao falar de sua missão e mística. O faz num amadurecimento histórico em perceber que sua organização sempre abraçou as reflexões feitas a partir do modo como se pensava a fé no chão de um continente que – ele próprio – fez opção preferencial pelas juventudes empobrecidas e marginalizadas (Conferência de Puebla, 1979).

“Irá chegar”: gritos e práticas por libertação

Embora poucos sejam os(as) jovens teólogos(as) reconhecidos(as) ou conhecidos(as), o que também desponta como necessária crítica, muito do que se pode chamar de práxis libertadora nasceu no seio da organização juvenil. Esses sinais são notadamente próprios do modo de se pensar a Teologia da Libertação: a vinculação da fé e da vida, com olhar místico encarnado e em sintonia com o chão da história, com vistas à libertação plena de todos e todas.

Essa vivência levou as Pastorais da Juventude (Pastoral da Juventude Rural, Pastoral da Juventude do Meio Popular, Pastoral da Juventude Estudantil e Pastoral da Juventude) a lançarem, em novembro de 2009, na cidade de Ipatinga/MG, a Campanha Nacional Contra a Violência e Extermínio de Jovens, durante o Encontro Nacional do Movimento de Fé e Política. A experiência partia de um olhar tácito para a realidade: morrem, no Brasil, milhares de jovens negros todos os anos. Pastorais acostumadas a serem chamadas à ação, mediante uma leitura libertadora da Palavra, não podiam acomodar-se diante de tão alarmante cenário. Mesmo com o encerramento da Campanha, em maio de 2015, o grito, as cirandas, os estudos e ações permanecem vivos. “Chega de Violência e Extermínio de Jovens!” – grito jamais calado, desde então.

O grito por libertação também ecoou pela voz, especialmente, das mulheres pejoteiras. Em 2017, na Ampliada Nacional da PJ, realizada no Crato/CE, nasceu a Campanha Nacional de Enfrentamento aos Ciclos de Violência Contra a Mulher. O movimento, ratificado na Ampliada de Erexim/RS, realizada neste ano, grita por libertação: liberdade às mulheres tão violentadas e silenciadas pela machista estrutura social. Mulheres ainda escanteadas na Igreja e que, por meio de uma leitura teológica feminista, busca uma proposta de mudança das estruturas institucionais e relacionais.

A prática, que constitui novas teologias, mas também é constituída por elas, nasce de uma novidade teológica proposta em Crato: as Galileias Juvenis. A Teologia da Libertação, em sua proposta de olhar a partir do chão dos(as) pobres, leva a PJ a pensar as diversas realidades juvenis sob a ótica do chão bíblico originário de Jesus de Nazaré. A mesma Galileia, explorada pelo poder político e usurpada pelo religioso, são as Galileias de tantas realidades juvenis que explodem na sociedade pós-moderna. A realidade do(a) jovem negro(a) é diferente da realidade do(a) jovem indígena. Por outro lado, há Galileias existenciais, como a realidade do suicídio, tão presente, infelizmente, no Brasil. Assim como foram refletidas as realidades da juventude encarcerada, dos jovens de comunidades tradicionais e de tantas periferias próprias da diversidade do país.

Nessa perspectiva, a Galileia das mulheres gritou por uma ação concreta. Uma posição teológica e eclesial ousada e crítica, como sempre foi a Teologia periférica da Libertação. Olhar inspirado, é verdade, pela ascensão hierárquica de um Papa que veio do nosso chão latino e, de modo surpreendente, ecoou leituras muito próximas à teologia tão condenada pela ala europeia, majoritária na colonização do pensamento e da prática cristã.

A “Igreja em Saída” e “pobre e para os pobres” dialoga com a Igreja que a PJ se acostumou a ser: protagonista, com olhar para a realidade e com espiritualidade madura e comprometida com os(as) esquecidos(as) e excluídos(as). Embora sufocada pelas estruturas, distante das opções hierárquicas e perseguidas em várias dioceses, a PJ encontrou, em Francisco, amparo para seu pensar teológico.

Alvorecem, portanto, flores de esperança. O terreno pedregoso da realidade social é salpicado de uma chuva de poesia teológica capaz de fazer brotar e encharcar corações de coragem profética. A Teologia Libertação, também carente de atualização, pode e deve beber das vozes juvenis, prontas a pensar e repensar, com novas linguagens, o eco discursivo proposto por Jesus de Nazaré – um jovem também.

Por isso, olhar o horizonte é necessário. Seja na academia ou no chão do grupo de jovens, ecos de libertação atualizam um modo de pensar Teologia que bebe da grande Galileia Latina. A PJ e as pastorais da juventude específicas abrem-se, constantemente, ao diálogo que rompe muros. Essa talvez seja uma das grandes novidades desse atualizar-se vivo do pensar teológico. Mais do que um ecumenismo encerrado em dogmática, a Teologia da PJ propõe um diálogo inter-religioso tendo o amor como princípio ético. Mais do que gritar contras as velhas estruturas do capital, que aprisionam, social e espiritualmente, a PJ bebe da tradição dos povos tradicionais e revisita a cultura do Bem Viver. Atenta aos chamados dos tempos, as juventudes bebem da Mística de Assis 4Nesta perspectiva, estamos atentos à convocação e realização do Encontro “Economy of Francesco”, programado para março, em Assis, na Itália. Jovens da PJ estarão presentes, junto de jovens de todo o mundo, pensando novos modos de economia, que combatam desigualdades, garantam o respeito à ecologia e repensem as formas de consumo.. Esperanças pintadas no horizonte.

“O Rosto de Deus é jovem também”: sonhos que não acabam

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Hoje, como nas décadas anteriores, a prática que se dá nas bases aponta para a realidade de exclusão/opressão vivida por tantas pessoas. Por outro lado, vivenciamos desafios imensos na realidade eclesial e social: o crescimento de outras perspectivas teológicas mais conservadoras e distantes da realidade social; o enfraquecimento das pastorais e movimentos ligados à Teologia da Libertação; um cenário político autoritário e de avanço das políticas neoliberais, que desrespeitam a autonomia das nações latino-americanas.

Urge, portanto, que o fazer teológico responda a esses desafios sem, contudo, perder o dinamismo estratégico da prática pastoral. É preciso ouvir as juventudes sob o risco de que discursos envelhecidos continuem servindo às ondas de desesperança.

Algumas chaves estão dadas: o magistério de Francisco; os escritos recentes da Pastoral da Juventude e suas campanhas; as pontes pastorais realizadas com outros movimentos de mesma inspiração; as oportunidades prático-pastorais, como o encontro “Economy of Francesco” e o Pacto Global para a Educação. Aos jovens, conscientes do seguimento a Jesus Nazaré, resta a coragem de revolucionar um novo tempo do pensar/fazer/inspirar teologia. Ideias que não suplantem o que nos fez chegar até aqui, mas que permitam o ar fresco dos novos tempos de conectividade, rapidez e de novas formas de dominação.

Há Esperança! Que ela siga guiando os sonhos de libertação.


Referências

DICK, Hilário. Mínimo do mínimo para anunciar uma boa-nova à juventude. Caderno ciência e fé. V. 1. N. 3. Curitiba: Champagnat, 2013.
____________; SOUZA, Hildete Emanuele Nogueira de; SILVA, Joaquim Alberto Andrade. No trem da Boa Nova da juventude. Brasília, [s.n.], 2014.
SILVA Joaquim Alberto Andrade, VIEIRA, Luís Duarte e SILVA, Roberta Agustinho (Orgs.). Somos Igreja Jovem: Pastoral da Juventude um jeito de ser e fazer. São Paulo: FTD, 2012.
CELAM. A Evangelização no presente e no futuro da América Latina: III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano (Documento de Puebla). 3 ed. Petrópolis: Vozes, 1980.
GALILEA, Segundo. Teologia da Libertação: ensaio de síntese. São Paulo: Paulinas, 1978.
GUTIÉRREZ, Gustavo. A Força Histórica dos Pobres. Petrópolis: Vozes, 1981.
RICHARD, Pablo. Força ética e espiritual da Teologia da Libertação: no contexto atual da globalização. São Paulo: Paulinas, 2006.


Notas

  • 1
    Dentre as obras que abordam a história da PJ, temos O Trem da Boa nova da Juventude de Hilário Dick e Joaquim Andrade da Silva.
  • 2
    Uma importante organização do laicato que marca a história da Igreja no Brasil. Iniciada na década de 30 como Ação Católica Geral e no final dos anos 50 como Ação Católica Especializada uma presença da Igreja nas realidades especificas. No campo juvenil temos JAC (Juventude Agraria Católica), JEC (Juventude Estudantil Católica), JIC (juventude Independente Católica), JOC (Juventude Operária Católica) e JUC (Juventude Universitária Católica). Opções metodologias similares a estes grupos marcam o início e a trajetória da PJ.
  • 3
    Michael Löwy em Guerra dos deuses afirma que a Teologia da Libertação é “reflexo de uma práxis anterior e reflexão sobre essa práxis”. Gustavo Gutiérrez em A Força Histórica dos Pobres, Segundo Galilea  em Teologia da Libertação: Ensaio de síntese e Pablo Richard em Força Ética e Espiritual da Teologia da Libertação, a chamaram de ato segundo.
  • 4
    Nesta perspectiva, estamos atentos à convocação e realização do Encontro “Economy of Francesco”, programado para março, em Assis, na Itália. Jovens da PJ estarão presentes, junto de jovens de todo o mundo, pensando novos modos de economia, que combatam desigualdades, garantam o respeito à ecologia e repensem as formas de consumo.