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Contribuições das Religiões de Matriz Africana para uma Psicologia Afrocentrada

Contribuições das Religiões de Matriz Africana para uma Psicologia Afrocentrada

© Fora do Eixo

A junção das palavras racismo e religioso, ao pensarmos na realidade brasileira, se torna problemática e ao mesmo tempo absurda, tendo em vista que a população negra no Brasil alcança a marca de 54%. Dessas pessoas foi tomado tudo, até mesmo o direito de manifestarem sua fé.

A colonização fez com que a população negra, chegando ao Brasil, não pudesse exercer ou manifestar sua religiosidade ou espiritualidade, sendo obrigada a aceitar um Deus que desconheciam, perdendo seus laços familiares e culturais. É possível intuir que essa negação causou ao povo negro um sentimento de vazio, aniquilamento e não pertencimento. Todo esse processo culminou, evidentemente, num sofrimento psíquico que reverbera até os nossos dias.

© Fora do Eixo
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O que teria a Psicologia a contribuir para refletir sobre esse processo de apagamento? Como pensar em uma Psicologia afrocentrada que consiga dialogar e compreender um sofrimento que é especifico da população negra quando ela se constrói em cima dos estudos e de cosmovisões eurocêntricas? Como traduzir a depressão para o banzo? Como pensar um sofrimento que é coletivo? Como a religiosidade influencia na construção da subjetividade do sujeito negro que carrega um passado de humilhações e submissão?

Como reação à submissão, solidão e sofrimento do povo negro surge o Candomblé — em suas mais variadas formas. Essa matriz religiosa circunscreveu um espaço onde aqueles sujeitos negros podiam recriar laços culturais e familiares, manifestando assim entre os seus a sua fé. Essa lógica se alinha ao que anuncia bell hooks: “é preciso pensar o amor como uma prática de liberdade”.

As religiões de matrizes africanas se tornam espaços onde as mães encontram em outros filhos sem mães os seus próprios filhos. Esses encontros traduzem os efeitos terapêuticos da religiosidade e do desejo afrocentrado por mudanças.

Podemos pensar, então, o Candomblé como um espaço de resistência, cuidado, amor e fé. Se o trabalho da Psicologia se baseia no bem estar psíquico do ser humano é sua responsabilidade adentrar no conhecimento das religiões de matrizes africanas para compreender como essas cosmovisões colaboram para a organização mental da população negra, se livrando das amarras fundamentalistas e hegemônicas que prendem o país, em nome da construção de uma Psicologia antirracista e afrocentrada. Nesse sentido, não podemos nos esquecer do papel social que a Psicologia ocupa e, mais, como ela pode colaborar nas desconstruções de preconceitos e discriminações que assolam as religiões de matrizes africanas e as tornam um alvo, no Brasil.

O processo de colonização do cristianismo, e hoje da evangelização, faz com que muitos esqueçam a história de que pessoas negras que não aceitassem ou que não abrissem mão de tudo o que acreditavam eram veemente castigadas, se não isoladas ou mortas; e que o surgimento do Candomblé e da Umbanda vieram como um acalento para garantir a sobrevivência de um povo  que morria do banzo e que trazia a memória de ter sido arrancado de sua terra para ser escravizado e violado das formas mais bárbaras possíveis.

Na manifestação da fé também está o reencontro com a ancestralidade, com a autoestima, com a memória, com o autocuidado que são primordiais para saúde mental do sujeito. A religiosidade tudo tem a ver com amor,  e sobre essa relação recordamos bell hooks: “Enquanto nos recusarmos a abordar o amor nas lutas por libertação, não seremos capazes de criar uma cultura de conversão na qual haja um coletivo afastando-se de uma ética de dominação”, seja ela religiosa ou não.