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Entre idas e vindas: o pós-morte nas religiões

Entre idas e vindas: o pós-morte nas religiões

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No início era assim

A vida após a morte representa um dos maiores enigmas da humanidade. Mesmo com o avanço tecnológico, ainda não há respostas científicas, ou seja, comprovadas sistematicamente, para os mistérios que circundam a existência humana após a morte corpórea. Enquanto que as religiões apresentam, em seus dogmas e crenças, maneiras diferenciadas de respostas para tal questão. O culto à vida após morte está ligado aos primeiros indícios de práticas religiosas do homem. Ainda na pré-história há vestígios que indicam a preocupação com a morte.

Segundo Karina Bezerra, em seu artigo “História geral das religiões”, o indício mais antigo de prática relacionada à religião do homem e mulher pré-históricos, é o sepultamento, que está ligado às fontes históricas mais remotas e numerosas desse período, que são as ossadas. A prática da inumação revela uma preocupação com a vida após a morte.

A vida após morte ocupa ainda hoje um espaço de destaque em diversas tradições religiosas, que interpretam esse acontecimento não somente como um rito de passagem, mas também como um eixo central ao qual estaríamos hábeis a passar para atingirmos um nível maior de compreensão da realidade espiritual e metafísica (transcendental) que nos é destinada.

Em sua pesquisa de mestrado em educação na Universidade Federal do Pará, o professor Rodrigo Oliveira dos Santos, menciona que a morte talvez seja a maior perda do homem, a mais certa dentre elas, a mais comum nos dias de hoje e a mais rejeitada também, implicando no sofrimento ainda maior, ao acharmos ou pensarmos que sempre será o outro que morre. Portanto, a consciência da morte em nossa existência, ou o desprendimento de nosso corpo físico, sempre esteve presente, desde os tempos longínquos do paleolítico/neolítico até a atualidade. Para muitos, a ideia da morte não representa relevância, não deve ser levada a sério, sendo a vida algo mais importante; mas se pensarmos por outro lado, para aqueles que perdem um amigo ou ente querido, a morte representa tudo, pois os individualiza, situa-os no mundo, agrega-lhes valor e sentido, representando uma perda, uma ruptura com a tão desejada vida.

 Concepções da morte nas religiões

Tendo em vista que a morte é uma questão pertinente na história da humanidade e de sua relação com o surgimento do pensamento religioso, vamos procurar entender sobre como algumas das maiores e mais difundidas religiões do mundo lidam com esse assunto. Para tal explicação serão utilizados alguns exemplos de práticas de como essas religiões abordam a morte; o sepultamento; a concepção de vida após morte e ressurreição.

O renascimento dos mortos, ou a ideia de ressurreição, que significa literalmente “levantar, erguer”, marca definitivamente uma crença acerca da vida após a morte. Esta concepção é considerada como base de uma das religiões mais disseminadas no ocidente; o cristianismo, na qual Jesus, segundo os textos bíblicos, ressuscitou pessoas e ressurgiu dos mortos. Vale lembrar que a ideia de ressurreição é diferente da de reencarnação, pois implica que a pessoa regressa à vida como a mesma, enquanto que na segunda opção, a pessoa retorna com outra vida e corpo físico. O sepultamento cristão tende ser composto por um prolongado ritual de velamento do corpo, seguido por homenagens e despedidas dos familiares e amigos. Para os cristãos a vida é eterna, se estendendo, portanto, após a morte.

No judaísmo, a morte é encarada como algo natural e não trágico, os judeus compreendem que a alma sobrevive mesmo com a morte corpórea; o ritual fúnebre deve ser simples e rápido seguindo um padrão: o caixão deve ser de madeira, forrado com um pano preto, estampando a estrela de Davi. Devem ser iguais para remeter que a morte iguala todos.

Na religião do Islã ou islamismo, os muçulmanos creem e defendem que como o nascimento, a morte também está nas mãos de Deus; seu rito fúnebre se dá pela lavagem do cadáver de três a cinco vezes, começando pelo lado direito, para devolver pureza à alma. Esta prática é feita por parentes e familiares do mesmo sexo do falecido. O corpo é perfumado com cânfora e coberto por um sudário (lençol, mortalha) branco.

Dentro do hinduísmo, é predominante a concepção de reencarnação, importante para sanar o Karma, que consiste na ideia de que a vida na terra é parte de um ciclo de nascimento, morte e renascimento, para aperfeiçoamento e evolução espiritual. Para tal efeito, a alma volta várias vezes (quantas forem necessárias) à vida até se libertar deste ciclo. Quando alguém falece, iniciam-se rituais para desprender a alma do corpo, que geralmente é cremado, para que ela encontre nova casa – um corpo humano ou de animal, de acordo com o comportamento na vida anterior – causa e efeito.  O corpo do falecido é posicionado com a cabeça virada para o sul, é lavado, untado com pasta de sândalo e vestido com boas roupas.

A morte não é compreendida como um evento isolado no budismo, mas sim tida como uma mudança de ciclo, ela é uma realidade natural. Portanto os budistas encaram a morte como algo a ser aceito. Em seu ritual fúnebre o budista tem o rosto coberto com um pano branco, e incensos são acesos à sua volta.

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Para as religiões afro-brasileiras, como a umbanda, por exemplo, a morte corpórea não significa o fim da vida. É tida apenas como o fim de um ciclo, ou seja, passagem encarnatória . Após a morte física do homem, segundo a crença predominante nesta tradição, este será encaminhado para uma esfera espiritual condizente com seus atos e vibração emocional acumuladas durante a passagem no corpo físico.

O funeral umbandista é dividido em partes; na primeira ocorre a purificação do corpo e do espírito, que ocorre somente com a presença do sacerdote,  na segunda é feita a cerimônia social para encomenda do espírito, realizada no velório e no túmulo.

Como é notória a relação vida e morte,  a crença na vida após a morte se faz presente nas mais variadas tradições religiosas, sociedades e períodos históricos da humanidade,.


Referências

BEZERRA, Karina. História geral das religiões. Observatório Transdisciplinar das Religiões no Recife. Recife, set. 2011. Acesso em: 18/08/2019.
KOVÁCS, Maria Júlia. Educação para a morte: temas e reflexões. Casa do Psicólogo. São Paulo, 2004.
SANTOS, Rodrigo Oliveira dos. As abordagens da morte no currículo de formação inicial de professores de ensino religioso no Pará. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Educação. Instituto de Ciências da Educação. Belém: UFPA, 2014.