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Educação para a morte: a contribuição do ensino religioso

Educação para a morte: a contribuição do ensino religioso

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Noel Feans

A educação e a escola brasileira recebem pela primeira vez para a Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), nas suas diversas modalidades e especificidades a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada em 2017.

A BNCC é um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE).

Nesse documento, o Ensino Religioso integra a V área de conhecimento, organizado a partir da sua ciência de referência, a Ciência da Religião, para o estudo sobre religiões nas escolas públicas.

Esse estudo está organizado na BNCC em três unidades temáticas, a saber: identidades e alteridades; manifestações religiosas e crenças religiosas e filosofias de vida.

Cada unidade temática reúne vários aspectos do estudo sobre religiões, como os mitos, ritos, símbolos, textos escritos e orais, crenças, entre outros que podem ser observados e comparados nos agrupamentos humanos durante a sua vida e morte.

Dessa forma, as religiões possuem formas semelhantes e diferentes sobre a organização da vida, mas quando se trata da morte, para grande parte delas, a vida continua, ou seja, a morte física/material/biológica não representa o final da vida.

Essas crenças sobre o pós-morte, adquiriram uma importância tão grande nas religiões que passaram a organizar a vida das pessoas de diversas maneiras, desde o seu nascimento até a sua morte, essas crenças foram sendo naturalizadas dentro dos agrupamentos humanos, a ponto de sequer se darem conta dessas determinações e influências, quando partilhadas.

As origens dessas crenças estão relacionadas em grande parte a esse evento, pois a morte sempre pode ser vista como uma grande impulsionadora das religiões, ao estabeleceram elaborações sobre o final da vida física, por exemplo, para amenizar esse sofrimento diante da perda de um ente querido a religião oferece todo suporte para uma dor tão grande vivenciada pela pessoa, trazendo-lhe conforto, segurança e até mesmo a aceitação, dependendo da situação que provocou aquela perda.

Esse aspecto que integra grande parte das religiões também cumpre um papel fundamental para sua própria manutenção e pode ser observado como um tema central e nuclear para as mesmas. A morte não é um problema para religiões. É algo esperado e tratado durante toda a vida. É ela que motiva e incentiva as pessoas a serem melhores. É ela que provoca medo e terror, para aqueles que não se sentem a vontade para melhorar. É ela que liberta. É companheira, presente e persistente. Enfim, é ela que organiza a vida das pessoas nas religiões.

E para aqueles que não possuem religião? A morte não atinge, influencia ou impõe algo? Com certeza sim! De forma diferente, mas com anseios e dúvidas que podem ser bem semelhantes, mas é importante conhecer essas formas, pois assim como nas religiões, os que não se orientam por crenças religiosas têm outras crenças que precisam ser estudadas.

Nesse sentido, o Ensino Religioso oferece sua contribuição como componente curricular para o estudo desse fato humano do qual ninguém pode/poderá escapar, desenvolvendo competências e habilidades nos alunos para que os mesmos saibam lidar com esse processo que faz parte do desenvolvimento humano.

A cada momento espalham-se mais notícias de que a morte ganha um lugar mais notável nas escolas, aquele lugar advindo da violência, provocado pelas ausências e negligências dos sistemas e organizações humanas, o que não deixa de ser também uma responsabilidade de cada pessoa, pois o direito fundamental à vida está cada vez mais abreviado, ameaçado e escamoteado. Em alguns momentos as religiões também falham quanto a esse aspecto.

Diante disso, o Ensino Religioso tem a sua parcela de contribuição para uma educação para a morte, deixando claro, como alguns exemplos acima, que há uma lógica interna no desenvolvimento das religiões que impulsionam as pessoas para serem melhores. A morte, em muitas delas vai cobrar, enquanto em outras pode possibilitar outra vida, mediada pela anterior, dando outra chance para ser melhor. O fato é que de uma forma ou de outra as religiões dispensam essas ideias orientadoras para a vida das pessoas.

Entre os que não se identificam com as crenças religiosas esse fato também não lhes é negado. Isso não significa dizer que os mesmos não enfrentam ou sofrem com a perda de um ente querido, pelo contrário, entre eles é bem comum o incentivo de se aproveitar da melhor maneira possível cada momento e oportunidade como se esse fosse o último, pois após a morte não existe nada. Logo, esse tempo que lhes é dado, os mesmos procuram vivê-lo de forma intensa.

Esses temas e conteúdos aparecem de forma explícita ou não em todo currículo do Ensino Fundamental do Ensino Religioso na BNCC, a exemplo: ritos de morte (4º ano); mitos de morte (5º ano); concepções de pós-morte (8º ano); concepções de vida e morte nas religiões e para os sem-religião, ritos fúnebres, (9º ano).

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Diante disso, o Ensino Religioso, com base na Ciência da Religião, apresenta condições e resultados positivos para essa abordagem na escola, observando, comparando e analisando como cada religião lida com esse fato inadiável na vida humana, não o negando como vem sendo feito em vários espaços institucionais do Estado brasileiro.

A escola, como um espaço privilegiado de sociabilidade e aprendizado humano não pode mais adiar essa discussão e inclusão dessa temática na sua agenda pedagógica, pois a morte, o luto e o suicídio estão presentes nesse espaço, fora as situações de perdas, ausências, vínculos, apegos, entre outros ameaçados ou que ameaçam direito dos alunos podem acarretar ainda mais situações de morte.

O Ensino Religioso não pode ser mais visto como um veículo que transporta uma crença, sentido existencial ou o encontro com o religioso. Ele é um componente curricular, assim como os demais, que se debruçam sobre seus objetos de estudo viabilizando conhecimentos sobre os mesmos e não para os mesmos, com a finalidade pedagógica de desenvolver competências e habilidades que lhes sejam úteis e aplicáveis na sua realidade da qual a crença ou a não crença possa fazer parte.

Esse aspecto é de suma importância, pois esse estudo assume segundo a sua própria área de referência o estudo sobre religiões a partir de uma perspectiva de fora, ou seja, externa ao discurso e universo religioso, o que por consequência impede qualquer discurso ou interpretação equivocada, fundamentalista e apologética de qualquer referência religiosa ou não religiosa, como ainda se pode observar com frequência.

Nesse sentido, o Ensino Religioso pode contribuir de forma efetiva para uma educação para morte, viabilizando recursos e instrumentos científicos que forneçam condições de observar e comparar como as religiões se fazem presentes ou não na vida das pessoas.


Referências

BRASIL. ________. Parecer CNE/CP nº 15/2017. Anexo: base nacional curricular comum: base é base. Brasília: MEC, 2017. Parecer homologado pela Portaria nº 1.570, publicada no D.O.U., de 21/12/2017, Seção 1, p. 146.
KOVÁCS, M. J. Educação para a morte: temas e reflexões. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
SANTOS, R. O. As abordagens da morte no currículo de formação inicial de professores de ensino religioso no Pará. Dissertação (Mestrado). Belém: UFPA/ICED/PPGED: 2014