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Sínodo para a Amazônia: compromisso pastoral nas fronteiras do mundo.

Sínodo para a Amazônia: compromisso pastoral nas fronteiras do mundo.

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Quando o Papa Francisco convocou a Assembleia Especial do Sínodo dos Bispos para a Amazônia, em outubro de 2017, ele fincava outra vez suas opções teológico-pastorais: uma Igreja comprometida com a vida dos marginalizados, subjugados, violentados, subalternizados, desterritorializados, aniquilados. Uma Igreja em saída, que revisita o sentido evangelizador a partir da vida do povo e não das estruturas de autopreservação, conforme apresentou na Exortação Evangelli Gaudium. Uma Igreja que reconhece, escuta e se compromete com as periferias geográficas e existenciais do mundo. A Amazônia é um lugar privilegiado que revela os clamores, mas também as experiências que fazem a vida ser mais potente nas fronteiras do mundo.

O Sínodo é um encontro de bispos da Igreja Católica Apostólica Romana (com convidados leigos, leigas e de outras igrejas) para refletir temas específicos, e sempre se espera que as reflexões de todo o processo resultem em orientações pastorais para toda a Igreja. Importa recordar, ainda, que a Amazônia é um território sagrado para outros 08 países da América do Sul (Bolívia, Colômbia, Ecuador, Guiana, Guiana Francesa, Suriname, Peru e Venezuela) e a esse conjunto chama-se Pan-Amazônia. O Sínodo é um tempo-espaço para refletir sobre os caminhos para a Igreja e para a Ecologia Integral junto com toda a Pan-Amazônia.

A Assembleia especial para a Amazônia acontece num momento em que a as condições socioambientais, políticas e econômicas na região acirram narrativas em arenas nacionais e internacionais. O Sínodo está inserido num contexto em que o Estado e as corporações econômicas avançam com as políticas de morte sobre a Amazônia, articulando forças que violentam a floresta e os povos, vestidas com o manto do desenvolvimento (para a sociedade urbana-industrial) acusando os sujeitos amazônicos de atrasados, não-civilizados, parados no tempo.

Não são povos parados no tempo. Não são territórios estancados no tempo. Rios, florestas, bichos e povos se recriam, se reproduzem, se multiplicam. Potentes, resilientes, teimosos. Não no tempo cartesiano, cronometrado, controlado, mas na latência do cuidado, do respeito, do aprendizado, da memória, da fé. Compreender os tempos da Amazônia para quem está imerso na lógica do imediato não é uma travessia tranquila. Conceber a Amazônia com suas formas de ser e viver diversas é um insulto para os que querem homogeneizar os territórios, gerar lucros e subalternizar populações e ambientes.

Ao fazer a escolha corajosa de refletir sobre a Ecologia Integral e o cuidado com a Amazônia, o Papa Francisco demarca outra vez sua opção pastoral: as periferias, os descartados, os que estão às margens. A Amazônia é uma fronteira porque confronta-nos com paradoxos, desafios, limites, superações, resistências. Mas é também a fronteira do agronegócio que conflita com as terras indígenas, das mineradoras que encurralam as águas, a terra e os povos, da extração ilegal de madeiras que derruba árvores e gente, sem nenhum temor. Nesse sentido, como sublinhou José de Souza Martins (2009) “a fronteira tem um caráter litúrgico e sacrificial, porque nela o outro é degradado para, desse modo, visibilizar a existência de quem o domina, subjuga e explora”.

O Sínodo para a Amazônia lança possibilidades de maior compromisso com as vidas ameaçadas e destruídas nas fronteiras. Por isso, o processo sinodal desinstala, desconstrói, provoca os diferentes atores, de perto e de longe das fronteiras amazônicas. Instaura dissensos narrativos e práticos dentro e fora da Igreja Católica. Justamente porque assumir a defesa da vida dos povos e da floresta implica em questionar o que historicamente incorporamos como civilizado, desenvolvido, verdadeiro. Implica, pois, ressignificar nossas formas de vida pessoal e coletiva, descolonizar inclusive práticas pastorais violentas, anacrônicas e lineares.

É nas fronteiras e é, agora, com a Amazônia, que poderemos incorporar outras sensibilidades ao correr da vida. Escutar e aprender com os povos explorados e sacrificados, para que de seus clamores e lutas a esperança se faça resistência, organização, solidariedade. O Sínodo já é uma oportunidade extraordinária para a Igreja Católica, mas será ainda mais se se permitir ser profética, missionária e samaritana no diálogo, respeito e aprendizados com as espiritualidades, religiões e culturas amazônicas.


Referências 

MARTINS, José de Souza. Fronteira: a degradação do Outro nos confins do humano. São Paulo: Ed. Contexto, 2009.
PAPA FRANCISCO. Evangelli Gaudium. 2013. Disponível em: <w2.vatican.va>. Acesso em 25/08/2019