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Sobre o Amor e a Violência: Um Olhar do Budismo

Sobre o Amor e a Violência: Um Olhar do Budismo

© Guilherme Romano

Sentir raiva é natural. É próprio do ser humano. Assim como é natural sentir fome, como é natural ter desejos sexuais. Faz parte daquilo que somos. Não tem como julgarmos isso como pecado. Mesmo assim, a natureza humana não pode e não justifica as ações raivosas. As ações raivosas são frutos de permissões equivocadas. Se respirarmos fundo e nos lembrarmos de quem somos e de quem queremos ser, acabamos conseguindo controlar a raiva, toda ela ou boa parte. E, mesmo assim, erramos, e de vez em quando agimos a partir da raiva que arde em nossas almas. Não era pra sermos perfeitos, era? Aliás, esse discurso de perfeição a todo custo não é nem saudável. Somos bombardeados por tutoriais de vida, como se nossa vida não fosse boa o suficiente assim, do jeitinho que é. E as redes sociais nos enchem de figurões pouco razoáveis que parecem ser somelier de felicidade. Não é bem assim.

Da mesma forma que sentimos compaixão e amor, também sentimos raiva, ira, nojo, desejo de vingança. E o primeiro e maior ensinamento do Buda Shakiamuni é que tudo é impermanente. Tudo passa. E passa, não é mesmo? Somos nós que nos apegamos às coisas e queremos mantê-las fixas em nossas vidas. Inclusive os sentimentos ruins, o ódio, o rancor, a raiva. Esses sentimentos são venenos que fazemos questão de tomar diariamente, mas que não nos trazem bem algum. E já sabemos isso. Só nos falta querer que seja diferente. Essa parte é fácil.

O difícil de verdade é assistir ao noticiário. É ver todas as insanas atrocidades que insistem em acontecer no nosso mundo. É tanta violência que mal sabemos por onde começar a limpeza a descontaminação. Mas podemos, sim, descontaminar. Basta ter paciência, persistência e uma boa dose de boa vontade.

Um de nossos erros principais e mais recorrentes é querermos mudar o mundo de fora para dentro. É querermos nos sentir bem quando as condições são boas. Vivemos em mundo cheio de violência, mas então, o que podemos fazer? Podemos tomar o caminho inverso. Mergulhar na existência de dentro para fora. A paz que queremos é justamente a paz que podemos ter, mas ela não vem de fora, é fruto do nosso pensamento correto que leva, necessariamente, a uma série de atitudes corretas.

O Buda Amida, conhecido por ser o Buda da luz infinita, nos ensina o caminho da compaixão. Ele mesmo, quando ainda era humano, abriu mão de sua completa libertação, do pleno gozo do nirvana, para estar ao lado de cada um daqueles que chamarem pelo seu nome. Um poema do século XII, de Honen Shonin, o patriarca da escola JodoShu, da qual faço parte, diz que a luz do Buda Amida alcança os quatro cantos do universo, mas apenas aqueles que abrem seus corações são capazes de vê-la. E por que insistimos tanto em manter nossos corações fechados, maculados pelo egoísmo e por uma visão turva da realidade? Somos forma de uma mesma matéria. Somos a vida do mundo que se constrói no todo. Viemos e estamos, mas iremos também. E apesar dos pesares do fim de nossas vidas, a vida do mundo continuará. Somos parte de uma mesma realidade que se basta, que não precisa de nossos caprichos. E a opção nos é dada. Façamos parte do todo que somos ou deixaremos de encontrar sentido no viver. Esse sim é o genuíno fim do viver.

Buda Amida não fala de amor. O amor é o sentimento mais pleno que se pode ter por outro alguém. Ele nos ensina sobre compaixão porque sabe que somos parte de uma só vida, e que não há nenhum outro de verdade. Somos apenas manifestações diferentes de uma mesma existência, que não se separa por espaço. Não existe eu aqui e você acolá. Não existe o passado, nem o futuro. Existe apenas a ilusão de que somos cada um por si, todos separadinhos, encaixotados, produtos finitos e acabados.

O amor e a violência partem do mesmo pressuposto: o outro está totalmente fora de mim. E o sofrimento é evidente, dói viver fora da totalidade da nossa existência. Só assim é possível ser violento. Só assim é possível violentar. Quando percebermos que quem ofende ao outro ofende a si mesmo e ofende ao firmamento que se sustenta sobre nossas cabeças perceberemos que a violência nunca vai. Ela surge pra ficar.

Paul Tillich, um dos maiores teólogos do século XX disse que a paz não implica na ausência de guerras. Isso é bem verdade. Por outro lado, o amor e a bondade não implicam na ausência de violência. Não é incomum amarmos até sufocar o objeto de nosso amor.

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A violência é uma pauta importante até no coração mais bondoso. É preciso perceber só resolveremos o problema lá fora se resolvermos o problema aqui dentro.

Você, pessoa de bem, quão violento é o seu amor? Quão violenta é a sua paixão?

Compaixão.