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O conservadorismo da esquerda evangélica na política

O conservadorismo da esquerda evangélica na política

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Permite que, na tua glória, nos assentemos um à tua direita e o outro à tua esquerda”. Disse-lhes Jesus: “Vocês não sabem o que estão pedindo

O sociólogo Max Weber já concluiu, ratificado por Foucault, que as relações de poder estão presentes em muitas esferas, dentre as quais as relações políticas. Esse tipo de relação, para Weber (1994), pode ser entendido como “probabilidade de impor a vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”. A maneira como Foucault trata do tema do poder é ampla. Para ele, esse poder não está localizado em uma instituição e nem tampouco como algo que se cede por contratos jurídicos ou políticos. Segundo Foucault, o poder reprime, mas também produz efeitos de saber e de verdade.

Nesta semana, no contexto das eleições de 2020, foi publicado pelo site da Uol uma matéria intitulada: Bancada evangélica de esquerda surge contra neopentecostais e conservadores. Na discussão, encontramos pautas sobre a defesa do Estado laico, o direito ao aborto e a correção do “equívoco teológico” “pregado pela bancada evangélica atualmente com representação na política”. A crítica da esquerda nesse tempo à Bancada Evangélica passa rigorosamente pelo abuso do poder, da moralização da política e do modo unilateral com que tentam impor suas convicções, nem sempre amparadas pelos que dizem representar. Todavia, como vemos nesse caso específico, o jogo político é uma via de mão dupla. O poder é o que está em jogo. Weber já anunciara que política é a busca pelo poder. Nada de novo nisso. Contudo, devemos continuar nos perguntando sobre o que significa a presença não de religiosos, mas de religiosos com seus estatutos confessionais na esfera pública. Um leve esforço para que haja “distanciamento de valores”, como dizia Weber, nos traga a sensatez para refletir acerca das disputas pelo poder inerentes ao campo político. Vontade de poder, vontade de verdade. Nada além disso, já diria Nietzsche.

Na esteira de Weber, se os valores políticos não podem ser reduzidos a valores éticos, o que se pode esperar da religião na esfera pública senão a briga pelo poder? Se realmente Weber tem razão, a política não é mesmo para santos:

Dir-se-á que é uma ética sem dignidade. Sim — exceto para o santo. É exatamente isso: é preciso ser um santo ou, pelo menos desejar sê-lo e viver como Jesus, como os Apóstolos, como São Francisco de Assis e seus companheiros, para que a ética adquira sentido e exprima uma dignidade. Caso contrário, não a terá. Consequentemente, se a ética acósmica do amor nos diz: “Não resistas ao mal pela força”, o político, ao contrário, dirá: “Deves opor-te ao mal pela força ou serás responsável pelo triunfo que ele alcance.” Aquele que deseja agir de acordo com a ética do Evangelho deve renunciar a fazer greve — a greve é uma coação — e não lhe restará solução outra que não a de filiar-se a um sindicato amarelo” (Weber, 2011).

O que parece claro, sem demagogias, é que todo elo entre religião e Estado deve ser visto com desconfiança, de um ponto de vista mais teológico, seja por parte de quem é de direita ou de esquerda. E por que isso?

Porque os estatutos são os mesmos. Neste aspecto, Weber não nos é suficiente, uma vez que não discute a essência da religião, apenas se ocupa em discutir seus efeitos fenomenológicos. A essência, como já dizia L. Feuerbach, passa, impreterivelmente, pela alienação.

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O jogo teológico-político da esquerda evangélica é o mesmo da direita porque as regras de mobilização são os modelos de interpretação da bíblia. Só muda a cor da tinta. Um diz que o fulano é liberal, outro diz que o sicrano é conservador. Essa guerra de lançar pedras no telhado do outro não é percebida pelos próprios jogadores. A interpretação bíblica identitária tem telhado de vidro.

Não estamos, com isso, deslegitimando essa guerra entre grupos com teto de vidro. A esquerda evangélica pode ter sua representação na política como outros grupos. Isso é do campo democrático. Mas a crítica da qual se valem para a criação de uma frente progressista de evangélicos – que fica ali, do outro lado do arraial – não passaria de uma disputa de quem melhor faz uso da bíblia na política.

Ou o sujeito evangélico dito progressista aprende a ler a Constituição e a basear-se nela para suas causas político-sociais ou continuará escondendo seu conservadorismo religioso através das mesmas fôrmas que o sujeito evangélico de direita. A única diferença é que enquanto A lê sobre um Jesus preocupado com a genitália alheia, B descreve um Jesus que ama os pobres. Mas ambos movidos pela lógica da superestrutura, no mundo noológico, onde mitos, divindades e abstrações habitam. Discutir identidade de Jesus pode ajudar muito na concepção ideológica de certos grupos, mas não para construir uma sociedade para todos.