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Quem vai [e como] dialogar com a massa religiosa bolsonariana?

Quem vai [e como] dialogar com a massa religiosa bolsonariana?

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No que se refere à distribuição do eleitorado religioso no segundo turno das eleições de 2018, Fernando Haddad (PT) só obteve vantagem entre fiéis de segmentos afro-brasileiros. Uma diferença de 442.912 votos. Por outro lado, entre os evangélicos, Bolsonaro venceu com uma diferença de mais de 11 milhões. Confira os dados da Pesquisa Datafolha divulgados no dia 25 de outubro de 2018:

Distribuição do eleitorado por tipo de religião

Religião Votos de Bolsonaro Votos de Haddad Diferença
Católica

Evangélica

Afro-brasileiras

Espíritas

Outra religião

29.795.232

21.595.284

312.975

1.721.363

709.410

29.630.786

10.042.504

755.887

1.457.783

345.549

164.446

11.552.780

-442.912

263.580

363.862

Total de votos 57.796.074 47.080.987 10.715.087

A umbanda, o candomblé, e outras deste gênero, não têm poder institucional que possa ser comparado com o movimento promovido por igrejas como Assembleia de Deus, Igreja Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça de Deus… Neste aspecto, é importante que recordemos: a igreja católica também rendeu a Bolsonaro uma diferença de 164.446 votos no segundo turno das eleições. A diferença deste segmento foi pouca, mas ainda assim, há grandes alas católicas que continuam demostrando apoio ao governo atual e, inclusive, condenando posturas aparentemente “esquerdistas” do papa Francisco.

Determinados líderes de igrejas Presbiteriana e Batista, também têm discursado em favor de Bolsonaro e convidado seus membros a tomarem partido – o que no estado do Rio de Janeiro é crime. Um caso recente foi da igreja presbiteriana em Londrina, onde o pastor Emerson Patriota pediu aos membros daquela comunidade religiosa para prestarem apoio ao Partido Aliança Pelo Brasil. Em nota, o presidente da denominação, Roberto Brasileiro Silva, divulgou uma resolução de reunião ordinária ocorrida em 1990:

“[…] o Supremo Concílio da Igreja Presbiteriana do Brasil orienta seus concílios em geral que evitem apoio ostensivo a partidos políticos e que as igrejas não cedam seus templos ou locais de culto a Deus para debates ou apresentações de cunho político”.

Contudo, várias igrejas desta denominação já realizaram campanhas de oração condenando a corrupção do Brasil na mesma época do julgamento do ex-presidente Lula. Da mesma forma, igrejas batistas, sobretudo a da Lagoinha, onde a família Valadão já publicou vários vídeos em apoio a Bolsonaro.

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Além deste breve levantamento, congressos de igrejas são realizados no Brasil com pregadores estadunidenses que já discursaram (pregaram) em favor ou de Bolsonaro ou de Trump. O próximo que ocorrerá será em março, na Primeira Igreja Batista de Curitiba (“Global Leadership Summit”), onde o objetivo é capacitar lideranças. Importante lembrar que o pastor presidente desta comunidade é Paschoal Piragine Júnior, o mesmo que, em 2010, no púlpito da igreja, discursou fazendo duras críticas contra o PT. Em entrevista, o mesmo pastor já chamou a ditadura de “revolução de 1964” – assim Bolsonaro também considera em seus discursos.

Pensando em toda essa estrutura de discurso e de apoio, quero destacar dois pontos:

  1. A importância do diálogo com as massas de religiosos

Durante o período de carnaval deste ano, em um evento da Assembleia de Deus chamado Umadego (União da Mocidade das Assembleias de Deus de Goiás), reuniram-se 18 mil jovens durante 4 dias de culto religioso. Em um desses encontros, o pastor Frank Mendonça confirmava seu apoio a Bolsonaro, unindo ao coro dos participantes que gritavam que o Brasil e o presidente são de Jesus.

Não nos esqueçamos da participação de Bolsonaro no evento do The Send, que reuniu mais de 190 mil pessoas (a maioria jovens), e da comemoração dos 40 anos da Igreja Internacional da Graça de Deus, no Rio de Janeiro, onde discursou sob fortes aplausos e chegou a dançar ao lado do prefeito Crivella, bispo da IURD. Além disso, a participação nas marchas para Jesus, que no ano de 2019 fez seu gesto de “arminha” diante de cerca de 3 milhões de fiéis.

Discursos como “O Brasil é Jesus”, “O Estado é laico, mas eu sou cristão”, “Deus [cristão] acima de todos”, e declarações da ministra Damares, como: “É o momento de a igreja ocupar a nação”, demandam atenção cada vez mais redobrada. Ao que parece, entre os membros de religiões afro, isso tem incomodado bastante a ponto de ter sido evidente nas eleições de 2018.

Mas… quem vai dialogar com essa gente toda? Os evangélicos de “esquerda” demonstram impaciência e militância aparentemente desconectada de projetos políticos que envolvam mais do que grupos identitários.

Outra questão: a partir de que referenciais se pode dialogar com essa massa? Este é um ponto que considero crucial a ser discutido.

Charles Taylor dizia que o maior problema da política contemporânea é sua fragmentação. Ao abordar a fragmentação política, Taylor destaca membros do Estado que se identificam e se preocupam com grupos específicos, ao invés de se identificarem e se preocuparem com demandas relativas à sociedade como um todo. Quem sabe, buscar objetivos em comum para isso? (O que já foi destacado em outro texto publicado nesta revista: Liberalismo identitário: a “verdade” a partir de grupos marginais ou a partir do diálogo?)

  1. A inoperância do discurso que condena a espiritualidade

Há partidos de esquerda que desconsideram veementemente a religião como forma agregadora e empoderadora no exercício político. Prova disso são seus movimentos e discursos que buscam deslegitimar o fator religião como fonte de sentido no indivíduo. O período pós-guerra, inclusive, foi determinante para uma nova interpretação sobre a religião na sociedade. Em entrevista a Frei Betto (que se tornou livro: “Fidel e a religião”), Fidel Castro chega a dizer que era necessária uma releitura dos pressupostos marxistas sobre a religião na sociedade. A própria Teologia da Libertação que tinha como foco, grosso modo, o atendimento aos pobres e uma política pública mais justa, nos serve como exemplo.

Líderes e partidos políticos que teimam em criticar descaradamente a religião tomando-a como alienadora, não terão espaço num Brasil cada vez mais crédulo. E, como já destacado por Prandi, é importante que se diga que, no Brasil, um dos quesitos que pode tirar um candidato da corrida presidencial é não ser adepto de alguma religião.

Portanto, o que temos testemunhado é que um discurso político pode “tudo”, exceto desconsiderar o Jesus das massas. Com o número de evangélicos crescendo no país, provavelmente é esse grupo que garantirá as próximas eleições. E, sinceramente, talvez a esquerda tenha de aprender a valorizar a narrativa sobre o “Jesus da gente”, pregado pela Mangueira neste carnaval, para, só depois, entender como se faz política no Brasil.