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Religião e Violência… um livro que aborda a questão da mulher

Religião e Violência… um livro que aborda a questão da mulher

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“Religião e Violência”

Este é o primeiro livro da série “Religião e Violência”. Claudete Beise Ulrich e Nelson Lellis estavam com o livro pronto pouco antes da pandemia causada pela COVID-19 exigir o isolamento social no Brasil. Preferiram aguardar para lançá-lo em tempo oportuno, mas três meses se passaram e o aumento da violência contra a mulher neste período de isolamento social aumentou consideravelmente. Os autores entenderam, portanto, que o material contribuiria para reflexões sobre o tema em grupos pequenos, igrejas, universidades (ainda que todos em modelo remoto), além de ser uma ferramenta informativa para vítimas e profissionais que lidam diretamente com tais casos.

Haverá um encontro entre autoras e autores na primeira quinzena de julho no perfil do instagram da editora Recriar (editorarecriar). Mas o livro já está disponível no site da editora.

Transcrevemos abaixo a Introdução que apresenta o objetivo desta coletânea de artigos, bem como os textos que compõem a obra.

Introdução

A série Religião e Violência tem por interesse destacar assuntos que estejam envolvidos diretamente com movimentos religiosos capazes de gerar algum tipo de violência. E isto pode ocorrer pela sua tradição histórica de construção do que é o ser humano, pela sua descaracterização do outro a partir de sua normatização e absolutização de identidade sagrada, pela sua violência simbólica ou física ou psíquica, pela sua instrumentalização sócio-política, enfim.

Por outro lado, outros(as) religiosos(as) que também, como forma de combater narrativas que defendam certa homogeneização dos indivíduos, utilizam-se de suas confissões para posicionarem-se no ambiente de fé e da política, valorando o aspecto dos direitos humanos, da promoção de um Estado laico e do respeito à diversidade cultural, religiosa, de gênero, de cor. O objetivo é pesquisar como a violência é produzida, reproduzida (processo de manutenção) e tem seu desdobramento social causado pela estrutura religiosa.

Chales Taylor, em seu livro Agency and Language (1985), questiona a neutralidade da pesquisa quando se trata de seres humanos, uma vez que somos constituídos por valores que não podem ser classificados como neutros. Os valores representam escolhas que, ora tomamos durante a vida, ora nos são impostos. Diante daqueles que são impostos, impossibilitando legítimas e igualitárias relações sociais, não há que se manter neutra a produção na esfera das ciências humanas.

Portanto, esta série não é neutra. A partir de ferramentas teóricas, análise de dados, exegese de textos sagrados, quadros comparativos da história, buscamos monitorar, classificar, denunciar e, de forma propositiva, apresentar categorias e novos caminhos que pretendem minimizar a violência.

Mulheres em foco é o tema do primeiro volume da série, organizado por Claudete Beise Ulrich, coordenadora do grupo de pesquisas REGEVI (Religião, Gênero e Violências), e Nelson Lellis, pesquisador na área de religião e política e membro do grupo CRELIG (Dinâmicas Territoriais, Religião e Cultura). Diante da forte influência da religião no papel da mulher na esfera familiar, no exercício de sua espiritualidade, na sociedade, e dos números crescentes (alarmantes!) quanto às várias formas de violência na América Latina, notamos, igualmente, várias pesquisadoras e pesquisadores com atuações constantes na academia, na política e nas próprias comunidades de fé, com o intuito de ampliarem o foco da discussão para um campo onde o absolutismo dogmático-patriarcal não seja a narrativa julgadora e determinante das identidades.

Nove textos compõem esta coleção. Alguns deles, já publicados em revistas acadêmicas; outros, revisados e ampliados, e; os que serão conhecidos neste trabalho. O primeiro capítulo, “A (des)sacralização da violência contra as mulheres no altar do patriarcado: reflexões a partir dos conceitos desejo mimético e bode expiatório em René Girard – desafios para a educação teolótica latino-americana”, é escrito por Abdruschin Schaeffer Rocha e Claudete Beise Ulrich. O texto discute as obras sobre religião e violência do francês R. Girard, observando, dentre outros aspectos, como o “patriarcado se reforça a partir das instituições da família, da religião e do Estado, que fortalecem a desigualdade de gênero, justificando a vilência, a partir do domínio masculino”.

Carolina Bezerra de Souza e Ivoni Richter Reimer assinam o segundo capítulo: “Violência, bíblia e as mulheres”. O texto aborda como a violência contra as mulheres, entendida como uma construção social que sustenta a dominação dos homens, está presente no contexto religioso pelo uso de textos sagrados. Discorrem ainda como o uso da Teologia Feminista e da categoria de gênero podem transformar a leitura dessas violências e o uso da bíblia para tratar vítimas, além de prevenir tais ocorrências.

Lusmarina Campos Garcia discute a “Descriminalização do Aborto e teologia no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 442”, texto que fora apresentado em Audiência Pública realizada pelo Supremo Tribunal Federal no dia 6 de agosto de 2018. Com argumentação bíblico-teológico-pastoral e a partir da defesa do Estado laico, desenvolve suas teses para garantia de direitos para as mulheres no que tange ao assunto em pauta.

O quarto capítulo é “Sobre violências que se multiplicam sobre a Terra: abordagem do fenômeno a partir da Bíblia”, por Ivoni Richter Reimer e Haroldo Reimer. O autores perscrutam, no texto sagrado, como a violência se tornou um “fenômeno que acompanha o desenvolvimento e a história da humanidade”.

O quinto capítulo aborda a “Dominação e violência religiosa contra a mulher: análise sociológica da narrativa sobre a ‘mulher adúltera’ (João 7,53-8,11)”. À luz do conceito de habitus, em Pierre Bourdieu, Nelson Lellis lança mão da narrativa bíblico onde religiosos acusam uma mulher, pega em flagrante adultério, para interpretar como o “mini-evangelho” fora transmitido nos primeiros séculos de nossa era, além de destacá-lo dentro dos atuais estudos de gênero.

 VEJA TAMBÉM
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No artigo “Cântico dos Cânticos (7,10[11]) contra Gênesis (3,16) – um caso de intertextualidade programática subversiva”, Osvaldo Luiz Ribeiro defende a hipótese de que o texto de Ct 7,10(11) lê programática e subversivamente, invertendo-o, o texto de Gn 3,16, o que deve significar quer, no horizonte de produção de Cântico dos Cânticos, recusa-se assumir o desejo feminino como intrinsecamente mau e marcador subjetivo do castigo divino do pecado de Eva, de resto, da marca de legitimação do domínio masculino sobre a mulher. Recusando-se a submeter-se ao imaginário teológico de Gn 3,16, a Amada assume seu desejo, revela o desejo do Amado e convida-o à mutualidade do desejo experimentada no campo, insinuando-se, assim, um retorno ao “paraíso”.

Fellipe dos Anjos Pereira escreve sobre as “Mães Pentecostais contra o Estado: notas e notícias de uma pesquisa”. Neste sétimo capítulo, o autor alguns resultados de sua investigação sobre novas configurações no campo Religião e Violência de Estado, onde seu objetivo é observar a relação do neopentecostalismo com a violência operada peloas UPPs do Rio de Janeiro.

Cleinton Souza assina o oitavo capítulo: “Os traficantes de Jesus e as mães que perderam o santo”. O objetivo é “apontar elementos que referendam o surgimento de um novo modo de a religião interferir nas decisões do Estado”, bem como as questões de violência e gênero através do episódio da imposição de um “traficante de Jesus” à uma mulher para que “quebrasse aquilo que mais lhe fazia sentido”.

O último capítulo, “Da justificação e da banalização das violências contra as mulheres: um ensaio propositivo”, Nelson Lellis e Valéria Cristina Vilhena propõem três seções para a reflexão crítica de como justifica-se o mal, como banaliza-se o mal e, por fim, “uma tentativa de esboçar o próprio espaço da religião – um ambiente de tanta doutrinação para o mal – como senda para transformação”.

Esperamos que, sinceramente, este livro contribua para a discussão acerca das diferentes formas de violências que atingem as mulheres, seja em ambientes institucionais religiosos ou comunidades de espiritualidade(s), em ONGs, em círculos de ciências humanas, ou em quaisquer outras esferas privadas e públicas.

Boa leitura!