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Música Gospel e Subjetividade

Música Gospel e Subjetividade

© Laura Wielo

Música e religião são parte das mais antigas experiências do ser humano. Integram sistemas simbólicos e de comunicação humana para manifestar em emoções e sentimentos. A música é um dos instrumentais mais utilizados na experiência religiosa para provocar emoções no participante durante os ritos, práticas, reuniões e cultos de grupos religiosos, proporcionando na prática religiosa diversas emoções como alegria, expectativa, tristeza, energia, comoção, entre outras. Música e emoção religiosa estão intrinsicamente ligadas no que tange à subjetividade do participante em relação à sua experiência com o sagrado. A individualidade e as emoções são tocadas diretamente pela música.

Entre outras finalidades, a música destaca-se como parte integrante nos processos cúlticos voltada para as práticas de contemplação, introspecção, devoção, gratidão e adoração. No caso da música gospel, nos momentos intitulados de louvor e adoração.

A música gospel no Brasil surge no início da década de 1980. Como expressão musical, a música gospel fundamentou-se mimeticamente nos paradigmas estadunidense da Contemporary Church Music/CCM. Com o desenvolvimento da música gospel, surgem os intitulados ministérios de louvor e adoração, caracterizados por grupos musicais compostos por instrumentistas, cantoras e cantores. A influência destes ministérios é também pelo viés estadunidense, mais particularmente pelo estilo chamado Contemporary Worship Music. Estes dois modelos musicais possuem influências de grupos evangélicos estadunidenses com ênfase na experiência emocional.

Desta forma, a música gospel como parte da cultura evangélica na contemporaneidade, faz a mediação da experiência religiosa durante os momentos cúlticos nos chamados ‘momentos de louvor e de adoração’. A música e os estilos musicais variam de acordo com o momento cúltico, podendo produzir emoções alegres e motivadoras, já em outros momentos, proporcionando um ambiente propício à introspecção e à intimidade com o sagrado, evocando emoções que gerem expressividade e sentimentos de contemplação no participante.

Neste sentido, a arte musical no que tange à experiência com o sagrado, promove um elo entre o participante e a experiência religiosa. Tal experiência o conduz a um sentimento universalizante, como parte do mundo e do cosmos, proporcionando a experiência mística do indivíduo com o sagrado. Neste sentido, a música na religião desenvolve um papel relevante na desconstrução e reconstrução da subjetividade humana. A influência da música neste contexto, auxilia o indivíduo no processo de mediação e de interação na dinâmica relacional com o sagrado.

Música, fé e experiência participam conjuntamente para que o ambiente se componha como parte de um processo híbrido, proporcionando uma experiência plural e emocional. Em certo sentido, diversos rituais e cultos parecem incompletos sem música, tamanha a relevância e influencia que ela tem no contexto religioso e paralelamente na subjetividade do participante. Tal subjetividade é impactada pela emoção que a música produz.

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Obviamente, podem haver exageros no que tange ao uso indevido da música no contexto religioso como instrumento de controle e alienação. A história nos apresenta diversos relatos em que a música foi utilizada para fins opressivos, em que líderes fanáticos exploraram a emoção e a fé dos participantes destes grupos religiosos de forma desonrosa e nociva, lesando a muitos em suas experiências religiosas.

Por outro lado, é possível pensar na possibilidade de reformulação da subjetividade a partir da experiência sensorial que a música produz juntamente com a experiência religiosa. O ser humano é plural! E essa pluralidade pode ser tocada, transformada e reformulada por elementos racionais ou emocionais, tangíveis ou intangíveis, lógicos ou mágicos. Limitar esse dinamismo acarreta num equívoco desumanizante e incompleto.

Dentro das mais tradicionais definições sobre o que é a música, a que mais nos toca é que ela é arte de se exprimir por meio de sons, tem o poder de produzir emoções e evocar sentimentos nos seres humanos. Essa é a sua contribuição. Elevar o espírito, conduzir o ser para dimensões mais profundas e ao mesmo tempo elevadas. Esta é sua função litúrgica e poética. Como arte, fazer parte do preparo dos participantes para os mais diversos ritos, práticas e experiências religiosas, tornando-se desta forma componente essencial na maioria das práticas religiosas pelo mundo afora. Em outras palavras, como Nietzsche afirmou: “Sem música, a vida não faria sentido”.