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Deus Transgênero

Deus Transgênero

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E Deus se travestiu de humanidade e veio habitar entre nós. (João 1,14)

Desde o início dos tempos, homens e mulheres foram descobrindo a possibilidade da existência de algo para além da compreensão racional. Nas mais variadas culturas, as experiências e o exercício da fé levaram essas pessoas a denominarem Deus a partir das suas realidades e dando a esse ser superior inúmeros nomes, formas e cores. Entretanto, para as pessoas Transgêneras essa realidade nunca foi tão simples assim.

No cristianismo tradicional, a máxima é de que Deus é homem, cisgênero, branco e heterossexual. Com certeza essa afirmação não deixaria nenhum cristão ou cristã boquiaberto. Pois bem! E, se eu disser que Deus não é só isso? Que Deus pode ser na verdade uma mulher, transgênera, negra e lésbica? Com certeza, para muitas pessoas tal afirmação vai soar como uma heresia e causar um desconforto aos ouvidos e ao coração.

A pessoa Transgênera é aquela que transgride a norma binária de gênero, que não se reconhece num papel social imposto por seu sexo biológico. É o menino que se reconhece menina, a menina que se reconhece menino ou a pessoa que não se reconhece em nenhuma dessas duas categorias homem-mulher. Entretanto, a pessoa cisgênera se reconhece e se identifica com o seu sexo biológico e no papel social que vai desempenhar a partir dele.

A Transgeneridade também é uma manifestação de Deus, pois o próprio Cristo faz a transição de gênero, sendo o primeiro homem trans da história. E não é difícil entender essa lógica. Jesus, antes de nascer através de Maria, tinha como natureza o gênero divino. Para assumir a condição, ele teve que deixar o gênero divino e assumir o gênero humano. Ele não conseguiria êxito em sua missão se não tivesse transgredido sua norma divina e assumido radicalmente uma nova forma de ser. Portanto, Jesus sendo o Deus Filho, Deus também faz a transição em Cristo, assumindo de uma vez por todas, a condição humana que ele mesmo criou.

Partindo desse princípio, Deus não é somente homem e cisgênero: ele é mulher, Transgênero, travesti, transexual e toda a diversidade de pessoas que se pode elencar. Não há um formato único e exclusivo para se desenhar ou definir a essência dele. A questão que direciona todo esse pensamento está em torno da questão de gênero, pois o cristianismo ainda é patriarcal e cisgênero. A mulher ainda é a figura mais frágil dentro da hierarquia, sendo invisibilizada e silenciada, tendo como chave de poder a manutenção e apropriação dos corpos e o impedimento desses corpos de refletirem a sua real natureza, segundo a imagem daquele que os criou.

Pensar num Deus Transgênero é ser levado, de uma vez por todas, pela obrigação de abandonar toda colonização à qual as pessoas, independentemente da orientação e identidade de gênero, foram e são submetidas até os dias de hoje.

Ver nos corpo trans as chagas de Cristo, é reconhecer que o maior país cristão do mundo ainda é o que mais mata pessoas trans. A intolerância, o ódio, a morte, a retirada de direitos e o cerceamento dessas pessoas em nome de Deus, ainda é um dos maiores desafios do cristianismo.

Em Deus, todas as condições humanas refletem uma única realidade: Ele é ela, homem ou mulher, cisgênero ou transgênero, branco ou negro. Deus é aquele ou aquela que o busca, com seu coração sincero, disposto ou disposta a ser no mundo um construtor ou construtora do seu Reino-Comunidade, aqui e agora.

A linguagem universal do amor que exala da essência de Deus, só pode ser sentida por aqueles e aquelas que conseguem perceber as multifaces desse Deus, em seus inúmeros nomes, cores, sabores e aromas.

Ao Deus transgênero que habita em mim, todo amor, honra, glória e poder, pelos séculos sem fim, amém.