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O doce mistério da Mestra Paulina, uma ‘mulher juremeira”

O doce mistério da Mestra Paulina, uma ‘mulher juremeira”

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No pé da palmeira,
Tem dois cabarés,
Um é de Paulina,
O outro é de quem quer…”

Foto: Maíra Gamarra
Foto: Maíra Gamarra

E assim, se dá o desfecho do ponto cantado que firma a presença de uma das Mestras mais lembradas e referenciadas nas casas e rodas de Jurema de Pernambuco e Brasil a fora.  Quiçá seja ela, Paulina, a Mestra de maior destaque nestes terreiros, com todo respeito as demais.

Mestra Paulina, Ritinha, Bagaço, Luziara, Aninha do Angeló, Maria Creuza, Priscila, Madalena, são tantas que faltariam linhas para caber o nome de todas. Mas o certo, é o apreço destas para seu povo, estes dão a elas o nobre título de madrinhas, mães, amigas. Símbolos de braveza, luxo e delicadeza, em meio ao círculo “rude” do imaginário da jurema.

Paulina e suas companheiras de fato são atemporais. Onde elas passam transmitem sabedoria, consciência de si, no aspecto feminino do respeito pelo corpo e pela autovalorização pessoal. Além, claro, sua forma peculiar de lidar com certas situações e de não se preocupar com as críticas em torno de sua presença e dos seus trabalhos. É um desafio ser uma Mestra, num espaço onde o homem tem papel preponderante e muitas vezes, o fato de incorporar no gênero masculino, já gera desconfiança e “observações errôneas”.

Assim como eu, muitos reconhecem a Jurema como doutrina através do trato do homem, sendo o Mestre o senhor da palavra, dirigente de muitos cultos e tradutor nato por muitos anos, do conhecimento de tudo que envolta a jurema sagrada. Todavia, muitos terreiros atualmente já tem a predominância da mulher (Mestra/mãe de santo), no comando desse legado. Comumente se houve: “Hoje vai ter macumba de Paulina, na casa de Oxum… Vamos ao toque de Aninha do Angeló, em Paulista…” O que isso muda e representa? Muita coisa! Se levarmos em consideração que essas casas desapegaram de “antigas tradições” e hoje, elevam o culto dando maior visibilidade a elas, as Mestras da Jurema. Não deixando obviamente, de saudar com toda pompa e respeito os senhores mestres.

Mestras traduzem com fineza e respeito o sentimento humano, por ser incumbido a elas a direção de trabalhos, simpatias e feitiços ligados ao amor. Elas também são boas conselheiras e sendo necessário, auxiliam na busca de emprego, cura e nas mais diversas situações que a Jurema e seus mistérios adentrem e encontre solução. Acredito ver o maior desfecho de mudança e evolução do fator Mestra, no tangente as suas roupas e adereços. No passado, víamos Paulinas com suas saias longas e “camisús” verdes, se contrastando com o amarelo reluzente das “Luziaras” nos salões, só para exemplificar aqui. Basicamente, era apenas isso. Hoje, com a mudança de comportamento humano e toda evolução da postura diante de costumes e condições financeiras, tudo está extremamente mudado. O verde da Paulina foi trocado pelos paetês, penas e tecidos caros, traduzindo seu luxo e toda barganha nos seus trabalhos, pois muitas fazem questão de deixar isso bem elucidado nas suas festas. Cada médium claro, interfere nesse processo. De forma direta, indireta ou total, pois é este que faz a escolha de toda indumentária de sua Mestra, dando a ela significação conveniente decorrente a sua condição financeira.

Não tem dessa de “minha Mestra pediu um vestido de chita, vai ficar linda”… Não cola e tampouco procede. O fator humildade transita em passos rasos nestes ambientes. O mais importante, porém, é ela dar o seu recado para seus visitantes, traduzido não só numa vestimenta, mas em gestos e trato. Mostrar todo seu aprendizado, sua ciência e o conhecimento adquirido no cotidiano e na trajetória de Mestra Juremeira.

Ambientes onde há presença de Mestras sempre é carregado de graça e descontração. Logicamente por que muitas mesmo com suas passagens na “Escola da Jurema”, trazem ainda boa parcela dos costumes e hábitos dos anos de rua, cabarés, de vida pregressa. O que muitos julgam atos insanos, para elas é uma prática muitas vezes “normal”. Usar palavras de baixo-calão, rir alto, se comunicar com gestos bem parecidos com aqueles usados por nós, “vivos”. Na maioria das casas de culto a Jurema, onde a Mestra tem um papel maior, levasse em consideração mais aprendizado dos filhos para com ela.

Atualmente, num trabalho qualquer, onde se tenham diversas pessoas, algumas delas usam seus celulares. Será que elas, assim como os Mestres e qualquer entidade presente, não questionaria e até tentaria saber do que se trata aquele instrumento não existente em seu tempo de vida na terra? Sabemos que a história de Paulina, possivelmente provém do início do século XX, época onde sequer seria possível pensar em tal utensílio de comunicação.

Chamado (o celular) por algumas entidades de “caixa de fuxico, falador do cão, toquistofone” etc…. O bom senso e a destreza do médium vai definir a reação da entidade diante de um telefone ou outro objeto fora do contexto dos cultos. O mais interessante, seria os consulentes dispensarem o uso, mas, muitas casas evitam entrar nesta briga, para não criar discórdias entre filhos e “clientes”.

De fato, a presença de uma Mestra é inquietante. Gera o receio de se ouvir o relato do que “eu fiz de errado na minha caminhada sexual”? Meu marido/esposa, me trai? Perguntas feitas com tranquilidade aos senhores Mestres, mas quando respondidas por elas, vêm carregadas de malícias, verdades dolorosas e até revelações sem dó de seus ouvintes. Elas afirmam: “Prefira uma verdade que lhe faça chorar, que uma mentira que lhe faça sorrir…”.

Saliento que “verdades” são ditas mediantes a médiuns preparados, que deixam suas entidades atuarem devidamente em seus corpos, seja elas Mestras, Mestres, Exus, etc. A palavra pode vir até de uma criança (índio/erê), vai sempre depender do processo evolutivo e mental de cada juremeiro/a em sua caminhada…

Paulina, entre as demais Mestras, está sempre mais citada, por que é dado a ela o título de maior conselheira e madrinha nos terreiros. São muitas as histórias de casas onde essa Mestra construiu todo o prestígio e nome do filho/filha. Os mais relevantes do meu conhecimento enquanto estudioso do caso e adepto da religião, são de duas casas da região metropolitana do Recife. Uma casa de Olinda e outra de Abreu e Lima, dos respectivos Clayton de Oxum Aladê e Ailton de Ossain.

Histórias que se cruzam no quesito fé e devoção por esta Mestra. A primeira que fui na casa de Clayton, tive uma visão fantástica do simples e arrojado. Foi impressionante para mim, ver como um espaço tão pequeno, conseguia acomodar tão bem seus visitantes. Paulina já naquela época, meados do ano 2004, já tinha um domínio do culto da casa e sua estrutura. Já eram muitas as histórias dos afilhados e consulentes, agraciados por seus trabalhos e carinho dela, para com eles. Alguns anos se passaram e na inauguração de sua casa, em outro local, um espaço maior e bem mais planejado, Clayton fez questão de ressaltar o valor dela, Paulina, sua madrinha, na sua vida, e como foi importante a presença da mesma junto ao seu Mestre, para tudo ali estar acontecendo. Os filhos dele são taxativos quando falam de problemas, pois Paulina não admite que seus afilhados e filhos da casa passem necessidades. É uma regra dos participantes daquela casa, falar abertamente ao seu pai, seus apuros e encontrar afago na Madrinha Paulina. Lembrando que Clayton iniciou sua vida na Jurema em sua casa, com muita modéstia e simplicidade de uma vida de um rapaz solteiro buscando conhecimento e raízes na Jurema Sagrada.

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Na casa de Ailton de Ossain, em Abreu e Lima, o presente da sua vida foi dado por sua madrinha e Mestra, Paulina. Uma de suas filhas, antiga consulente, depois de ter recebido a graça de um trabalho realizado com sucesso, deu-lhe de presente a casa onde hoje, ela, Paulina e seu orixá, tomam conta e são recebidos com toda pompa e valor. Ambos pais de santo, Clayton e Ailton dão total créditos e valores a suas Paulinas. Também pudera, um contexto de lutas e batalhas, agraciadas de muitas vitórias, sendo estas segundas, com o desfecho primordial de suas Mestras.

Então, como não as amá-las?  Muitos são os que entregam suas vidas as senhoras Mestras e conseguem na caminhada espiritual, o conforto de ser bem orientado e devidamente receber o conceito de “Bom Mestre”. Um processo árduo, mas, que com luta e dedicação, se chega lá. Eu, ainda me considero uma criança a galgar passos nesse processo. Depois da chegada de minha Mestra, Paulina, isso, ela mesmo, na minha vida, já me deparei com dúvidas, chacotas, risos e perguntas inusitadas. Ela é apontada até como Pomba Gira por uma senhora que admiro muito no santo e tenho um respeito muito grande. Todavia, ignoro, relaxo e simplesmente acredito na minha Mestra.

Paulina hoje, é considerada por alguns, como madrinha dos homoafetivos, mestra que “baixa” em gays e que “fecha” nos salões, promovendo balbúrdias das mais inimagináveis. Temos notícias de coisas bem absurdas realizadas usando seu nome, contudo, sua luz é grande, e nela, muitos que não encontram acolhimento em suas famílias, por serem LGBT, em seu colo, encontram paz e significado para a vida. Muitos (falo no masculino, pois são os homens que a “recebem”, que causam as maiores polêmicas) realizam seus sonhos (mesmo deturpando a espiritualidade, coisa que não aceito), criando uma forma de espiritualidade própria desses grupos profundamente excluídos por nossa sociedade racista, machista e homofóbica.

O mais importante nesse contexto, é Paulina saber de nossa plena confiança em sua atuação nas nossas vidas. Questiono sempre a quem teve contato com ela e por alguma questão gerou dúvida sobre seus trabalhos o seguinte: Ela, Paulina, sentou no teu colo? Beijou tua boca? Pegou em tuas partes intimas?

Se a negativa prevalecer, fico calmo e sei que ela está fazendo o certo em minha matéria, no meu desenvolvimento e na vida de quem a procura.

Salve a Mestras Paulina da Rede Rasgada. Salve todas as Paulinas…