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Inteligência Espiritual: uma capacidade humana de construir sentidos

Inteligência Espiritual: uma capacidade humana de construir sentidos

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Nos últimos anos, o tema espiritualidade vem sendo debatido por diversas áreas do conhecimento, tais como Teologia, Ciência(s) da(s) Religião(ões), Psicologia, Educação, Administração. O tema ultrapassa o controle e os espaços institucionais das religiões, afirmando que a espiritualidade independe da religião. Além disso, nas duas últimas décadas a Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu a espiritualidade como uma das dimensões humanas a partir de um conceito multidimensional de saúde.

Esse caminho de diálogo não é diferente nas discussões sobre o que é inteligência. São inúmeros os estudos e possibilidades. Aqui queremos apresentar o conceito inteligência a partir dos estudos de Howard Gardner que, em 1993, criou a Teoria das Inteligências Múltiplas. As pesquisas do autor conduziram para a identificação das seguintes inteligências:  a linguística, a lógico-matemática, a espacial, a musical, a corporal e sinestésica, a intrapessoal, a interpessoal, a naturalista e a existencial/espiritual.  

O trabalho do autor é importante para o nosso diálogo, pois ele supera uma crença adotada até aquele momento por muitos psicólogos, educadores, pesquisadores/as e difundida culturalmente que considerava a inteligência uma faculdade única, o que conduzia a uma visão binária, determinista, que a pessoa é inteligente ou não é. Gardner abriu perspectivas para compreensão das inteligências humanas, confirmando-a como um potencial biopsicossocial que nós seremos humanos temos para se adaptar e atuar em um cenário cultural.

Outra contribuição importante da teoria é que dizer que uma inteligência é reconhecida à medida que uma cultura reconhece aquela capacidade.  O autor nos conduz a uma compreensão que o reconhecimento de uma inteligência tem relação com a interação do ser humano com o próprio meio e ao longo da própria história. São aptidões que vão se desenvolvendo no processo de mudança e na compreensão dos papéis culturais que os sujeitos desempenham na sociedade, que vão variar ao longo do tempo, entre as diversas culturas e dentro das próprias culturas. 

Sem a intenção de catalogar um manual de inteligências, Gardner abre espaço em sua teoria para as multiplicidades e especificidades das inteligências, quebrando a crença de uma inteligência única e a separação, segundo o autor, entre pessoas burras e inteligentes. Esse trabalho de Gardner, possibilitou o reconhecimento de diversas inteligências como: a inteligência emocional, inteligência sexual, inteligência empresarial, inteligência financeira, e no caso deste nosso artigo, a Inteligência Espiritual, compreendendo a espiritualidade como algo que independe da religião. 

Gardner, ao definir Inteligência Espiritual, prefere chamá-la de existencial. Em seus livros ele costuma utilizar o termo existencial/espiritual, uma vez que sua preocupação está relacionada à carga semântica da palavra e o risco que poderíamos correr em comparações e rotulações como “Ana é espiritualmente mais inteligência que Beatriz”, “A religião X, é mais inteligente que a religião H”, além do uso indevido por figuras religiosas e do televangelismo americano (contexto do autor). Dentro dessa preocupação, ele descreve o termo Inteligência Existencial/Espiritual como 

“a capacidade de se situar em relação aos limites mais extremos do cosmos – o infinito e o infinitesimal – e a capacidade afim que é a de se situar em relação a elementos da condição humana como o significado da vida, o sentido da morte, o destino final dos mundos físico e psicológico e experiências profundas como o amor de outra pessoa ou a total imersão numa obra de arte” (GARDNER, 2001, p. 78).

Gardner explica que essa capacidade está presente e tem sido valorizada em todas as culturas. Aqui podemos olhar para diversidade de religiões e tradições de espiritualidade que construíram – e constroem – seus sistemas e formas de lidar com as questões existenciais. Logo, podemos compreender que espiritualidade não é propriedade das religiões e nem depende dela. É uma capacidade humana de todos nós, de construir sentidos para a nossa existência, tendo religião ou não. Contudo, isso não quer dizer que as religiões não tenham lugar na discussão da Inteligência Espiritual, pelo contrário, podemos com elas aprender como cultivaram e ainda cultivam a espiritualidade. 

Nestes últimos anos, buscando compreender as especificidades desta inteligência, podemos perceber que essa capacidade pode ser despertada e desenvolvida durante a jornada de cada ser humano. Uma habilidade que a raiz da palavra latina intelligentia, pode nos ajudar a compreender, intus (dentro) e legere (ler ou escolher). 

Uma capacidade humana de se perceber, se situar, se integrar (consigo, com outro e o mundo) e se comprometer com o meio em que vive, criando projetos de vida abertos, inacabados em constante processo de construção. O cultivo/desenvolvimento desta inteligência nos ajuda a sermos capazes de elaborar respostas e situar-se diante de questões como o significado da vida e da morte, a finitude e a infinitude da vida, experiências profundas de amor e envolvimento com a arte. São respostas que podem ser adquiridas em experiências de espiritualidade, práticas religiosas ou sociais. 


Referências 

GARDNER, Howard. Frames of mind: the theory of multiple intelligences. New York: Basic Books, 1993. 

 VEJA TAMBÉM
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GARDNER, Howard.  Inteligência: um conceito reformulado. Tradução de Adalgisa Campos da Silva. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. 

GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Tradução de Maria Adriana Veríssimo. Porto Alegre: Artmed, 1995.

GARDNER, Howard; KORNHABER, Mindy L.; WAKE, Warren K. Inteligência: múltiplas perspectivas. Tradução de Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre: Artmed, 1998. 

SOUZA, Jonathan Félix de. INTELIGÊNCIA ESPIRITUAL: um estudo sobre o despertar de uma espiritualidade não religiosa como qualidade humana profunda nas organizações. 2020. 137. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, Belo Horizonte, 2020.