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Direitos humanos para as mulheres: o que a religião tem a ver com isso? (I)

Direitos humanos para as mulheres: o que a religião tem a ver com isso? (I)

© Casa Fora do Eixo Minas

Texto adaptado da Dissertação: “PELO SAGRADO DIREITO DE DECIDIR”: A contribuição de Católicas pelo Direito de Decidir nas discussões sobre laicidade, direitos reprodutivos e descriminalização do aborto no Brasil.

A série de quatro artigos, Direitos humanos para as mulheres: o que a religião tem a ver com isso?, tem como objetivo apresentar algumas breves reflexões sobre uma das principais, e mais intensas discussões que envolvem gênero e religião: os direitos humanos das mulheres.

A religião, durante muitos anos, foi um campo de investimento e atuação predominantemente masculina, a inserção de uma porcentagem significativa de mulheres nas áreas das Ciências da Religião e Teologia, tem promovido a abertura para uma nova percepção do cenário religioso pensando no papel da mulher neste campo.

As discussões voltadas para a sexualidade e religião são temas recorrentes quando se fala sobre práticas políticas e a luta por direitos humanos específicos, como é o caso dos direitos sexuais e reprodutivos.

Neste sentido, os estudos de gênero voltados para a religião têm como preocupação questionar até que ponto se dá a influência das instituições religiosas na definição de políticas públicas para as mulheres.

Os estudos de gênero e religião, procuram analisar os lugares de poder do sexo feminino e masculino, e a relação assimétrica existente entre os sexos nas diversas esferas sociais como a política e o direito.

As intervenções da Igreja Católica e seu alto clero, assim como a Bancada Evangélica nas instâncias de poder político no país, tem como principal militância barrar qualquer tipo de avanço nas políticas públicas em relação a ampliação dos direitos humanos das mulheres, mostrando o seu total “desrespeito ao Estado Laico[1]

A religião cristã, e mais especificamente a Igreja, é uma instituição androcentrica, e com isso, perpetua uma ideologia de gênero baseada na compreensão que as diferenças biológicas entre mulheres e homens (órgão genital, gravidez, “força”, constituição de biótipo, etc) determinam de maneira desigual o lugar social de cada sexo.

As teorias políticas clássicas que deram forma ao que hoje chamamos de Estado, também tem seus fundamentos alicerçados no patriarcado.

Carole Pateman em O contrato sexual, discute gênero dentro da teoria política clássica, a autora apresenta uma análise da teoria liberal de Locke[2] e da teoria contratualista de Rousseau[3], identificando em ambas o ocultamento do contrato sexual, fato este que possibilitou aos homens o poder legítimo de controle e apropriação dos corpos femininos.[4]

A diferença sexual é uma diferença política; a diferença sexual é a diferença entre liberdade e sujeição. As mulheres não participam do contrato original através do qual os homens transformam a sua liberdade natural na segurança da liberdade civil. As mulheres são objetos do contrato. O contrato sexual é o meio pelo qual os homens transformaram o seu direito natural sobre as mulheres na segurança do direito patriarcal civil.[5]

Portanto, sendo historicamente a religião e a teologia, campos majoritariamente ocupados por homens, a política e o Estado também, logo, Igreja e Estado se sentem no seu “direito” legítimo e histórico, de se manter como instância que se apropriam e dominam os corpos femininos.

Vale destacar que, como uma reação ao chamado de princípio de processo de secularização (a religião não é mais a única instância produtora de sentido, ou/e que dá resposta a todas as questões da vida) durante os séculos XVI e XVII, aparece a necessidade da religião e da política se articularem com a ciência, com o objetivo de manter a legitimidade de seu discurso que naturaliza de maneira desigual a diferença entre mulheres e homens.

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Portanto, o Estado e a Igreja, como instituições de poder, baseadas e legitimadas a partir de um sistema de crenças e práticas, não só exercem a violência contra as mulheres, como também criam meios de reproduzi-la.

E por isso, toda e qualquer mulher que reivindicar a ampliação dos direitos humanos das mulheres, para a lógica androcêntrica, para a Igreja e para o Estado, essa mulher está reivindicando algo que fere a “natureza” da “ordem social”.

A reivindicação por um Estado laico de fato, é a busca por um Estado que trate as mulheres como cidadãs plenas, com seus direitos garantidos e assegurados.

É uma reivindicação que procura o estabelecimento do debate democrático sobre o tema dos direitos sexuais reprodutivos, e a eliminação de toda a interferência de uma moral sexual religiosa específica nas decisões voltadas a ampliação dos direitos e de políticas públicas voltadas para a promoção da equidade de gênero.


Referências

[1] CITELI, Maria Teresa; ROSADO NUNES, Maria José F. Violência Simbólica: a outra face das religiões. 1. ed. São Paulo: Cadernos Católicas pelo Direito de Decidir, UNIFEM. 2010. p. 7.
[2] LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo, SP: Martin Claret, 2004.
[3] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo, SP: Martin Claret, 2004.
[4] A compreensão do termo  “patriarcado, utilizada nesta dissertação baseia-se na definição advinda da década de 70, momento este denominado como “segunda onda” do feminismo. Neste sentido, o termo patriarcado denota “uma formação social em que os homens detêm o poder.” HIRATA, Helena, et.al., (Org.). Dicionário Crítico do Feminismo. São Paulo: Editora UNESP, 2009. 342 p.
[5] Ibid.  p.21.