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A mulher no Sikh Dharma

A mulher no Sikh Dharma

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Foto: Vitaliy Lyubezhanin

O historiador oficial da corte afegã, Qazi Norr Mahammad, relata, em 1765, algo intrigante: “esses Sikhs são estranhamente éticos. Eles sacaram suas espadas e atacaram a tenda. No momento em que entraram, todos paralisaram com suas espadas ainda no ar. Notei que eles haviam adentrado uma tenda de mulheres. Todas elas eram lindas e estavam ali para servir os soldados, vestiam-se com robes caros e portavam joias em ouro, diamante e pérolas. Eu então pensei que esses sikhs não poupariam nenhuma mulher e, certamente, depois de desonra-las, roubá-las-iam. Mas, para minha surpresa, eles colocaram suas espadas de volta na cintura ao ouvirem de seu líder as seguintes palavras: Khalsa Ji, esta tenda é de mulheres, vamos embora. Nenhuma mulher deve ser tocada”. O relato seguia: “Entre eles não há ladrões, não há adultério. Eles consideram seus inimigos seus iguais. Em batalhas onde fomos tristemente derrotados, caminharam até nossos feridos com água e médicos para prestar os cuidados idênticos àqueles que dão aos seus próprios. Eles respeitam todas as mulheres, mesmo as nossas.

Para eles, a mulher é sagrada e chamam-na de bhuddhya (sábia) e repudiam as formas costumeiras dos vencedores sobre os vencidos, quais sejam, o estupro e a escravização das mulheres”.

Quem é essa gente? Os Sikhs surgem com nascimento de um hindu de alta casta, Guru Nánâk, em 1469, durante o domínio Mogol na Índia. Os Sikhs se opuseram e se sacrificaram pela liberdade, justiça e progresso diante da tirania e a venceu.

Nesta época a sociedade era dividida entre hindus e muçulmanos. Os muçulmanos usavam da tortura e escravização da mulher para a conversão ao islã. A sociedade hindu, sob o regime de castas foi assim descrita pelo matemático persa Al-Biruni, no sec. 11: “Existem pelo menos 36 grupos sociais e, com exceção dos os Bhamans e Kashatrias, os demais vivem em pobreza abjeta. A condição dos intocáveis é desumana. Mulheres estão em condições ainda piores”.

Guru Nánâk ainda presenciou uma sociedade degenerada com abuso religioso, corrupção e violência. Aos 30 anos, ele proclama que todos seres humanos eram iguais, intitulados a viver dignamente, e cunha o termo “Ek Ong kar”, que define AKAL PURAKH (Deus) como Uma Única (Ek) Força Primal (Ong) Criativa (Kar).

Na visão do Guru Nánâk, indivíduos devem ser livres e soberanos para escolher sua fé. Deveriam ser educados para a construção de uma ordem social que garantisse os direitos humanos fundamentais. Ele aboliu de sua doutrina a escravização e coisificação da mulher e o sistema de casta.

Foi uma revolução. Ameaçou tiranos e patriarcas. Nas cidades construídas por sua comunidade surgiu esperança para excluídos e abusados, humildes e fracos. Guru Nánâk criou a ordem Sikh (aprendizes) e advogou a causa da justiça e da inclusão até sua morte. Em suas várias viagens, ele chegou até Roma para participar do Conclave de 1518 junto ao Papa Leão X (www.sikhnet.com). Nesta ocasião, o Papa instruíra todos os cristãos a seguirem os passos de Nanac, a quem ele denominou “o Pai de nossa raça”. Guru Nánâk pedia ao Papa pelo fim da escravidão e pela paz no mundo. Nos jardins sul da Basílica de São Pedro vê-se uma medalha do Guru Nanak inscrita com ੴ, que significa “Ek Ong Kar”.

A universalidade de sua mensagem fez com que ele se tornasse o Lama Nánâk para budistas, o Majid Nánâk para muçulmanos, e o Baba Nánâk para hindus. Guru Nánâk trabalhou na terra e criou sua família. Seu testemunho espiritual na cidade, ao contrário das cavernas, lhe rendeu o mérito de provar que, a sabedoria alcançada em meio ao caos era necessária, pois o praticante serviria como um catalizador desperto a serviço de uma sociedade livre de coerção religiosa, prisões sociais e opressão política.

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Em suas cidades, ele instituiu Sangat (comunidade), Langar (oferecer comida gratuita e fresca a todos), Sadhana (Kundalini Yoga e meditação), Shabd Guru (vibrar o Som Primal) e Educação. Para ele, a educação é um direito, particularmente para as mulheres. As mulheres deveriam ser tratadas com honra e respeito, e seus agressores punidos pela lei. Para ele, a maior religião de todas era congregar pessoas de uma mesma consciência e não de uma mesma fé, para servir ao bem comum e ao progresso de todos os seres.

Uma silenciosa revolução do espírito teve início, uma revolução interna. Cidades e comunidades se formaram onde pessoas de diferentes religiões viveram em harmonia e trabalharam juntas. Mulheres receberam educação e foram enviadas para várias regiões para ensinar outras pessoas. O trabalho era feito por pessoas de diferentes castas, e seus ganhos garantiam o lazer e as conquistas sociais de todos. Hoje, aqui estamos nós carregando a tocha acesa pelo Guru Nánâk há 500 anos. Aquilo que começou como uma revolução da consciência, um movimento de igualdade social e econômica, de inclusão religiosa e tolerância, continua sendo esculpido por nossas mãos. O trabalho precisa continuar.

O maior propósito na vida de um praticamente do estilo de vida do Sikh Dharma é obter o substrato espiritual e reconhecer que a consciência divina está presente em todos os seres. Esse desafio é grande, porque implica agirmos com empatia em situações e com pessoas que não são “divinas”, muito pelo contrário. É justo dizer que a empatia e a compaixão não são princípios filosóficos, mas um estilo de vida.

Para mim, o mais impactante dos Ensinamentos do Guru Nánâk foi entender que não sou o resultado do meu passado. Eu não sou o meu passado melhorado, piorado, aprisionado, resolvido ou mesmo, superado. Eu sou meu futuro. Eu estou à frente do meu tempo. Eu me empenho em juntar luminosamente meu agora com o meu amanhã. Eu afasto qualquer sinal de vitimização ou lamúria sobre o meu hoje. Hoje eu sou o meu amanhã!