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O Estado Laico e a liberdade de crença

O Estado Laico e a liberdade de crença

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Uns são de aleluia, outros de axé, alguns vão de salve a Rainha, e todos eles são de fé.

O Brasil é mundialmente conhecido como um país cuja a população é marcada por uma ampla miscigenação étnica, cultural e religiosa. Sabemos, ainda, que trata-se de um povo de fé, e que todos esses credos estão envoltos em uma única finalidade: aproximar o indivíduo ao que ele chama de Deus, Jeová, Zambé, Pai Celestial, Criador ou qualquer outra nomenclatura que essa pluralidade nos permite mencionar.

A contrário senso, temos uma população composta por mais da metade de indivíduos quem têm em sua genética componentes indígenas e africanos, porém, esse número não corresponde ao montante de pessoas que professam a fé em religiões de matriz africana, por exemplo. Isso se dá, talvez, pelo memorado domingo de abril de 1500, na praia da Coroa Vermelha, no litoral baiano, onde a primeira missa católica foi celebrada pelo frade e bispo português Henrique de Coimbra, afastando, aos poucos, os nativos do solo brasileiro da sua crença original.

Pouco importa, neste enredo, quais as causas e consequências dessa grande mistura religiosa que hoje compõem nosso povo, mas ela existe, deve ser preservada e essa responsabilidade cabe ao Estado, que por sua vez é àquele competente para ser o grande protetor do bem-comum e das liberdades.

O atual regramento constitucional, dispõe que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias.

Há de se destacar que liberdade de consciência não é sinônimo de liberdade de crença, pois o primeiro orienta-se no sentido de estar livre, inclusive, para não crer em coisa alguma, ao passo que o segundo termo (liberdade de crença), volta-se para a ideia de poder escolher uma religião ou até mesmo migrar de uma para outra. Neste caso, observa-se claramente o dever positivo que o Estado possui de resguardar não somente a liberdade subjetiva de cada um, mas assegurar o exercício dos cultos e liturgias de forma ampla.

Ademais, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 19, inciso I, aduz que é vedado ao Poder Público estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público. Aqui, neste comando constitucional, reside a laicidade do Estado, onde não há religião oficial em todo território nacional e, para além disso, não há de se falar em ligação direta entre o ente federativo a uma determinada religião ou seita.

O exercício da espiritualidade, seja ela qual for, deve ser visto sob a égide do direito à liberdade de ser, conhecer e professar a fé sem amarras do Estado. Manter intacto e legítimo esse direito de primeira dimensão é, sob todas as coisas, um objetivo democrático, uniforme e obrigatório. O Poder Público deve abster-se de entrar nos pormenores da crença de seus administrados, numa verdadeira eficácia vertical de direitos fundamentais.

Outro aspecto relevante é a polêmica imunidade tributária que gozam as religiões e os templos de qualquer culto no tocante aos bens e serviços voltados às suas finalidades ritualísticas e litúrgicas. Tal norma de desoneração nada mais é que um exemplo de defesa do direito à liberdade de crença e não compromete a laicidade do Estado, pois gera um direito de “não incomodação” pelo ente tributante (o Estado) para com o beneficiário (as instituições religiosas), pois muitos templos e instituições estariam fadados ao fechamento caso tivessem a obrigação de pagar impostos, em virtude do poder aquisitivo de seus fiéis, número de adeptos daquela crença, entre outros aspectos que impossibilitariam o acesso àquele determinado credo ou ritual, o que impossibilitaria no campo prático o exercício da liberdade de crença.

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A espiritualidade é uma marca da existência humana e a negação da defesa da liberdade de crença enfraquece a estrutura de um Estado democrático.

Casa-se, portanto, a ideia de Estado laico com a liberdade de crença, interligando-se no sentido de trazer à tona todas as liberdades que um indivíduo deve possuir num Estado Democrático de Direito, pois é com ela, apenas com ela – a tal liberdade – que podemos chegar ao objetivo comum: primar pelo bom convívio de todas as pessoas, credos e ritos, fazendo dessa pluralidade um dever singular, a paz social.


Referência

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm/