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O Estado é laico, mas não ateu

O Estado é laico, mas não ateu

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No coração de Brasília, bem ao lado dos Ministérios, a Catedral Metropolitana se ergue soberba. Entre a cúpula e o altar, no subsolo, anjos suspensos sussurram a presença da fé – e da religião – nas tomadas de decisão do Estado. A favor da isonomia, talvez criem um Projeto de Lei que derrube alguns prédios ministeriais para soerguer templos de novas orientações doutrinárias. Quórum para isso não vai faltar.

A Bancada Evangélica do Congresso conta com 87 parlamentares, sendo 85 deputados federais e dois senadores. Os dados foram coletados em agosto de 2017 pelo Grupo de Pesquisa Mídia, Religião e Cultura (Mire) da Universidade Metodista de São Paulo. O estudo desconsidera os números de outras representações religiosas dentro da Casa Bicameral.

O levantamento do Mire aponta ainda que a maioria da Bancada Evangélica é composta por integrantes da Assembleia de Deus, com 26 parlamentares. Em segundo, aparece a Igreja Batista, com 12 integrantes. Ela vem seguida pela Universal do Reino de Deus, com 11 membros. Os presbiterianos também estão no Congresso, com seis políticos.

Com o crescimento dos evangélicos, outras Frentes Parlamentares Religiosas surgiram no Congresso brasileiro. Em 2015, foram fundadas duas delas, a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana, com 202 integrantes e a Frente Parlamentar Mista Católica Apostólica Romana, com 208. Ao todo, o Congresso tem 513 deputados e 81 senadores.

Embora as religiões não tenham, oficialmente, poder de voto, os discursos religiosos perpassam inúmeras matérias que tramitam no Congresso, e ditam a posição dos parlamentares em suas decisões. Exemplo disso é o Projeto de Lei que cuida do reconhecimento legal de união estável entre pessoas do mesmo sexo, em tramitação desde 2011. Trancado por Medida Provisória, o marasmo político em torno do Texto acentua a detração sobre um recorte social que continua enquadrado nas chamadas minorias simbólicas.

Não por acaso o Código Civil Brasileiro ainda reconhece como entidade familiar “a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Isso significa que as comunidades LGBTs figuram em guetos marginalizados pelos políticos, que insistem em sustentar a ideologia patriarcal, centrada na persona masculina e dominadora do pater familias, criado pela tradição religiosa romana.

Um dos congressistas que mais se opõe aos direitos LGBTs é o deputado do Partido Social Cristão, Jair Bolsonaro. Membro da Frente Parlamentar Mista Católica Romana, ele desponta como um dos fortes presidenciáveis para 2018, liderando as pesquisas de intensão de voto quando os ex-presidente Lula é colocado de fora do pleito. A partir da fé – e da religiosidade – Bolsonaro não mede as palavras, incitando os discursos de ódio aos desviantes do padrão de sexualidade heteronormativo.

O perfil reacionário de Bolsonaro vem de longa data. Em março de 2011, durante o velório do ex-vice presidente José Alencar, o deputado atacou como um Pit Bull raivoso às perguntas dos repórteres. “Eu estou me lixando para esse pessoal. Criaram aí a frente parlamentar de combate à homofobia, frente gay aí. O que esse pessoal tem para oferecer para a sociedade? Casamento gay? Adoção de filhos? Dizer que se seus jovens, um dia, forem ter um filho, que se for gay é legal? Esse pessoal não tem nada a oferecer”.

E não para por aí. Dois dias antes da declaração homofóbica, no extinto CQC da Rede Bandeirantes, o deputado vociferou contra as mulheres negras. No quadro “O povo quer saber”, com perguntas previamente gravadas, Bolsonaro foi interpelado pela cantora Preta Gil, “Se seu filho se apaixonasse por uma negra, o que você faria?”.

O político não titubeou e armou-se até os dentes para responder à questão. “Preta, não vou discutir promiscuidade com quer que seja. Eu não corro esse risco, e meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o teu”. Todas as declarações do deputado ainda estão disponíveis na editoria de política do G1, em matéria de Nathalia Passarinho e Mariana Oliveira, publicada dia 30 de março de 2011.

As declarações de Bolsonaro não são isoladas. A ele, juntam-se outros congressistas que, em nome de religiões (encampadas por elas ou não), tentam justificar a afronta aos Direitos Humanos, estabelecidos em 1945 pelos signatários das Organizações da Nações Unidas. Conforme a instituição internacional, esses direitos “são garantidos legalmente pela lei de direitos humanos, protegendo indivíduos e grupos contra ações que interferem nas liberdades fundamentais e na dignidade humana”.

A Legislação dos Direitos Humanos obriga os Estados a agirem em conformidade com a dignidade humana, inerente a cada indivíduo. Se sob as bandeiras religiosas nasce a intolerância, também se contamina o laicismo a partir da premissa de que o Estado não é ateu. Com isso, promove-se um acinte ao respeito pela dignidade e o valor de cada pessoa, à universalidade dos direitos que condena discriminação a todas as pessoas.

Os discursos religiosos, quando determinam as tomadas de decisões políticas, profanam a o simples exercício da vida. Já que por si só travam uma batalha contra raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição que é intrínseca à condição do homem simplesmente pelo fato de ser homem e ter suas liberdades individuais garantidas por mecanismo jurídico internacional.