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Educar para o Ser: Habilidades e competências que resultam de uma Inteligência Espiritual

Educar para o Ser: Habilidades e competências que resultam de uma Inteligência Espiritual

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Habilidades e competências que resultam de uma Inteligência Espiritual

Foto: Animesh Basnet

Já dizia nosso patrono da educação Paulo Freire: “Educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante!”. Acredito que, se nossas escolas compreendessem esse pensamento, poderíamos avançar para atitudes mais profundas na nossa prática educacional. Quiçá, promoveríamos uma revolução de sentidos e diálogos em uma sociedade que vive de monólogos. Educamos nossos alunos para que? Para quem?

Pesquisas, como a feita pela consultoria Consumoteca, têm apontado que a geração Z (nascidos após 1990) é mais questionadora, apressada e ansiosa. Chegam ao mercado de trabalho extremamente capacitados, com um currículo acadêmico invejável, vivência internacional, conhecimento tecnológico de ponta, visão de processos e metodologias, mas com habilidades socioemocionais baixíssimas. Talvez, isso explique o interesse e o foco da nova BNCC que promete entregar pessoas mais bem preparadas para o mercado. Para o mercado? É isso mesmo? Bom, isso é papo para outro artigo.

Antes de avançar, é preciso pensar acerca dos dados de violência no Brasil, que são assustadores e a sua relação com a educação. Todos dos dias, morrem pessoas simplesmente pelo fato de ser quem são: negras/os, mulheres, religiosas/os, LGBTQIs. As redes sociais se tornaram espaço de conflitos, sendo, para tantos, impossível respeitar a opinião divergente. Nas redes sociais, o conceito de verdade assume uma perspectiva dogmática, que nada mais é símbolo do individualismo exagerado, fruto de uma sociedade que perde a cada dia o aspecto da vivência em comunidade e da verdade como uma construção coletiva que se faz no chão da vida. Nesse sentido, o filósofo italiano Gianni Vattimo, em sua obra Adeus à verdade, afirma que “a verdade em si é inimiga da sociedade aberta, e, especificamente, de toda política democrática”. Será que isso não diz nada sobre a nossa prática educativa, já que muitos dos que usam redes sociais como palavras-armadas-verdade, passam pelos centros educativos?  Que tipo de inteligência desenvolver para superar a violência e dar conta de conviver com as múltiplas faces das verdades construídas?

Uma grande contribuição para educação foi a Teoria das Múltiplas Inteligências de Gardner. Seu pensamento colaborou para uma melhor compreensão do conceito de inteligência. Ele identificou diversas inteligências: a linguística, a lógico-matemática, a espacial, a musical corporal e sinestésica, a intrapessoal, a interpessoal, a naturalista e a existencial.  Para ele, inteligência é capacidade de resolver problemas a partir das potencialidades neurais que podem ser ou não ativadas dependendo de muitos fatores, como o contexto cultural e familiar.

Nesse mesmo sentido, no livro Inteligência – um conceito reformulado, Gardner se referiu à Inteligência Espiritual como inteligência existencial ou transcendente, definindo-a como “a capacidade para situar-se a si mesmo em relação ao cosmos, em relação a si mesmo e em relação às características existenciais da condição humana, quais sejam, o significado da vida, o significado da morte e o destino final do mundo físico e psicológico em experiências profundas como o amor à outra pessoa ou a imersão em um trabalho de arte.”

Danah Zohah, uma das escritoras mais conhecidas nesse debate sobre a “Inteligência Espiritual”, apresenta essa inteligência, como a capacidade de solucionar problemas de sentido e valor, sem nenhuma conexão necessária com a religião. Essa contribuição e descoberta, colabora para pensarmos compreensões sobre o papel da educação na formação do ser. Colaborando para que que os educandos encontrem respostas e soluções para própria existência. Aprendendo a conhecer, a ser, a fazer e a conviver.

Inteligência Espiritual, como uma inteligência que posiciona o eu frente ao outro de maneira a questionar sentidos,e, relativiza esse conceito de verdade, pronto, acabado, dado. Isso porque ela, ao situar o ser humano, percebe que o que é afirmado o é desde um ponto de vista e percebe também que a afirmação que o outro faz é também relativa ao lugar desde onde afirma algo.

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A inteligência espiritual postula a verdade como algo relacional e, também, como capacidade de construir sentidos abertos para a vida, para a convivência. Diante da crise que a geração Z põe para o mercado de trabalho, diante de sua alta especialização acadêmica e sua precária preparação para conviver, o desenvolvimento de uma inteligência espiritual poderá mover os educandos em direção a habilidades e competências que, por anos, uma educação bancária sonegou aos educandos de maneira a gerar os limites que os profissionais de hoje têm.

Para isso, é preciso educar para habilidades e competências que possibilitem impregnar não só o fazer escolar, como todas as dimensões da vida humana de sentido. Assim sendo, é necessário desenvolver habilidades que movam para o desenvolvimento de competências de comunicação, em que o educando se expresse, partilhe informações e ideias e sentimentos para produzir sentido e entendimento mútuo; de trabalho e projeto de vida, para entender o mundo do trabalho e fazer escolhas de vida que proporcionem uma vivência cidadã, liberdade, autonomia, criticidade e responsabilidade; de argumentação, para formular e negociar ideias, desde uma compreensão de verdade como constructo humano, com base nos Direitos Humanos; de autoconhecimento e autocuidado, a fim de cuidar-se e se responsabilizar pelo desenvolvimento sadio de sua corporeidade; de empatia e cooperação, para respeitar o outro e se respeitar, desenvolvendo senso de alteridade e diálogo para a resolução de conflitos; de responsabilidade e cidadania, para tomar decisões com critérios democráticos, éticos e inclusivos.

Uma educação com base nas múltiplas inteligências, sem negligenciar a inteligência espiritual, poderá possibilitar essa construção de sentido, de coletividade, do qual nossa sociedade está carente no momento. Para isso é preciso revolucionar a educação bancária à qual estamos acomodados. É preciso repensar os fluxos de ensino, as maneiras de lidar com os conflitos na sala de aula, com a indisciplina, com a maneira com que os educadores dialogam com o mundo tecnológico. É preciso de uma educação que se pense para além do lucro dos grandes grupos econômicos e se redescubra possibilidade de uma revolução criativa e criadora de sentidos para outro mundo possível. É preciso acreditar no que se faz e no mundo que se quer, para além do dado.