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Conhecer para respeitar: sobre conviver com as diferenças

Conhecer para respeitar: sobre conviver com as diferenças

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Desafio aceito, vou tentar escrever um pouco sobre meu olhar, enquanto candomblecista, sobre como conviver com as diferenças, principalmente quando essas diferenças nos oprimem tanto, nos apedrejam, queimam e destroem nossos sagrados. Para me dar um pouco de inspiração, coloco-me a ouvir a música “DIVERSIDADE” de Lenine. Me chama a atenção dois parágrafos:

“Se foi pra diferenciar
Que Deus criou a diferença
Que irá nos aproximar
Intuir o que Ele pensa
Se cada ser é só um
E cada um com sua crença
Tudo é raro, nada é comum
Diversidade é a sentença
A humanidade caminha
Atropelando os sinais
A história vai repetindo
Os erros que o homem trás
O mundo segue girando
Carente de amor e paz
Se cada cabeça é um mundo
Cada um é muito mais”

Embora seja complexo e desafiador, conviver com a diversidade é um imperativo inseparável da promoção dos direitos humanos, o que implica, entre outros pontos, o respeito e o reconhecimento das diferentes formas de religiosidades, tradições e movimentos religiosos, bem como daqueles que não professam religião alguma. As instituições educativas podem contribuir para a promoção da diversidade e dos direitos humanos ao desenvolverem práticas pedagógicas que exercitem a sensibilidade diante de qualquer discriminação religiosa.

Conhecer, respeitar e conviver: porque parece ser tão difícil? Acredito que a dificuldade maior, é cada um perceber que o sagrado que carrega consigo não precisa ser maior que o do outro. Nossa atitude pode ser  parecida à dos hindus que, sabiamente, dizem “Namastê – O Deus que habita em mim, saúda o Deus que habita em você”. Essa deveria ser sempre nossa atitude diante do que é diferente: deixar que meu sagrado respeite, louve, se alegre com o sagrado do outro. Não tentar impor que um está certo e o outro errado, ou tentar fazer que minha fé, meu sagrado seja soberano, seja o verdadeiro “divinizado”. Conhecer para respeitar, respeitar para conviver.

Porque a bíblia dos cristãos tem de ser mais sagrada que a Torá, o Alcorão? Porque a pia ou piscina batismal do evangélico é mais sagrada que a cachoeira de Oxum da religião de matriz africana? Porque o seu sagrado e sua fé tem de ser a verdadeira e o Deus que trago no meu coração  e na minha experiência religiosa um falso? Porque tenho que acreditar em seus diabos, em suas crenças, quando a minha me faz feliz e um bom ser?

O grande desafio sem dúvida alguma ainda é e continuará sendo: CONHECER, RESPEITAR, CONVIVER.

A NECESSIDADE DE RESPEITAR O OUTRO

Vivemos em um mundo plural: diferentes religiões, crenças, costumes, gostos, etnias. Diversas coisas que nos separam em “classes” e que acabam afastando grandes ideias de se moverem pelo mundo. Uma ideia pode simplesmente mudar tudo o que está à sua volta. A ideia tem de ser “revolucionária” e essa revolução está em cada vez mais aceitarmos a diferença de outra pessoa e a compartilhar o que existe em meio a essa diferença.

O grande desafio é fazer com que as pessoas não usem as diferenças com o intuito de julgar e ou subjulgar, mas sim, de promover um encontro entre as diferenças. As diferenças sempre existirão, mas se cada um fizer a sua parte, conhecer e respeitar o sagrado do outro, superando a ideia de certo e errado, elas irão se enfraquecer, até o ponto de que as tentativas de “salvar a fé” serão deixadas de lado e o compartilhamento das ideias se fará grande e necessário para que a convivência harmônica seja realmente um fato real e existente em nosso mundo.

Hoje, sem dúvida, as religiões de matrizes africanas são as mais perseguidas, mais combatidas e mais “demonizadas” em nome de uma fé “verdadeira e única”. As casas (ilê e/ou Terreiro) de Candomblé, Umbanda e Omolocô, para citar somente três tradições, são alvos constantes de destruição e desrespeito. São invadidos, seus sagrados quebrados e queimados, seu Povo de Santo apedrejado, considerados adoradores do diabo. Ressalto aqui que o Diabo é uma entidade cristã, portanto só os cristãos acreditam nele, mas acho que pode ser tema para uma outra pauta.

Mas essa “intolerância”, (peço licença para não usar mais essa palavra, pois não quero ser tolerado, mas sim, respeitado. Sendo assim, de agora em diante, usarei “desrespeito”). Voltando, esse desrespeito também acontece dentro das religiões de matrizes africanas para com as religiões cristãs. De tanto serem alvos de seus ataques já não confiam mais, já os veem sempre como inimigos. Colocar numa mesa de negociação todas as diferentes religiões se torna um meio desafiador, “quase” impossível, de se promover o verdadeiro ecumenismo, onde os diferentes habitarão em harmonia a casa comum.

Já vimos o que uma diferença entre etnias pode fazer: gerar uma guerra a nível mundial, isso por não ter a aceitação de uma diferença entre os povos. Na verdade, os problemas do mundo quase que se reduzem a não compreender as diferenças, o que gera o conhecido preconceito. Viveremos sempre em guerra por defender as nossas diferenças como as ideais.

O mundo chegou a uma espécie de caos, onde cada um quer se impor sobre o outro, impor suas verdades, sua fé. Vivemos em um mesmo mundo em que qualquer mudança pode afetar a todos, então torna-se necessário provocarmos a mudança em nós mesmos e em nossos pares, para que em breve o mundo seja diferente. Continuará sendo plural, mas com existindo respeito a essa pluralidade. A unificação de tudo, como pregam algumas religiões, não é e nunca será a melhor forma de resolver o problema do desrespeito. Querer que todos pensem da mesma forma simplesmente é destruir a diferença, que é essencial para que se aprendam a ouvir, ensinar e não julgar. As diferenças oferecem acesso a vários mundos, nos quais aprendemos e vivemos de formas diferentes (conhecer). Assim adquirimos mais vontade de mudar o mundo ao lado de outras pessoas (respeitar), que também aprenderão conosco e replicarão o a atitude aos poucos (conviver).

São as diferenças que nos aproximam, assim como a extrema semelhança não atrai curiosidade para o desconhecido. Se tudo for monótono e igual, simplesmente perde a graça e o sentido. Pense a respeito.

Encerro com um trecho de uma música de Almir Sater e Renato Teixeira, que nos leva a refletir: se nos reconhecemos diferentes, nos permitimos ser o diferente num mundo plural, mais ecumênico, com isso encontraremos a felicidade, e gente feliz “não enche o saco”, não persegue, não “apequena o outro”.

“todo mundo ama um dia,
todo mundo chora,
um dia a gente chega,
e o outro vai embora,
cada um de nós compõe a sua história
cada ser em si carrega o dom de ser capaz
e ser feliz.”

Conhecer, respeitar e conviver. A diferença que hoje nos separa, pode ser a que amanhã nos unirá.