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Interdisciplinaridade: contribuições para a escola

Interdisciplinaridade: contribuições para a escola

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Esse texto é fruto da palestra proferida no dia 05 de outubro de 2020, no curso de pedagogia da PUC Minas cujo tema discutia a interdisciplinaridade em Ciências da Religião e está disponível no canal do Youtube do curso. No entanto, nos atemos no presente texto situar a discussão acerca da interdisciplinaridade, enquanto método e sua contribuição para a escola.

Numerosas são as publicações que discutem e atestam os conceitos de disciplinaridade e interdisciplinaridade. Em nossa pesquisa, percebemos o termo interdisciplinaridade associado comumente ao estudo no âmbito da educação, especialmente a formação de professores, mas perpassando também diversas áreas de conhecimento, destacando-se a pedagogia, química, psicologia, moda, matemática, saúde etc. Ou seja, muitos dos trabalhos estão voltados à grande área da educação, de forma prática e teórica, uma vez que não é novidade que a interdisciplinaridade tem sido um termo bastante utilizado no contexto educacional.

Entendemos que para se compreender o conceito de interdisciplinaridade mostra se crucial o entendimento da história da ciência. Uma vez que, as teorias sobre a disciplinaridade e da interdisciplinaridade surgem em revisão de literatura na medida em que a discussão parte dos pressupostos de uma ciência moderna e contemporânea.

Desse modo, denominamos de ciência moderna o período que se estende do início do século XVII até o final do século XIX, durante o qual uma verdadeira revolução conceitual e metodológica estabeleceu as bases sobre as quais se desenvolveu o conhecimento científico. Sobre isso, destaco as contribuições de nomes consagrados da história da ciência, a saber: Francis Bacon (1561-1626), Galileu Galilei (1564-1642), René Descartes (1596-1650) e Isaac Newton (1643- 1727). Esses autores, dentre outros, tiveram um papel importante no processo de construção da ciência, e de suas bases metodológicas. Nesse sentido, ao longo de seu percurso a ciência recebeu influência de várias concepções filosóficas. Entre as correntes de maior impacto e longevidade na construção da ciência encontra-se o positivismo, caracterizado pela ideia de uma ciência linear e cumulativa.

Destarte, a passagem entre os séculos XX e XXI é considerada como o marco teórico da ciência contemporânea. A ciência do século XXI alterna, em sua produção de conhecimento, princípios da cientificidade moderna, tais como linearidade e causalidade, aos sintomas contemporâneos (Latour, 1994) e seus questionamentos em relação a uma ciência neutra de ideologias. Tais sintomas contemporâneos, segundo Latour (1994), têm o potencial de apresentar a ciência como uma forma de produção científica humana, desestabilizando, dessa forma, a concepção de uma ciência neutra e legitimadora de verdades às quais a sociedade se submeteu. Assim sendo, os seis grandes ramos da ciência fundamental contemporânea (matemática, astronomia, física, química, biologia e sociologia) se desenvolveram em ritmo acelerado, seja nos campos prático e conceitual, no caso da matemática, da astronomia e da física; seja na própria estruturação enquanto objetos da atividade científica, caso da química, da biologia e da sociologia.

Ocorreram também fusões entre as ciências, fazendo surgir novos campos de estudo, como a astrofísica e a bioquímica, por exemplo. Ao mesmo tempo, houve também o desenvolvimento de áreas científicas como geologia, antropologia, arqueologia, psicologia entre outras, ampliando o campo do conhecimento, a partir de metodologias e procedimentos científicos que foram importantes para o entendimento dos fenômenos naturais, dos fenômenos da sociedade e da espécie humana. Outra característica do período, que também foi responsável pelos avanços científicos, tanto teóricos quanto práticos, foi o fortalecimento do espírito científico na comunidade científica.

Nas referências voltadas ao estudo da ciência se faz necessário ainda resgatar os textos clássicos da história da humanidade desde os de matrizes gregas, especialmente os de filosofia. Infelizmente, devido à escassez de tempo e páginas, não poderemos nos estender a cerca desse necessário assunto, mas deixo registrado a extrema relevância no sentido de uma leitura complementar.

Retomando a ideia, saliento que alguns aspectos históricos contribuíram para o desdobramento de um saber científico caracterizado por marcos específicos, tal qual propõe a disciplinaridade, assim como em outros contextos se fez necessário pensar em propostas integradoras, tal qual propõe a interdisciplinaridade. Assim sendo, concluímos que até então acreditava-se que o conhecimento tinha um fim em si mesmo; mas a partir daí passou-se ao reconhecimento que a ciência deveria ser útil à humanidade.

Não obstante, é importante sinalizar que o conceito de disciplina é distinto de ciência. A história da ciência é vasta e anterior ao método disciplinar. Segundo Alvarenga et al., (2011, p. 13) ao se considerar a crítica que se faz a ciência1Edgar  Morin, por exemplo, entende que a ciência centrada em disciplinas tem como pressuposto ignorar o que está “entre e além” das fronteiras disciplinares., especialmente aos seus limites disciplinares e princípios passou-se a indicar a importância e os desafios para o reconhecimento da interdisciplinaridade como forma alternativa de produzir conhecimento científico, diante da complexidade do mundo contemporâneo.

Não se trata, pois, de superação do conhecimento disciplinar, sob qual se funda tal modelo, mas de reconhecer a pertinência e relevância de outro modo de fazer ciência, de gerar conhecimento, sobretudo porque a realidade nem sempre pode ser enquadrada dentro do universo de domínio disciplinar. (ALVARENGA et al., 2011, p.13).

É importante realçar que não somente pela diversidade de disciplinas se caracteriza a interdisciplinaridade. Ela está presente, sobretudo, no intercâmbio teórico metodológico entre as disciplinas. Não está associada à ideia de uniformidade e homogeneidade. Trata-se de uma ação que não elimina as contribuições individuais da disciplina, mas que se integra a elas.

Nesse sentido, a interdisciplinaridade surge como uma crítica ao método disciplinar e apresenta-se a partir dos anos de 1960 a comunidade acadêmica como uma alternativa ao conhecimento objetivo proposto pelo método disciplinar.

Enquanto método, a interdisciplinaridade tem a função de corrigir a compreensão equivocada da fragmentação das disciplinas aproximando saberes. Uma vez que as disciplinas são dependentes do progresso da ciência, ou seja, elas são legitimadas a partir das necessidades sociais em detrimento do progresso das teorias científicas, caso contrário “as disciplinas quando se tornam partes fixas e inflexíveis dos currículos, imobilizam os avanços científicos e pedagógicos.” (PAVIANI, 2014, p.16). Ou seja, para uma ação interdisciplinar é necessária a problematização do processo teórico e metodológico a que ela se refere e se impõe e principalmente no “lugar” que ela se realiza, uma vez que, a interdisciplinaridade poderá ser executada na escola, na universidade e no exercício profissional de docentes ou não.

De acordo com Paviani (2014, p.19) no caso da escola “requer planejamento institucional e uma organização curricular adequada, já no exercício profissional, pode ser executada quando se buscam a sistematização do conhecimento proveniente de diversas áreas do conhecimento para se resolver problemas reais.

Isto é, a complexidade do mundo contemporâneo se refere a um indicador importante para o reconhecimento da interdisciplinaridade como alternativa de produzir conhecimento. Pois, não se trata da superação do conhecimento disciplinar, sob o qual se orienta nosso currículo escolar, mas sim de reconhecer a pertinência e a relevância do modo de fazer ciência, gerar conhecimento, sobretudo porque a realidade nem sempre pode ser enquadrada dentro do universo disciplinar.

Para a pedagoga Ivani Fazenda, estudiosa da interdisciplinaridade no Brasil, ainda nos dias atuais não foi possível chegarmos a um consenso do conceito de interdisciplinaridade que o tornasse cientificamente único e estável, mas é possível concentrar nossos esforços no sentido de uma compreensão que possa ser construída e consolidada no objetivo de uma ação. Isso quer dizer que embora haja distinções terminológicas inúmeras, o princípio delas é sempre o mesmo: de compreender que a interdisciplinaridade se caracteriza pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa, como postulou Japiassu na precursora obra Interdisciplinaridade e patologia do saber.

O desafio da interdisciplinaridade é responder e subsidiar o saber complexo da ciência contemporânea. Pois é preciso transpor e avançar além das fronteiras disciplinares. A convergência rumo a interdisciplinaridade só é possível após a organização sistematizada da epistemologia disciplinar. Nesse sentido, a disciplinaridade trata o conhecimento com marcos conceituais, métodos e procedimentos distintos, pois a disciplinaridade pode ser interpretada como uma finalidade didática e pedagógica.  Enquanto que a interdisciplinaridade está presente, sobretudo, no intercâmbio teórico metodológico entre as disciplinas.

Vale ressaltar que, em sentido prático,  a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) que consiste em ser um documento brasileiro, de caráter normativo, que define o conjunto orgânico e progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ao longo das etapas e modalidades da Educação Básica e Ensino médio, de modo a que tenham assegurados seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, em conformidade com o que preceitua o Plano Nacional de Educação (PNE), que preconiza que as competências e habilidades  expressas é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho.

Sendo assim, partimos do pressuposto que a explicitação das competências oferece referências para o fortalecimento de ações que assegurem as aprendizagens essenciais definidas na BNCC. Portanto, nossos esforços enquanto docentes devem estar concentrados em produzir materiais de estudos com atualizações envolvendo as competências para os estudantes de acordo com a BNCC.

Nesse sentido, cabe recordar que, para Ivani Fazenda (1994), a interdisciplinaridade não é apenas uma categoria do conhecimento, mas sim uma ação metodológica. Posto isso, entendo que as escolas devem proporcionar uma estrutura que prepara o estudante – futuro profissional – suficientemente no quesito da sua formação especializada, mas que o mantenha sempre em contato com os conhecimentos gerais, incentivando atitudes reflexivas e críticas do conhecimento e sempre favorecendo e mediando o acesso ao campo e a transposição do conhecimento. E dessa forma, compreenderemos que falar de uma educação interdisciplinar é dizer que nela é fundamental o ser humano.

À vista disso, além da necessidade de integrar currículos é necessário integrar o objeto de conhecimento, pois é a partir das representações que os indivíduos fazem de sua realidade, que agem sobre ela e que se constroem. Como resultado, enriquecem o saber e aprendem.

É necessário ainda não perder de vista, portanto, que é de suma importância fomentar a formação contínua dos profissionais da educação e nessa perspectiva nossos governantes devem pautar a educação com o zelo que merece.  Pois, de tudo que foi dito até aqui, enfatizo que o método da interdisciplinaridade não pode ser entendido nas propostas pedagógicas como suplementar ou condicionante ao currículo. As reflexões interdisciplinares apontam que as colaborações teóricas e metodológicas a partir de outras disciplinas devem ser buscadas desde seu início, mas cientes de que não é possível que exista a interdisciplinaridade sem a peça chave que é a disciplinaridade.

 

 VEJA TAMBÉM
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Referências

ALVARENGA, Augusta et al. Histórico, fundamentos filosóficos e teórico-metodológicos da interdisciplinaridade. In: PHILIPPI JÚNIOR, Arlindo. SILVA NETO, Antônio. (org.). Interdisciplinaridade em ciência, tecnologia & inovação. Barueri: Manole, 2011.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Didática e Interdisciplinaridade.  São Paulo: Papirus, 1998.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade: qual o sentido? São Paulo: Paulus, 2003.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. São Paulo: Papirus, 1994.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Interdisciplinaridade: um projeto em parceria. 3 ed. São Paulo: Loyola, 1995.

FAZENDA, Ivani Catarina Arantes. Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: Efetividade ou ideologia. 6ª ed. São Paulo: 2011.

LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaios de antropologia

simétrica. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.

PAVIANI, Jayme. Interdisciplinaridade: conceitos e distinções. Ed. rev. 3. Caxias do Sul: Educs, 2014.

Notas

  • 1
    Edgar  Morin, por exemplo, entende que a ciência centrada em disciplinas tem como pressuposto ignorar o que está “entre e além” das fronteiras disciplinares.