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Sobre Religião e Política

Sobre Religião e Política

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Existir é um ato político. E, em cada modo de existir se projeta uma forma de humanidade que se quer construir. Esse modo de existir, pelo menos quando falamos de realidade brasileira, envolve, necessariamente, as crenças, religiões e práticas religiosas das pessoas. Enquanto em alguns países europeus se fala de ocaso das religiões, por aqui, aproximadamente 87% da população, segundo os dados do último Censo do IBGE (2010), se dizem pertencentes, ao menos nominalmente, a uma igreja cristã. Isso sem falar das outras pertenças religiosas presentes em nosso campo religioso, o que nos torna um país altamente religioso, pelo menos do ponto de vista numérico.

Isso faz com que, sobretudo em um período eleitoral, as pautas políticas sigam certa pressão, ou mesmo orientação religiosa. Ou seja, as religiões são, também elas, atos políticos, já que seus atores atuam, também no campo da política, inclusive partidária. Isso, dentro de um Estado que se pretende democrático e de direito, é, no mínimo, um risco. Tanto que se tentou criar um mecanismo que garantisse que, nessa democracia, minorias religiosas, étnicas, sexuais, de gênero tivessem suas liberdades individuais garantidas, de modo a ter reconhecida a sua dignidade como ser humano.

Contudo, o aparato legal parece não garantir que esse reconhecimento, de fato, aconteça. Isso porque as religiões, no caso brasileiro entenda-se o cristianismo,  tentam, por meio de seus fiéis ou mesmo líderes religiosos, impor como leis e políticas de Estado convicções que são parte de seu corpo dogmático e moral, o que, em tese, fere o artigo V, inciso 6º da Constituição de 1988, que propugna a liberdade de crença e pensamento. Este artigo é, inclusive, invocado por religiosos como um garantidor da interferência das religiões, com seus dogmas e valores, na vida privada dos cidadãos. A justificativa é de que existe uma maioria de pessoas de crença cristã e que a democracia nada mais é do que a maioria se impor sobre a minoria.

Assim, a política passa a ser uma serva da religião, que vislumbra a construção de uma nação cristã, onde o poder esteja não nas mãos do povo, mas que seja exercido sob a orientação de pastores, padres e bispos. Lideres religiosos, colocam-se acima da lei e da constituição, para fazer valer seu projeto de poder político, de legislar sobre os corpos e a moral. Se o cristianismo falhou como Igreja, que se reafirme como poder político. Voto de cajado, de báculo, de púlpito: assassinato do Estado Democrático de Direito.

Ainda sob inspiração religiosa, há grupos que, olhando os valores de aceitação da diversidade que existe em suas tradições, antagonizam a construção política com os grupos antidemocráticos. Não, nem todo religioso quer impor seus dogmas e suas morais. Talvez esses, um pouco secularizados, aceitem que a diversidade é uma realidade que está aí, e que pessoas fazem parte desse multiverso e que é preciso respeitar a todas e todos se se quer, minimamente, conviver em algum tipo de paz. Parágrafo pequeno para tratar desses grupos, talvez porque, neste momento, estejam como minoria.

Isso nos leva a olhar para as religiões e perceber sua ambiguidade, como a qualquer outra construção cultural humana. Elas, talvez, sejam reflexos de nós mesmos, de nossos fanatismos, sectarismos ou aberturas. Deus, ou deuses (se é que eles existem), talvez como estejam sendo cridos, nada mais sejam, como dizia Feuerbach, uma projeção, um agigantamento do que somos. Olhando o presente, talvez ele seja o agigantamento dos pequenos ditadores que existem em nós.

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Boa leitura.

Sandson Rotterdan
Editor Chefe