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O mal nosso de cada dia

O mal nosso de cada dia

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Vivemos em um tempo no qual a violência, além de ser parte da preocupação de boa parte da das pessoas, também subsiste no imaginário do todas/os, sobretudo aquelas que vivem nas grandes cidades.

E isso acontece porque realizar tarefas cotidianas, como ir ao ponto de ônibus para pegar a condução para o trabalho, faculdade ou casa, já deixa boa parte das pessoas preocupadas, com medo de serem assaltadas, e no pior dos casos, nem conseguirem chegar ao seu destino.

A vida parece pouco, mais exatamente, o valor de um celular, de um computador, de um carro e etc.

Quando a violência se manifesta dessa forma com qualquer um de nós, nosso pensamento “naturalmente” se volta contra os/as outros/as.

Pensamento este que de “natural” não tem absolutamente nada, a sociedade branca e burguesa, rotula, e nos ensina a cada dia que passa, ter mais medo, e mais ódio dos sujeitos suspeitos que ela constrói, que são na maioria dos casos, as pessoas de pele escura e pobres, fazendo a polícia não deixar passar nem crianças, se elas tiverem essas características!

E é nessa lógica que se criam discursos, imaginários e práticas de ódio, e assim, a violência que se atribui sempre para os/as outros/as, passa ser a de todos/as.

Ninguém está imune, ou ninguém é tão santo, para não ser um agente da violência e do mal em sua banalidade. O mal, por mais que se queira, não é uma realidade que está apenas no outro, mas ele é produto das ações de todos e de cada um, inclusive das “pessoas de bem”.

E é nesse dilema que a sexta edição da Revista Senso quer tocar e propor um debate crítico e maduro, porque acreditamos que há um mal que é nosso, há um mal do qual nós não somos somente vítimas, mas também agentes dele, sobretudo quando se envolve aqui a temática da religião.

As religiões fazem parte da vida de algumas pessoas, orientam os valores que vivemos, mesmo para aquelas pessoas que não possuem religião, por conta de como a nossa cultura foi influenciada por cosmovisões religiosas. A religião tem um “poder” que é capaz de transmitir valores positivos e negativos.

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Nas conversas informais do dia a dia, é comum a afirmação que as religiões devem/podem nos ajudar a ser pessoas melhores, a amar o próximo e por aí vai. No entanto, em tempos de redes sociais, não são poucos os casos de defensores da moral e dos bons costumes saírem em uma grande caça às bruxas, em nome de Deus. Tempos sombrios em que as religiões continuam aser usadas como armas. Não é raro o uso de textos sagrados religiosos para legitimar violências de todo tipo e, não raro, as vítimas dessa violência aparentemente embasada nas religiões, são minorias sociais.

No Brasil, aproximadamente 87% da população brasileira afirma-se pertencente ao cristianismo, religião esta que, não poucas vezes, é reconhecida por ser a religião do amor. No entanto, essa sociedade marcada por essa tradição religiosa é altamente preconceituosa com LGBTQIs, religiões de matriz africana, mães solteiras e afins.

Porém, é preciso reconhecer que, as religiões carregam também elementos pacificadores, e temos exemplos disso. Não são poucas as pessoas, conhecidas ou não, que, devido à sua experiência religiosa, saíram da zona de conforto para construir pontes de diálogo onde outros construíram muros de ódio e violência.  Por fim, a palavra editorial apresenta como provocação a este tema a ambiguidade que o mesmo carrega, entendemos que ela não é sinônimo de hipocrisia, mas de reconhecimento que o bem e o mal de cada dia, perpassam condições sociais que vão além de inclinações de caráter. Portanto, a ambiguidade das religiões é uma ambiguidade dos sujeitos religiosos, afinal as religiões são construções humanas.

Que a leitura deste número sirva como possibilidade de superar o mal nosso de cada dia.

Priscila Kikuchi Campanaro e Sandson Rotterdan
Editora e Editor Chefe