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Experiência de um pastor gay

Experiência de um pastor gay

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Ao se falar de “cura gay”, é inevitável não referenciar essa expressão a alguns grupos conservadores do cristianismo, especialmente, de vertente evangélica, que insistem em considerar as identidades não heterossexuais como um “desvio” de comportamento. Tal associação se justifica por conta dos intensos debates ocorridos nos últimos anos no cenário político brasileiro, envolvendo militantes do movimento LGBTQIA+ e religiosos que compõem a conhecida bancada evangélica.

Meu propósito, neste texto, não é discutir a performance desses atores religiosos no parlamento brasileiro em relação às pautas, agendas e reivindicações do movimento LGBTQIA+, mas, mostrar que há outros cristianismos que abraçam a diversidade e consideram sagrada as identidades não heterossexuais.

Minha trajetória religiosa, desde o nascimento, foi construída no contexto cristão, dentro de uma Igreja Batista. Comecei a perceber a minha homossexualidade na minha adolescência, mas isso não era impedimento para continuar envolvido com as atividades da igreja. Apesar desse envolvimento, a minha homossexualidade gerava uma mistura de sentimentos: prazer, temor, repressão, desejo, inquietação; quão incômodo era estar no armário, mesmo considerando que estar nele era mais conveniente, afinal, dentro de uma estrutura religiosa tradicional, a homossexualidade era e é lida como uma prática abominável que deve ser veementemente combatida.

Os conflitos vivenciados pelos LGBTQIA+ cristãs e cristãos apontam para os reflexos da teologia hegemônica construída ao longo dos séculos, no esforço de convencer os sujeitos dissidentes da “divergência” entre fé cristã e homossexualidade. Esse tem sido o meu desafio enquanto pastor de uma comunidade, de desconstruir essa teologia excludente, opressora, que nega o direito a esses sujeitos de professarem a fé cristã e de tomarem o símbolo da cruz como elemento de expressão de sua religiosidade. Uma das causas da angústia emocional e espiritual vivida por essas pessoas surge no sentimento de não negociarem suas identidades sexual e religiosa. Além disso, a crença em certas “verdades” tem causado que LGBTQIA+ carreguem essas dores.

Em 2015, iniciei minha caminhada com a Teologia Inclusiva, através da Comunidade Cristã Inclusiva do Salvador (COCIS). O início desta caminhada representou uma ruptura com a teologia tradicional proposta pelo cristianismo hegemônico. Estava convencido de que a minha trajetória pastoral percorreria um novo caminho. Sendo eu um gay cristão ou um cristão gay abri mão do exercício pastoral de uma igreja tradicional para caminhar com aqueles e aquelas que não se sentem confortáveis nos espaços religiosos em que a homossexualidade é concebida como pecado, e que são violentados e violentadas por um conjunto de discursos e práticas pastorais que tentam promover uma suposta “cura”.

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Estamos no mês de Junho, conhecido como o mês do orgulho LGBTQIA+, e como comunidade cristã celebramos a diversidade, oportunidade para reafirmarmos que todas, todos e todes são filhas, filhos e filhes de Deus. Falamos de “cura gay”? Sim! Não a cura da homossexualidade, mas a cura das mazelas, das feridas, das dores, das cicatrizes provocadas por estruturas, sistemas e práticas que roubam, matam e destroem, assim como o ladrão citado no evangelho de João.

A caminhada com a COCIS tem sido marcada pela afirmação da sacralidade dos corpos e sexualidades. Cada homem, cada mulher, com as suas identidades reflete a imagem do divino. Assim, participamos com orgulho, da nossa devoção e fé, sem negarmos o que realmente somos. Não divorciamos os nossos corpos, as nossas sexualidades da nossa espiritualidade.