Ecumenismo para além das instituições: Desafio necessário para tempos sedentos de diálogo!
Ódio e medo são geradores de dor, angústia, coação e polarização, características de um cenário bastante atual e que não parece promissor aos ideais nobres de liberdades individuais de poder ser, ir e vir. Dialogar nunca foi tão desafiador. Neste contexto, o ecumenismo surge como a possibilidade de traçar caminhos e alternativas imprescindíveis para a construção de uma sociedade justa e igualitária.
Destaca-se que que o ideal ecumênico, compreendido aqui, rompe com a tradicional interpretação da unidade cristã. Pontua-se um entendimento referente à etimologia do vocábulo grego, oikoumene (oikos) “casa habitável, casa comum”. Em um sentido amplo, nossa casa é nossa Terra, que, em si, é um universo de seres, pensamentos, cosmovisões crenças, convicções e possibilidades; um terreno fértil de ações, sentimentos e reações; um campo onde o diálogo ecumênico se desdobra consequentemente em algo além: diálogo inter-religioso, diálogo ético. No compreender do dialogar (como processo de escuta e fala) na sua mais pura essência, a diversidade se encontra na medida que olho ao meu lado e compreendo que o diferente não me ameaça mais; me complementa e, portanto, torna-me mais forte.
Mesmo que nesta linha de intepretação Jesus Cristo não se encontre no centro (para cristãos) a transcendência se evidencia nos ideais de amor e justiça, os quais são a finalidade desta união de forças e cosmovisões. Neste sentido, implica que todas as crenças sejam reconhecidas na mesma importância. O respeito e dignidade geram a possibilidade de uma perspectiva comum.
Somos resultados de uma história marcada por uma profunda disputa de poder, no qual as instituições religiosas e políticas protagonizam as imposições e conceitos atrelados aos papeis ditados sobre gênero e moral e que desencadearam ao longo dos séculos uma sociedade marcada por polarizações, medo, e tudo aquilo que hoje afeta drasticamente a população. O ódio permeia as relações e subjetividades. Se estamos em uma sociedade de ódio, onde está nosso papel? Somos omissos e coniventes em um ciclo contínuo de violência, ou realizamos um contraponto à série de violações de direitos cotidianos?
Sem fórmulas ou respostas absolutas e prontas, nota-se a necessidade de criar espaços de convívio. A juventude, neste aspecto, é fator fundamental pois transita em espaços diversos, e se coloca disposta a ser contraponto de uma cultura ou época. As religiões, de forma ambígua, por vezes dão espaços a fundamentalismos; contudo, em uma visão mais afirmativa, tem a capacidade de fortalecer laços comunitários, núcleos comunitários de amizade e solidariedade.
Ao perceber a fé como propulsora de uma cultura de paz e as juventudes, como protagonistas de uma geração, há assim uma grande chance de somar esforços rumo a uma possível alternativa onde a estima por se criar um espaço, uma casa comum, seja de fato possível, diante de uma práxis ecumênica como testemunho de vida.
Assim, surge a Mobilização Nacional, que, permeado pelo dialogo inter-geracional, promove espaços de convívio diante do eixo da diversidade religiosa e debate temas relacionados ao racismo institucional, gêneros e sexualidades, justiça socioambiental, laicidade do Estado, dentre demais estratégias de empoderamento local, regional e nacional. Seus seis Estados (Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Alagoas, Rio de Janeiro, Ceará, Pará) de articulação possuem mobilizadores dos segmentos anglicanos, luteranos, católicos, espíritas, hinduístas, candomblecistas, umbandistas e sem vinculação religiosa para proporcionar um ambiente de amizade e respeito possibilitando o debate motivado a partir de uma fé ou convicção que soma esforços rumo a uma cultura de paz, em atitudes concretas contra as várias formas de intolerância.
Desta forma, um modelo de ecumenismo para além das instituições religiosas parte da predisposição de cada uma e cada um em assumir uma postura de reverência ao sagrado do outro(outra), em um gesto recíproco de respeito ao perceber-se que na alteridade, existe um complemento ao próprio amadurecimento da fé.
Não se limita à imagem de um Deus, ou do amor, a uma instituição ou tradição de fazer ecumenismo, e sim se reconhece a diferença do outro – que complementa aquilo que não sou, mas, ainda assim, faz parte de mim ao coexistirmos juntas e juntos neste tempo, nesta época, neste planeta – portanto, uma casa realmente habitável só é possível onde a dor não prevaleça “onde a exclusão e intolerância sejam um desafio a ser superado”. (Mobilização RS, 2017).
E nessa medida, se o outro sofre, sofro junto, se há uma violação de direitos, sou convocado a lutar por justiça, a fazer do ecumenismo uma prática real de escuta e de reconhecer o sagrado no amor e dores da vida refletidos na diversidade.
Referências
Mobilização RS. Carta de intenções para a Mobilização Nacional. 23 de set. 2017. Mobilização RS. Disponível em: <mobilizacaors.org> . Acesso: set. 2017
Advogada. Bel.ª em Direito pela UNIVATES, (Universidade do Vale do Taquari), RS, (2015). Integrante da CREDEIR (Comissão Regional de Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso) - CNBB Sul III (2012 até o presente) e do GREDIRE (Grupo de Reflexão para Diálogo Ecumênico e Diálogo Inter-Religioso) da CNBB (2013 até o presente). Foi integrante do Comitê Nacional de Respeito a Diversidade Religiosa do Ministério de Direitos Humanos (2014-2019) e presidente do CONIC RS (Conselho Nacional de Igrejas Cristãs - Regional Rio Grande do Sul), (2018-2020). Atualmente é referencial em Ecumenismo e integrante do Conselho Pastoral da Diocese de Montenegro (Igreja Católica Apostólica Romana). Atua na RENADIR - Rede Nacional da Diversidade Religiosa e Laicidade (2020 até o presente). Graduanda em Teologia pela Faculdade La Salle (2021).