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Não basta tolerar, é preciso respeitar

Não basta tolerar, é preciso respeitar

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Neste 21 de janeiro de 2021, Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, gostaria de abrir uma discussão, inspirada no pensamento do filósofo e teólogo catalão Raimon Panikkar. Será que para combater a intolerância, basta gerar e promover a tolerância ou deveríamos ir mais além?

Há séculos que os seres humanos mais conscientes têm se dado conta de que não haverá meio de sobrevivência no planeta Terra, se não houver “paz religiosa”, “tolerância autêntica”, “respeito religioso mútuo e abertura sincera ao outro”. Sem esses elementos não será possível, “uma existência verdadeiramente humana”. Já dizia o teólogo Hans Küng que “não haverá paz entre as nações, enquanto não houver paz entre as religiões”.

No entanto, nosso desejo por paz teria sempre a necessidade de transformar a diversidade em um só grupo igual e de acordo com nossos critérios morais, religiosos, etc. Ou seja, há uma tendência a acreditar que uma só cultura é suficiente para demonstrar a totalidade da experiência humana que permanece até os dias de hoje. Já sofremos no passado e ainda sofremos tanto por causa dos fanatismos políticos, religiosos e culturais, que estamos legitimamente sedentos por uma paz universal. Esta tendência a buscar uma unidade das diferentes tradições culturais e religiosas, nos levaria a uma tolerância apenas superficial. Uma “real compreensão” do que nos é estranho estaria em outro tipo de atitude. Faz-se necessário o reconhecimento do pluralismo religioso, sem o qual “todas essas belas ideias” perdem o sentido.

No mundo de hoje, nenhuma religião pode continuar a ignorar as outras e viver isoladamente. É necessário coexistir. Entender que há um pluralismo, ou seja, uma diversidade religiosa é um primeiro passo para a tolerância. No entanto, se este entendimento está acompanhado por uma noção de que tudo é válido e de que não é possível chegar-se à verdade, esta tolerância passa a ser vista como indiferença. Tolerar é sinônimo de suportar. Então, ou eu te suporto ou sou, simplesmente, indiferente ao que você faz ou deixa de fazer. Eu não me importo.

É mais fácil ser tolerante quando a diversidade religiosa não nos afeta, quando não entra em conflito com nossas convicções, nossas próprias crenças e valores. No caso contrário, ou seja, quando tal diversidade atinge nossa própria visão de mundo, nossos valores religiosos e culturais é que se faz ainda mais necessário o segundo passo, que é mais profundo que a simples tolerância: o respeito.

O respeito começa assim que a prática do dia a dia nos obriga a tomar posição com relação à presença efetiva do outro, assim que a prática torna impossível evitar a convivência e que o conflito não pode ser resolvido pela vitória de uma das partes. O respeito deve aparecer assim que o conflito se mostra como inevitável.

Respeitar é, também, responsabilizar-se pelo outro, é acolher, ter consideração, atenção por quem está a nossa volta. E, para que isso aconteça, é importante conhecer o outro, entender sua forma de ver o mundo. Muitas vezes, é preciso colocar-se no lugar do outro também. Respeitar a diversidade religiosa é ter em mente que há uma verdade comum, sem deixar de reconhecer as diferenças, as especificidades de cada religião. É preciso reconhecer que há uma convergência, mas que as religiões não são iguais e que essas diferenças podem levá-las a aprender umas com as outras, se houver uma abertura, uma acolhida, uma escuta atenta ao outro. É uma atitude que não procura converter todas as religiões em uma só, como se apenas uma fosse a “correta”, mas que busca conhecer a experiência do outro para poder compreender a sua forma de pensar e agir e entender que cada experiência é única e não tem como ser uniformizada.

Respeitar é, sim, permitir a todos aqueles e aquelas que pertencem às diferentes religiões a dizerem sua palavra, a dançar sua dança, a cantar seu canto, e procurar compreender o que todos querem dizer. Não se trata de abrir mão de suas próprias visões de mundo para aceitar a do outro, mas de reconhecer que sua perspectiva não é a verdade absoluta e estar aberto ao relacionamento com quem pensa diferente. Não é desprezando as diferenças que se promove a comunidade. À medida que a comunidade progride no respeito e no diálogo, as diferenças talvez se tornem cada vez menores.

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Todas as disputas entre religiões não são saudáveis, e a paz e a harmonia são da mais alta importância e é o respeito que nos faz ver nas religiões os fatores de paz, e que torna lutar pela paz uma atividade religiosa. Não podemos mais justificar levemente os ataques a templos, imagens e pessoas de determinada religião. Pensamos diferente uns dos outros sobre o que possa significar a liberdade religiosa, no entanto, há a necessidade do respeito mútuo.


Referências

GRASSI, Rita (trad.). O pluralismo da verdade. HORIZONTE – Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião, v.18, n.55, p.395, 30 abr. 2020.
KÜNG, Hans. Projeto de ética mundial: uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana. 3ª ed. São Paulo: Paulinas, 2001.
PANIKKAR, Raimon. The intrareligious dialogue. New Jersey: Paulist Press, 1999.
PANIKKAR, Raimon. L’inévitable dialogue: Dieu, Yahweh, Allah, Bouddha... France: Le Relié, 2008.
PANIKKAR, Raimon. VI. Cultures et religions en dialogue: 1. Pluralisme et interculturalité. Paris: Cerf, 2012.
PANIKKAR, Raimon. II. Religión y religiones. Barcelona, 2016. [Obras completas]. [E-book].