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Por um xirê literário: contribuições na luta contra o racismo religioso

Por um xirê literário: contribuições na luta contra o racismo religioso

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A capacidade de recalibrar as nossas percepções de mundo depende, entre inúmeros fatores, da mudança radical em nossa capacidade interpretativa e prática. Vivemos num momento que nos direciona à  mudança dos valores e dos processos constitutivos das nossas identidades, em relação. Por isso, é importante diante de inúmeros processos de resistência contra o racismo — em nossa discussão, especificamente o religioso — e às suas métricas sistémicas de reprodução, que estejamos atentos e dispostos, todas e todos, a ingressar no que o Filósofo Silvio Almeida chamou, na sua entrevista no Programa Roda Vida, de “letramento racial”.

Queremos dizer que é importante retirar o debate sobre a racialização do campo mítico da cordialidade, bem como identificar as suas estruturas de poder, políticas e sociais — o que nos distancia dos discursos ancorados na biologia ou na natureza. No instante em que percebemos que a raça é construída, sobretudo na Modernidade, alicerçada em dispositivos técnicos de poder: teorias do conhecimento, Direito, Economia e Discursos religiosos, nós entendemos que debater sobre a construção da raça é, ao mesmo tempo, identificar o que Achille Mbembe, em sua obra Necropolítica, chama de “instrumentalização generalizada da existência humana e a destruição material de corpos humanos e populações.

Percebendo a necessidade de contribuir para a ampliação de um debate crítico e fiel às tradições de terreiro, nós decidimos indicar quatro obras que tocam na ancestralidade negra, nas agências de transformação desses sujeitos e na experiência ancestral do Candomblé — compreendendo  a sua pluralidade. Frisamos que o nosso interesse está na promoção do diálogo. De modo algum, tencionamos restringir ou delimitar, percepções, práticas e cosmovisões. Ao contrário, o nosso intuito é a iniciar um grande processo de trocas para que consigamos acessar aos valores civilizatórios presentes nas nações Bantu, Iorubá e Fon.

A obra O Candomblé bem explicado de Odé Kileuy e Vera de Oxeguiã, organizada por Marcelo Barros nos insere, a partir da ventilação das tradições orais dos autores e de pesquisas, no trânsito dos saberes ancestrais das Nações Bantu, Iorubá e Fon. Interessados numa reflexão ética destina ao combate ao racismo religioso os autores nos mostram que essa religião “possui um saber infinito; quanto mais se aprende, mais se quer e necessita aprender. É através deste conhecimento que ela se tornará mais respeitada.”

O Livro Intolerância religiosa de Sidnei Nogueira, é a oitava obra da Coleção Feminismos Plurais — organizada pela Filósofa Djamila Ribeiro. Balarorixá e Doutor em Semiótica e linguística geral pela Universidade de São Paulo, Pai Sidnei nos conduz por uma análise sobre os limites do termo intolerância para designar as inúmeras violências que sofrem as, como ele nos apresenta, “Comunidades Tradicionais de Terreiro”. Nas perspectivas do pensador, o racismo religioso “condena a origem, a existência a relação entre uma crença e uma origem preta.”

O Livro Meu tempo é agora, de Mãe Stella de Oxóssi — oitava Ialorixá do Axé Opó Afonjá, foi publicado em 1993. Grifamos a importância de Mãe Stella por ser a primeira Ialorirá a escrever sobre o Candomblé, no Brasil. Nessa obra é possível identificar a contribuição de Mãe Stella na formação — a partir dos valores e das cosmovisões das tradições de axé — das identidades, dentro e fora dos espaços do Ilê.

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Sueli Carneiro é uma das grandes intelectuais do Brasil. As suas contribuições teóricas e práticas na promoção do combate ao racismo devem ser grifadas. O livro Escritos de uma vida é uma obra publicado pela Editora Pólen e conta com a apresentação da Filósofa Djamila Ribeiro. Embora não seja uma obra sobre o Candomblé, em si mesmo, alguns artigos, como “Racismo, religião e crime”, “o poder feminino no culto aos orixás” e “Estado Laico, feminismo e ensino religioso nas escolas públicas”, perpassam pelas  lutas políticas de resistência contra o racismo religioso

Assim, nós assumimos a construção do que chamamos aqui de xirê literário. Nesse sentido, entramos num circuito de diálogo inter-religioso e trânsito dos saberes. Somos convidados a nos colocar como sujeitos e protagonistas das transformações pedagógicas e éticas que constroem um novo horizonte de reconhecimento, pautado na reciprocidade e na solidariedade.